O apoio do presidente dos EUA Donald Trump às criptomoedas não se baseia em uma crença na utilidade do Bitcoin (BTC) como reserva de valor ou nos benefícios da descentralização, segundo o economista e ex-ministro da Economia da Grécia, Yanis Varoufakis. 

A adesão incondicional de Trump ao setor, apesar de suas críticas ao Bitcoin no passado, faz parte de um plano ambicioso e controverso para remodelar a ordem global em benefício dos Estados Unidos, mantendo a hegemonia do dólar no sistema financeiro internacional por meio de stablecoins.

A estratégia paradoxal de Trump visa desvalorizar o dólar, preservando, ao mesmo tempo, seu status de moeda de reserva global.

A desvalorização tornaria as exportações americanas mais competitivas, fortalecendo a indústria nacional e reduzindo o déficit comercial. Paralelamente, a demanda por títulos do Tesouro dos EUA contribuiria para a redução das taxas de juros e o refinanciamento da dívida governamental."

Ao agir como fiador das criptomoedas – especialmente as stablecoins –, o governo eleva a confiança dos investidores nessa nova classe de ativos, garantindo que haja uma demanda crescente.

Segundo Varoufakis, as stablecoins emergem como uma alternativa para que bancos centrais e fundos soberanos migrem dos títulos do Tesouro dos EUA para ativos digitais, beneficiando-se da liquidez do mercado de criptomoedas, em vez de convertê-los em outras moedas ou ativos.

Tecnicamente, stablecoins como USDT e USDC, da Circle, são garantidas na proporção de 1:1 por títulos do Tesouro americano. O aumento na capitalização de mercado das stablecoins é um elemento central por trás da lógica de Trump, pois obrigaria essas empresas a garantir uma demanda contínua por dólares.

Recentemente, Paolo Ardoino, CEO da Tether, empresa responsável pela emissão do USDT, a maior stablecoin atrelada ao dólar em capitalização de mercado, revelou que a empresa foi a sétima maior compradora de títulos do Tesouro dos EUA em 2024. Com um total de US$ 33,1 bilhões, a empresa ficou à frente de países como Canadá, México, Alemanha e o Brasil.

Demanda da Tether por títulos do Tesouro dos EUA em comparação com estados nacionais. Fonte: Paolo Ardoino (X)

Stablecoins são a antítese do Bitcoin

“O objetivo principal do Bitcoin, a criptomoeda pioneira, era eliminar os intermediários – os banqueiros centrais e suas moedas fiduciárias, principalmente o dólar", afirma Varoufakis. As políticas pró-cripto de Trump seriam, na verdade, uma traição aos ideais de Satoshi Nakamoto, o criador do Bitcoin.

Emitidas sem lastro verificável ou transparência por empresas privadas, as stablecoins são a antítese perfeita do Bitcoin, argumenta o economista. Ao tornar-se dependente de entidades privadas para sustentar a hegemonia do dólar, o governo de Trump estaria criando um sistema financeiro mais frágil e suscetível a crises:

“Se essa estratégia funcionar e as stablecoins se tornarem um pilar da hegemonia americana, Trump terá plantado uma bomba-relógio nos alicerces do sistema monetário global. A história monetária está repleta de cadáveres de esquemas que garantem a conversibilidade de alguma moeda nova com uma reserva de valor consagrada pelo tempo. O próprio Padrão Ouro era um esquema desse tipo, o sistema de Bretton Woods do pós-guerra era outro.”

Um sistema financeiro dependente de stablecoins pode resultar em um colapso da economia global de proporções semelhantes ao da crise do subprime de 2008, alerta Varoufakis.

Lançado em 2009, o Bitcoin foi criado justamente como uma resposta àquele evento de proporções devastadoras. Paradoxalmente, anos depois, as criptomoedas podem se tornar responsáveis por replicá-lo.

Varoufakis argumenta que, à medida que mais dólares são adicionados às reservas das stablecoins, os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA tendem a cair, incentivando as empresas emissoras a investir em ativos mais arriscados e até mesmo a emitir tokens sem lastro.

“Se o poderoso Império dos Estados Unidos, no auge de sua hegemonia mundial, não conseguiu honrar a âncora do sistema financeiro pós-guerra de Bretton Woods, garantindo a taxa de conversão fixa dólar-ouro, qual a razão para confiarmos que uma empresa privada, como a Tether, possa fazer isso de forma sustentável?", questiona o economista.

“Nada! De fato, a lógica dita o oposto devido à estrutura dos incentivos incorporados à reserva estratégica de criptomoedas de Trump", conclui.

Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, a regulação das stablecoins está entre as prioridades do governo e do Congresso dos EUA.

Bo Hines, diretor executivo do Conselho Presidencial de Consultores sobre Ativos Digitais, afirmou que uma legislação abrangente sobre stablecoins deve ser aprovada nos próximos meses, ressaltando a urgência do governo em manter a dominância do dólar por meio de atividades on-chain.