O Banco Central (BC) abriu uma consulta inicial sobre a regulação dos serviços prestados por carteiras digitais, como Apple Pay, Google Pay e Samsung Pay. Segundo o Edital de Participação Social 118/2025 divulgado em 4 de abril, a tomada de subsídios visa aprimorar a regulação dos arranjos de pagamento, com foco específico nos prestadores de serviço de solicitação e armazenamento de token de dados de instrumentos de pagamento, denominados como "solicitantes de token."
Embora a consulta não mencione diretamente os Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) ou as carteiras de criptomoedas autocustodiais, o conceito de “solicitantes de token” adotado pelo BC pode ter impactos relevantes e potencialmente indesejados sobre o desenvolvimento e a inovação do mercado de criptomoedas brasileiro, afirma Anna Lúcia Berardinelli, sócia da área de ativos digitais, blockchain e Web3 do escritório Villemor Amaral Advogados.
Nos termos do edital, “solicitantes de tokens” são as entidades que oferecem aos usuários finais a capacidade de solicitar e usar um token que represente os conjuntos de dados necessários para realizar pagamentos por meios digitais. Atualmente, esse mercado é controlado por gigantes do setor de tecnologia como Apple, Google e Samsung.
A consulta preliminar do BC busca determinar se essa definição é suficiente para caracterizar essa nova modalidade de participação nos arranjos de pagamento, questionando se ela é excessivamente restrita ou abrangente, ao mesmo tempo em que abre espaço para que os participantes apresentem conceitos diferentes.
“Como essas Big Techs, que detêm muito poder econômico, estão tomando parte desses arranjos no Sistema de Pagamentos Brasileiro sem estarem reguladas, há uma preocupação justificada do BC de evitar concentração de mercado, concorrência desleal e a cobrança de taxas abusivas", diz Berardinelli.
O conceito proposto pelo BC não se refere a tokens emitidos em redes blockchain, mas sim a códigos alfanuméricos gerados por algoritmos que substituem dados sensíveis dos usuários, especialmente números e informações pessoais vinculadas a cartões de crédito, durante transações financeiras, reduzindo o risco de fraudes e vazamentos de informações.
Para Berardinelli, a definição de “solicitantes de tokens” proposta pelo BC é muito ampla. “Qualquer plataforma que ofereça soluções de integração de stablecoins e criptomoedas com bancos pode se encaixar nesse conceito", diz a advogada.
Dessa forma, caso a regulação avance, Prestadores de Serviço de Ativos Virtuais (PSAVs) e até mesmo carteiras autocustodiais poderiam ser submetidas às regras, impactando a livre concorrência e a inovação no mercado brasileiro, segundo Berardinelli:
“A tomada de subsídios não é sobre o mercado de criptomoedas, mas há um ponto de contato importante. O conceito proposto pelo BC permite que as plataformas que buscam fazer uma integração de stablecoins ou criptomoedas com o Sistema de Pagamento Brasileiro fiquem sujeitas às mesmas regras que as Big Techs.”
Controle tarifário e livre concorrência
O BC também demonstra preocupação de que as taxas cobradas pelos “solicitantes de tokens” possam ser repassadas aos emissores dos cartões e, consequentemente, aos consumidores finais.
“Os solicitantes de token têm incentivo a monetizar seu negócio sobre os emissores de cartão, que tendem a absorver esses custos ou repassá-los ao conjunto de consumidores (usuários ou não do serviço de tokenização) via outras tarifas", diz o edital.
O BC quer garantir que as tarifas cobradas por esses serviços sejam acessíveis a todos os emissores e usuários, independentemente de seu porte ou perfil de uso, evitando incentivos a subsídios cruzados e prevenindo o abuso de poder de mercado.
Para isso, o BC considera duas abordagens possíveis: incluir os “solicitantes de token” como participantes dos arranjos de pagamento, submetendo-os a tarifas estabelecidas pelo regulador, ou supervisioná-los diretamente como entidades autorizadas.
Berardinelli alerta que a proposta de controle tarifário apresentada pelo BC é bastante incomum e tende a restringir a livre concorrência, ao contrário do que a regulação se propõe:
“A tentativa de estabelecer tarifas configura uma regulação de alta densidade. O BC pode acabar avançando no controle de players que são provedores de tecnologia descentralizada, e fazer o controle tarifário e da livre concorrência, fora do sistema financeiro, quando já existem órgãos para controlar e garantir o livre mercado.”
Próximos passos da regulação das carteiras digitais
A tomada de subsídios é um estágio preliminar na formulação de diretrizes regulatórias. O objetivo é reunir informações e opiniões que ajudem a identificar problemas e avaliar alternativas, permitindo ao órgão regulador criar regras alinhadas com o interesse dos usuários e os propósitos e finalidades das entidades que atuam nesse mercado.
O prazo para envio de contribuições se encerra em 2 de junho. Posteriormente, o BC deve apresentar uma consulta pública formal com as diretrizes para regulação do mercado de carteiras digitais.
Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil recentemente, a Ark Invest, gestora de investimentos em tecnologia e inovação liderada por Cathie Wood, previu que "super apps" de finanças devem substituir as instituições bancárias em um futuro próximo, concentrando a prestação de serviços em uma plataforma unificada. Essa tendência reforça a importância do debate sobre como regular essas novas tecnologias sem frear a inovação.