Eram cinco da manhã quando Sabrina Byrne se deu conta de que o dia estava clareando enquanto ela verificava, pela centésima vez em 24 horas, as cotações das criptomoedas transacionadas através de seu aplicativo. A ansiedade que afetou o trabalho e tomou conta da analista de dados inglesa, de 26 anos, começou em janeiro, quando comprou Bitcoin (BTC) pela primeira vez. 

O que se manifestou como ansiedade em Sabrina, tomou forma de arrependimento em  Mohammad Kakar, que se viu atormentado após vender US$ 6 mil de uma memecoin que acabaria triplicando de valor, provocando no morador de Montreal perda de apetite, perda de sono no meio da noite e uma tristeza profunda após a venda precipitada dos tokens. 

Luis Taveras perdeu algo ainda mais valioso que a tranquilidade e as noites de sono: a família. Isso porque o morador do  Bronx, em Nova York, abandonou o emprego em uma clínica médica e decidiu investir todas as suas economias, cerca de US$ 50 mil, em criptomoedas em tempo integral. O que afastou o homem de 47 anos dos amigos e o deixou praticamente sem tempo para sua família. 

Taveras, que se encontra em recuperação após um longo período viciado em drogas e álcool, é taxativo ao reconhecer que está sendo consumido pelas criptomoedas ao passar dia e noite investindo, lendo sobre investimentos ou conversando com outros investidores. “Não precisa ser uma substância”, disse. 

Sabrina,  Mohammad e Luis fazem parte de uma legião de milhares de pessoas ao redor do mundo que parecem ter entrado em um bar sem barman e com um novo tipo de bebida, onde as pessoas estão servindo elas mesmas, segundo declarações de especialistas, veiculadas em publicação recente do Los Angeles Times.

Embora a compulsão por criptomoedas seja objeto de piadas nas redes sociais por parte de investidores que se vangloriam de serem “degens” (degenerados), presos a cada atualização minúscula de criptoativos e ávidos por novas compras durante lançamentos, parte dos investidores já não esconde que estão “viciados” ao levarem para plataformas de rede social, como  Twitter, YouTube e o Discord, suas dependências totais às criptomoedas. 

Para se ter uma ideia dos efeitos provocados pelo vício em criptomoedas, além do aumento no número de relatos identificado pelos médicos, o transtorno  é objeto de pesquisas de campo e de um programa de tratamento em uma clínica de reabilitação na Suíça, cujo valor não sai por menos de Us$ 90 mil por semana.

O terapeuta Dan Field, supervisor clínico do Programa de Estudos de Jogos da University of California, Los Angeles (UCLA) e cofundador da Stop Betting Sports, revelou que  a maioria das ligações que ele recebe é sobre criptomoedas, apostas esportivas e NFTs.

A volatilidade das criptomoedas parece estar no cerne do problema, uma vez que a emoção com a disparada de preços se alterna com o desespero súbito de uma queda verticalizada, o que aconteceu com o Bitcoin (BTC) na última quinta-feira (12), quando caiu a criptomoeda abaixo dos US$ 26 mil desde dezembro de 2020 até se recuperar acima dos US$ 29 mil no final da tarde. 

Queda ainda mais drástica aconteceu com o colapso da rede Terra (LUNA), que foi interrompida, após uma desvalorização de quase 100%. O que mobilizou os moderadores de um fórum no Reddit a considerarem o risco de automutilação  dos investidores e divulgarem uma lista com números de ajuda em diversos países. 

Segundo os especialistas em saúde mental, o análogo mais próximo do vício em criptomoedas é o transtorno do jogo, uma vez que a possibilidade de ganho instantâneo de dinheiro, que faz os investidores assumirem riscos impulsivos em criptomoedas,  em caso de vitória,  desencadeia a dopamina, uma substância formada nos neurônios e associada ao humor e às emoções. 

É o que sugere o depoimento do professor de psiquiatria e codiretor do Programa de Estudos de Jogo da UCLA, Timothy W. Fong,  ao revelar que desde o início da pandemia recebe, em média, dois pacientes por mês que nunca pisaram em um cassino ou fizeram uma aposta, mas que se encontram viciados em criptomoedas. 

“É como um bar sem barman, e há todo esse novo álcool e as pessoas estão servindo elas mesmas”, comparou. 

Por outro lado, ao contrário do alcoolismo, o vício em criptomoedas ainda não dispõe de uma infraestrutura formal de tratamento estabelecida para pessoas que afirmam estar negociando cripto em excesso e não conseguem parar, segundo esclareceu Fong. 

"Você está deitada na cama à noite e, em seguida, seu telefone acende com uma notificação e eu penso: ‘Preciso ver o que está acontecendo’. Havia aquela necessidade constante de olhar, aquela necessidade constante de checar", revelou Sabrina Byrne. 

Para o assistente social e conselheiro de jogos de azar em Wisconsin,  Doug LaBelle, outro complicador é o fato de os médicos não compreenderem exatamente como funcionam as criptomoedas, além da baixa quantidade de pesquisas disponível.  

Na vanguarda do aumento do vício em criptomoedas, o isolamento social ocasionado pela pandemia e a alta do mercado serviram como uma espécie de mola propulsora do crescimento do transtorno, cujos sintomas apresentam alguns sinais clássicos, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

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