Especialistas em blockchain reagiram a uma determinação desta semana da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (CGJSC), proibindo os cartórios de reconhecerem o vínculo de Tokens Imobiliários Digitais (TIDs) a matrículas de imóveis.
Especialista em Processo Civil, Regulação e Novas Tecnologias e Direito Digital, a advogada Karoline Hoffmann avaliou que, apesar de resguardar a literalidade do ordenamento atual, a decisão catarinense “sinaliza um atraso relevante na incorporação de tecnologias que podem promover mais eficiência, segurança e inclusão no mercado imobiliário”.
A tokenização, isoladamente, não substituirá o registro público — mas, com regulamentação adequada, poderia funcionar como um complemento valioso ao sistema jurídico registral, trazendo redução de custos, maior transparência e dinamismo na circulação de ativos imobiliários, opinou.
Para a sócia na empresa de cursos de Direito Digital Aplicado (DDA), a decisão da Justiça de Santa Catarina acendeu o sinal de alerta de que a regulamentação federal ampla da tokenização representa um tema urgente. O que, segundo ela, passa por um estudo aprofundado dos impactos técnicos, jurídicos e sociais da tokenização.
Sem isso, medidas restritivas como a de SC impedem que o país avance na consonância entre inovação e segurança jurídica, mantendo margens desnecessárias para práticas ineficientes e pouco inclusivas, completou.
Ao Valor Investe, o CEO e fundador Liqi Digital Assets, Daniel Coquieri, salientou os benefícios que a tecnologia blockchain agrega a segmentos do mercado (i)mobiliário, como o de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs). Entre eles, a programabilidade dos contratos inteligentes, que eliminam, por exemplo, a dependência de relatórios e impedem o uso indevido dos recursos. Nesse caso, a utilização da blockchain teria evitado casos como o suposto uso indevido de R$ 216 milhões em recursos de 80 fundos de reserva, de CRIs e CRAs, da securitizadora Virgo, alvo de pedidos de reembolso e reclamações junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Regulamentação ampla
Para a advogada e especialista em Direito Digital Karim Kramel, o mercado de tokens imobiliários no Brasil ainda opera em uma zona cinzenta, adaptando as normas existentes a essa nova realidade. Segundo a sócia da plataforma de ensino DDA, iniciativas como a da tokenizadora Zuvia, em parceria com a B3, para negociação de tokens de Contratos de Investimento Coletivo (CIC), não estão imunes a riscos legais, embora estejam sob o guarda-chuva da Resolução 88/2022 da CVM, que trata das plataformas de crowdfunding.
O mercado opera em uma zona cinzenta, adaptando as normas existentes a essa nova realidade. As regras de negociação desses ativos são formalizadas e cumpridas por meio dos smart contracts - programas informáticos que executam os acordos prévios estabelecidos entre as partes negociantes -, mas a incerteza jurídica permanece, uma vez que as leis brasileiras, incluindo o Código Civil e a Lei de Registros Públicos, não foram concebidas para a realidade dos ativos digitais, explicou.
O lançamento do ativo da construção civil tokenizado ocorreu na última sexta-feira (22), quando o financiamento de um empreendimento residencial em Bauru, interior de São Paulo, foi convertido em cerca de 550 mil tokens que foram disponibilizados aos investidores, a partir do aporte mínimo R$ 25.
Segundo Karim Kramel, apesar do uso dos Smart Contracts, quem adquire token não se torna, em regra, proprietário real do bem físico. Além disso, acrescentou, o processo de tokenização do bem imóvel exige a lavração e registro em cartório de escritura pública de permuta entre a plataforma que “abrigará” o token e o proprietário do imóvel. Só então o antigo proprietário registral passa a ser proprietário digital do imóvel na plataforma, enquanto esta passa a ser a proprietária registral, de acordo com a especialista.
Este é o ponto mais crítico e frequentemente mal compreendido”, alertou.
A advogada disse ainda que, atualmente no Brasil, os direitos sobre imóveis são estabelecidos com o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis, o que garante que todas as informações referentes a um mesmo imóvel sejam concentradas em um único registro de acesso público.
É importante que se crie uma interconexão entre os sistemas dos cartórios de registro de imóveis e dos registros dos tokens referentes à propriedade digital para que as informações sobre um mesmo imóvel possam continuar centralizadas, que ainda não é possível, pontuou.
Ela também frisou que a aquisição de um token confere o direito de receber uma parte dos resultados financeiros daquele imóvel, conforme definido no smart contract. Ou seja, juridicamente, o comprador é um credor ou um investidor em um projeto, cuja propriedade legal do imóvel costuma estar em nome de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) que faz a ponte entre o mundo físico e o digital.
A dificuldade está na caracterização jurídica do token: se ele constitui direito real (o que, no Brasil, exige registro no Cartório de Registro de Imóveis) ou se configura um direito obrigacional ou contratual vinculado à SPE que detém a titularidade formal do imóvel, finalizou a especialista.
Esta semana, a BRX Finance anunciou que pretende introduzir os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) na era da Web3 com o “FIDC 3.0.” A solução criada pela fintech brasileira utiliza a tokenização de ativos reais (RWA) e princípios de automação e eficiência de protocolos DeFi (finanças descentralizadas) por meio de contratos inteligentes para conectar o mercado de crédito tradicional à nova economia digital, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.