A disparada do mercado de criptomoedas, que culminou com novas máximas históricas do Bitcoin (BTC) e da Solana (SOL) em meados de janeiro, pode ser atribuída à eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

As expectativas positivas despertadas pela vitória do primeiro presidente pró-cripto dos EUA incluíram a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin, a adoção de stablecoins para manter a hegemonia do dólar e maior clareza regulatória.

Esse cenário otimista fez com que o preço do Bitcoin disparasse de US$ 69.400 em 6 de novembro, data da eleição, para US$ 109.000 em 20 de janeiro, dia em que Trump tomou posse, totalizando ganhos de 57% no período.

Gráfico diário BTC?USDT (Binance) entre 6 de novembros de 2024 e 20 de janeiro de 2025. Fonte: TradingView

No caso da Solana, a máxima histórica coincidiu com o lançamento dos tokens Official Trump (TRUMP) e Melania Meme (MELANIA). As memecoins endossadas pela família do presidente eleito impulsionaram o preço do SOL a US$ 293 em 19 de janeiro, mas também sinalizaram que a irracionalidade havia tomado conta do mercado.

Menos de três meses depois do início do segundo mandato de Trump, a euforia cedeu lugar ao medo extremo e os ganhos foram quase integralmente eliminados. Cotado abaixo dos US$ 80.000 nesta quinta-feira, 10 de abril, o preço do Bitcoin ainda se mantém 15% acima dos níveis em que se encontrava quando a vitória de Trump foi confirmada, apesar da desvalorização de 27% em relação à sua máxima histórica.

Por sua vez, o SOL amarga uma queda de 67% em relação ao seu recorde de preço e é negociado abaixo dos US$ 166 em que era cotado quando o rali teve início.

Desde que assumiu o cargo, Trump reafirmou sua disposição de transformar os EUA na capital mundial das criptomoedas, libertou Ross Ulbricht, fundador do marketplace Silk Road condenado à prisão perpétua, nomeou funcionários pró-cripto para comandar os principais reguladores do sistema financeiro, incluindo a Comissão de Valores Mobiliários (SEC), e estabeleceu a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin e de um estoque de ativos digitais.

Apesar de Trump ter cumprido grande parte de suas promessas por meio de ordens executivas – dispositivos de governo frágeis que podem ser facilmente revogados por futuras administrações caso não sejam aprovadas pelo Congresso –, alguns atos têm levantado dúvidas sobre a natureza do seu comprometimento com a indústria.

Além do lançamento das memecoins, o projeto de DeFi (finanças descentralizadas) da família Trump, o World Liberty Financial, promoveu a venda de tokens WLFI, anunciou a criação de um fundo de reserva composto por criptomoedas e recentemente lançou uma stablecoin própria, que foi alvo de ataques da oposição democrata.

Surge então a questão: Trump e sua família estariam se beneficiando do cargo para ganhar dinheiro com as criptomoedas, configurando conflitos de interesses que, no longo prazo, podem prejudicar a credibilidade e a regulação do setor?

“A linha entre visão estratégica e oportunismo ainda não está clara", afirma Luiz Parreira, CEO e fundador da Bipa em depoimento ao Cointelegraph Brasil, acrescentando: 

“De um lado, iniciativas como a stablecoin USD1 e a promessa de tornar os EUA a ‘capital cripto’ parecem estratégicas para fortalecer o setor e o dólar globalmente. Por outro, o lançamento das memecoins $TRUMP e $MELANIA e o controle da World Liberty Financial levantam dúvidas sobre interesses pessoais e exploração do mercado.”

Em paralelo, a guerra comercial adicionou doses de incerteza e pânico nos mercados comparáveis à segunda-feira negra de 1987, à crise do subprime de 2008 e ao crash do Covid-19 em 2020.

A volatilidade atingiu não apenas as criptomoedas, mas também o mercado de ações dos EUA, que amargou perdas de mais de US$ 8 trilhões em menos de uma semana após o “Dia da Libertação.”

“Ao mesmo tempo em que Trump adota uma postura favorável à indústria — demonstrando simpatia por stablecoins e Bitcoin, abertura ao diálogo e incentivo à inovação — ele também implementa tarifas comerciais agressivas que reacendem a instabilidade global e impactam negativamente os mercados de risco, como o de criptomoedas", diz Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, ao Cointelegraph Brasil.

Victor Alpha, economista, cientista de dados e Diretor de Research da WeSearch, diz que é preciso avaliar os atos de Trump dissociando a agenda econômica e geopolítica do governo de suas iniciativas pró-cripto. 

Trump foi eleito com um programa econômico focado na resolução de problemas estruturais dos Estados Unidos, como a desindustrialização, o déficit na balança comercial e a rolagem da dívida pública.

“Atualmente, os Estados Unidos enfrentam um grande desafio relacionado à dívida pública, que ultrapassa 46 trilhões de dólares, sendo que mais de 70% desse montante vencerá nos próximos quatro anos, sendo US$ 9 trilhões já em 2025", diz Victor.

Não se trata de uma traição ao mercado de criptomoedas, “mas sim de uma priorização de questões estruturais e econômicas mais urgentes", afirma Victor.

Nesse sentido, os planos não saíram exatamente conforme o esperado. Ao contrário do que ocorreria em situações similares, os juros dos títulos do Tesouro dos EUA de longo prazo também dispararam, em uma demonstração de que as tarifas produziram uma quebra da confiança em ativos tradicionalmente considerados seguros pelos investidores globais. 

Rumores dão conta de que Trump pode ter suspendido a implementação das tarifas por 90 dias na quarta-feira, 9 de abril, para aliviar a pressão sobre os mercados.

Tota afirma que esse “duplo movimento” tem efeitos positivos e negativos para o mercado cripto, em proporções nem sempre equivalentes:

“A agenda pró-cripto do governo Trump não caminha isolada — ela vem acompanhada de uma política econômica protecionista e inflacionária que, na prática, pressiona os mercados globais como um todo, eleva a aversão ao risco e dificulta exatamente o ambiente de capital e liquidez que o setor cripto precisa para florescer.”

Apesar dos impactos negativos no curto prazo, a mudança de postura de Trump, de crítico do Bitcoin a apoiador incondicional das criptomoedas, reflete sua capacidade de adaptação política, e terá consequências favoráveis ao desenvolvimento da indústria, segundo Victor:

“Vejo isso como uma resposta racional a incentivos políticos e econômicos. A indústria cripto cresceu em influência, doando milhões à sua campanha, e Trump reconheceu seu potencial como ferramenta de poder econômico. Suas promessas e ações, como flexibilizar as regras da SEC e revogar o SAB 121, mostram um alinhamento com os interesses da comunidade, que há anos clama por uma regulação menos sufocante. A proposta de fazer dos EUA a "capital mundial das criptomoedas" vai além da retórica: é uma visão de longo prazo que pode fortalecer o dólar, além da evolução da reserva de Bitcoin nacional.”

Distância entre as expectativas e a realidade

Felipe Sant’Ana, fundador da Paradigma Education, sugere que a resposta sobre uma eventual traição depende da perspectiva sob a qual se avalia os atos de Trump. É provável que o presidente tenha frustrado as expectativas de quem o apoiou “esperando ‘genuinidade’ na relação do presidente com cripto", afirma.

Por outro lado, não há dúvidas de que Trump entendeu “que cripto vai ter um papel mais proeminente no sistema financeiro nas próximas décadas, e está disposto a ajudar isso a acontecer", completa Sant’Ana.

Isso não o impede de se aproveitar das criptomoedas em benefício próprio. “Então, claro, ele quer maximizar as oportunidades de enriquecer a própria família durante esse período", conclui.

Além de adicionar riscos regulatórios, a ambivalência de Trump pode ser prejudicial para a adoção mais ampla das criptomoedas.

Para Parreira, as memecoins TRUMP e MELANIA “podem ser consideradas uma distração que tira o foco dos casos de uso que realmente importam: o Bitcoin como reserva de valor, as stablecoins como uma evolução dos sistemas de pagamento e a eficiência dos sistemas financeiros descentralizados dos protocolos DeFi.”

Victor pondera que as iniciativas de Trump podem ser interpretadas como experimentos dentro de um ecossistema em crescimento. Embora questionáveis do ponto de vista moral e ético, elas não comprometem os princípios fundamentais da indústria:

“Essas ações não contradizem os valores centrais das criptomoedas, como liberdade econômica e descentralização. Pelo contrário, no caso das memecoins, elas demonstram como figuras públicas podem aproveitar a tecnologia blockchain para criar novas formas de engajamento e arrecadação de recursos.”

O erro primário de muitos empresários e usuários de criptomoedas foi ter depositado todas suas esperanças nele, ressalta Victor:

“Políticos são frequentemente vistos como salvadores em momentos de crise, mas, na prática, muitos deles acabam criando as condições para que essas crises aconteçam ou se agravem. Trump, por exemplo, foi exaltado por muitos no mundo cripto como alguém que traria liberdade econômica e desafiaria o sistema tradicional. Suas ações, direta ou indiretamente, contribuíram para desestabilizar mercados, drenando liquidez e deixando até seus apoiadores em situações difíceis, mas não há como se sentir traído por alguém cuja traição já é previsível. Afinal, todo político, por essência, é um traidor.”

Os mercados de ações e criptomoedas registraram ralis de alívio na quarta-feira, 9 de abril, depois que Trump anunciou a suspensão das tarifas por 90 dias, exceto para a China. No entanto, a notícia não foi suficiente para sustentar o ímpeto dos investidores.

Mesmo após a divulgação de dados mostrando a queda do Índice de Preços ao Consumidor dos EUA (CPI) em março, arrefecendo as pressões inflacionárias, as ações e as criptomoedas operam em queda nas últimas 24 horas, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.