Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, promulgou o Decreto Nº 11.563, que regulamenta a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, conhecido como Marco Legal das Criptomoedas, concedendo ao Banco Central do Brasil autoridade para regular a prestação de serviços de ativos virtuais.
Além disso o decreto estabeleceu que ficará a cargo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a regulação dos tokens que forem enquandrados como valores mobiliários e, portanto, BC e CVM devem trabalhar em conjunto na definição de regras para o mercado.
Diante disso o Cointelegraph consultou advogados, juristas e economistas para averiguar como foi a recepção deles sobre o decreto e como acreditam que isso irá impactar o mercado cripto no Brasil.
Diego Perez, presidente da ABFintechs, aponta que o decreto apenas confirmou o que o mercado já esperava, que a autoridade a ditar as regras de autorização e fiscalização serão ditadas pelo Banco Central do Brasil, sem, no entanto, deslegitimar a CVM, a criar as regras necessárias quando os ativos digitais apresentarem características de valor mobiliário.
"Inicia-se agora uma nova jornada, a da discussão preliminar às publicações dos atos normativos por estas autoridades, os quais trarão mais detalhes sobre o processo de autorização, as regras e limitações fiscalizatória bem como os requisitos mínimos a serem exigidos para se operar uma empresa que manuseia ativos digitais como negócio principal no Brasil", disse.
Para a Associação Brasileira de Internet (Abranet), o decreto marca o início de uma nova era para o setor de criptoativos, estabelecendo o BC como regulador, preservadas as competências da CVM.
"O mercado aguardava pela emissão do decreto para que o regulador fosse definido e pudesse iniciar o processo regulatório no setor de criptoativos. A expectativa era que o Banco Central fosse esse regulador e que fosse resguardada a competência residual da CVM, tal como ocorreu. Um grande passo foi dado rumo à promoção da inovação, eficiência e segurança jurídica no setor", ressalta a presidente da Abranet, Carol Conway.
Karen Duque, Coordenadora do GT de Criptoativos no Comitê de Meios de Pagamento da ABRANET, destaca também que o marco regulatório do mercado cripto tem sido referência no mundo devido ao potencial de aumentar a proteção ao usuário e garantir que apenas as empresas que seguem altos padrões de segurança e transparência operem localmente.
Já Andrey Nousi, fundador da Nousi Finance, destacou que o movimento foi positivo e que, em especial, Roberto Campos Neto e sua equipe conhecem profundamente sobre tecnologia blockchain.
"Então criar uma regulamentação para proteger o público de crimes usando ativos digitais e dando o poder de regulação a um órgão que entende do assunto, me parece um avanço na direção correta", apontou.
No entanto, segundo ele, ainda restam alguns pontos a serem postos em regulamentação, como a determinação clara do que é considerado Valor Mobiliário.
"A CVM já se posicionou no passado que espera primeiro um posicionamento da SEC antes de ter seu parecer final. Embora também usem os princípios do Teste de Howey.
Entretanto a SEC nos últimos meses têm tomado um posicionamento diametralmente contra a indústria de criptomoedas. Indo muito além do escopo de somente querer proteger o público. Então seria interessante que a CVM tivesse seu posicionamento que buscasse proteger o público, mas sem necessitariamente matar a inovação", disse.
Já Paulo Aragão, co-fundador do CriptoFácil, destacou que não houve nenhuma surpresa no decreto, porém, a partir de agora, será possível entender o que de fato será lei para as empresas e para o mercado de criptomoedas no país.
"A gente vai conseguir ver de fato o que vai ser feito e como vai ser feito. Ainda não tem nenhuma resposta e minha esperança, minha expectativa é de que seja algo mais propositivo e menos penalização. Menos menos perseguição ao setor. Vamos ver, vamos acompanhar", disse.
Decreto de Lula
O doutor em Ciência Política, João Kamradt, destacou que a publicação do decreto é um primeiro passo para a regulamentação do setor, mas não necessariamente estimula inovação ou mesmo busca criar mecanismos para garantir segurança para investidores institucionais ou de varejo que atuam fora das corretoras centralizadas.
"Para quem atua no ambiente mais descentralizado, fazendo auto-custódia, a lei ainda tem pouco impacto. Entretanto, é esperado que em breve esses tópicos sejam abordados por futuras leis", destacou Kamradt que também é head de research da viden.voce.
Thiago Barbosa Wanderley, advogado sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados destacou que o Brasil vai na linha oposta do que vem ocorrendo nos EUA e isso é um sinal positivo para o mercado.
"Enquanto os EUA estão em atacando a indústria Cripto por meio da SEC (CVM americana), o Brasil caminha para se tornar uma referência no tocante a criptoeconomia.
Com a indicação do Banco Central como órgão regulador por meio do Decreto 11.563/2023, estamos mais próximos de uma efetiva regulação e, consequentemente da entrada dos investidores institucionais na criptoeconomia", destacou.
Já Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, especialista em Blockchain, sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados, destaca que o decreto foi um avanço mas que o Banco Central deve demorar para publicar as regras para o setor cripto.
"Novamente o Brasil tem tudo para ficar na vanguarda e se tornar um grande hub para desenvolvimento do mercado. Minha expectativa é que o processo regulatório do Bacen leve algum tempo", disse.
Alexandre Magno Antunes de Souza, Mestre em Direito Constitucional pelo PPGDC, aponta que decreto não mudou muita coisa.
"Com o decreto, nada mudou sobre as competências atribuídas à CVM. Ademais, o artigo 3º do decreto reforçou o que já constava na Lei 14.478/2022 de que essa lei não se aplicaria aos casos em que os ativos virtuais fossem utilizados como valor mobiliário. Nisso, vale mencionar que caso um Ativo Digital Criptografado for utilizado como lastro para derivativos ou contratos futuros se terá a atuação da CVM ao invés do Bacen. E, ainda sob essa mesma lógica, quando houver emissão de ICOs.
O que se tem, então, é que o Banco Central é a entidade reguladora para autorizar o funcionamento, a transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviços de ativos virtuais; estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviços de ativos virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração, além de outras competências atribuídas pela Lei 14.478/2022", apontou.
Banco Central e CVM
Gabriel Stanton e Isadora Postal Telli, advogados de Souto Correa na área de Fintechs e Criptoativos, destacam que a nova regulamentação implica, por exemplo, na dinâmica de funcionamento das exchanges que terão um prazo de, no mínimo, 6 meses para se adequarem às diretrizes do regulador.
"Para as novas entrantes, o funcionamento agora fica atrelado à prévia autorização do Banco Central do Brasil. A decisão é um importante instrumento para o desenvolvimento do mercado de criptoativos no Brasil, já que poderá atrair players estrangeiros que até então tinham dúvidas sobre a viabilidade jurídica e regulatória para operar no País", disse.
O economista e professor universitário Gabriel Sarmento Eid, destaca que a regulamentação do mercado cripto é importante para que esse produto seja melhor fiscalizado e, principalmente, as corretoras que atuam nesse mercado sejam melhor supervisionadas, evitando os inúmeros casos de fraudes que tanto vimos ocorrer.
"Porém, vale um alerta para o investidor principiante, esse novo marco legal de nada vai influenciar no risco e na volatilidade dos ativos cripto, ele ainda é um mercado arriscado e complexo, sensível as oscilações de oferta e demanda e sujeito à especulações", destacou.
Henrique Rocha, sócio do VBSO Advogados, destaca que o decreto do governo federal tem como grande efeito prático a designação formal do Banco Central como órgão relador e não há nada de novo nisso, pois era o que já vinha sendo esperado pelo mercado.
"Agora o Banco Central vai começar a estudar e ao longo dos próximos meses editar regulamentações infralegais pra dar corpo a lei no Brasil. Então em termos práticos, a grande novidade realmente é fixar aqui o Banco Central é o regulador, aspectos mais operacionais devem vir aí nos próximos meses a medida que o Banco Central editar regulamentações específicas pra tratar da área", disse.
Tomás Amadeo, responsável pelas áreas de direito societário, contratual e M&A do Chamon, Serrano e Amorim Advogados (CSA Advogados), destaca que é fundamental a manutenção das competências da CVM e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor trazida pelo decreto para proteção de ofertas públicas e contratos coletivos de criptoativos.
"Isso é fundamental para prevenção e repressão a crimes relacionados aos ativos virtuais”, completa o advogado.
Ainda faltam coisa a serem definidas
Tiago Severo, advogado especialista em prática de banking e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, dstacou que do ponto de vista normativo, o decreto preenche uma lacuna que a própria legislação deixou para fins de definir quem vão ser as autoridades que irão supervisionar, autorizar e fiscalizar as entidades que integram esse novo setor.
"Se o ativo digital que vai surgir no mercado e ele tiver uma característica na prática de fazer com que esse recurso seja captado pela empresa, isso é considerado uma oferta pública e tem previsão de uma legislação especial 6385, art 2, que diz que isso é um valor imobiliário.
Se mesmo sendo chamado de ativo digital, esse ativo tiver a usabilidade de captar recurso de terceiro, ele vai se enquadrar como uma oferta pública e aí sim vai precisar ter o requerimento da CVM.
Ele aponta também um terceiro efeito ou consequência do decreto: Banco Central precisa criar esse normativos do Infralegal como o Detran. Então, ele vai ter que editar as regras do que essas novas empresas que fazem intermediação, custódia ou se tem um projeto de tecnologia que ajuda na liquidação.
"O efeito prático é que o mercado continua atuando do jeito que está, até porque existia uma discussão no Senado sobre uma regra de transição, que estava no artigo nono, parágrafo único do PL 4401, que previa uma regra de transição. Isso caiu na Câmara, mas passou no Senado.
Agora está havendo uma mega discussão sobre a exigibilidade ou não de uma licença prévia para fins de começar a operar depois que o decreto entrar em vigor. Então, não existe essa, qualquer ator vai continuar podendo operar. Não há impedimento para novo CNPJ. Começar a operar, o status score não muda no final do dia", disse.
Anthonio Araújo Jr, CEO da ABM Advocacia, inicialmente a lei impacta o mundo jurídico, porém, acredita-se que deve refletir em vítimas de golpes relacionados a criptomoedas no passado, já que o principal efeito imediato da nova lei é uma mudança no Código Penal, que caracteriza o crime como estelionato especializado em ativos virtuais, com pena entre 4 e 8 anos e multa.
"Essas regulamentações são profundas e abrangentes, pois podem moldar o futuro do setor de ativos digitais no Brasil", afirmou.
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