O historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari publicou um vídeo no X em que reconhece que o "Bitcoin (BTC) é um retorno ao ouro, uma forma eletrônica de ouro." No entanto, ele argumenta que essa característica não transforma o BTC em um ativo superior às moedas fiduciárias controladas por governos e bancos centrais.
Ao contrário, Harari afirma que o Bitcoin é uma ameaça à cooperação humana e, por consequência, ao desenvolvimento econômico e à prosperidade social, porque é uma forma monetária baseada na desconfiança.
Para Harari, o propósito do dinheiro e das instituições financeiras e governamentais é "criar confiança entre pessoas estranhas" e o design do Bitcoin não seria apropriado para esse fim.
When I say that Bitcoin is a currency of distrust, I'm just repeating what Bitcoin fans themselves say. There may be good reasons not to trust the banks and governments that create dollars, yens, and other currencies – but that doesn’t change the fact that the preference for… pic.twitter.com/dntBOWPQhz
— Yuval Noah Harari (@harari_yuval) May 21, 2024
O vídeo publicado no X na terça-feira, 21 de maio, é uma resposta aos ataques que Harari recebeu da comunidade das criptomoedas após criticar o Bitcoin durante participação no BIS Innovation Summit, um evento promovido pelo Banco de Compensações Internacionais entre 6 e 8 de maio.
Na ocasião, Harari declarou que, sob a ótico de um historiador, ele não gosta da proposta baseada em escassez e desconfiança do Bitcoin:
"A ideia central do Bitcoin é basicamente ser uma forma de ouro eletrônico. Nós não acreditamos nos bancos e nos governos, então não queremos dar a eles a capacidade de criar tanto dinheiro quanto queiram. Por isso criamos o Bitcoin, uma moeda baseada na desconfiança."
No evento do BIS, Harari completa a sua reflexão sobre o Bitcoin dizendo que o mandato de imprimir dinheiro concedido a bancos e governos é uma "boa ideia." As moedas do futuro em suas formas digitais devem preservar esses recursos, sem solapar a confiança nessas instituições humanas, defendou o historiador, as quais ele considera imprescindíveis.
Após uma enxurrada de críticas da comunidade cripto, Harari tomou a iniciativa de aprofundar sua tese contrária ao Bitcoin, argumentando que instituições e instrumentos financeiros como moedas fiduciárias, títulos e ações servem ao propósito de criar confiança "entre milhões de estranhos, permitindo que eles possam compartilhar conhecimento e recursos para cooperação em projetos de interesse comum."
Em seguida, Harari afirma que no passado havia pouca confiança entre estranhos, e isso criou a necessidade de atrelar o dinheiro ao ouro, um recurso escasso. Segundo o historiador, a escassez seria desvantajosa, pois uma quantidade limitada de dinheiro restringe a cooperação e o progresso econômico.
A crescente confiança nas instituições desde o início da modernidade permitiu que bancos centrais controlados por estados nacionais criassem "toneladas de dinheiro novo com papel e, recentemente, a partir de dados eletrônicos."
Prosseguindo em sua linha de pensamento, Harari adota o argumento caro aos adeptos das criptomoedas de que o Bitcoin seria uma forma de "ouro eletrônico." Ao promover um retorno ao ouro, afirma o historiador, o Bitcoin representa um retrocesso a uma era de escassez de recursos, uma vez que a proposta da criptomoeda é contrária ao princípio de que os governos devem ter o poder de "criar dinheiro à vontade."
Harari conclui seu contra-ataque ao Bitcoin delineando um cenário alarmante, em que as instituições criadas pela civilização ocidental estarão em oposição a "tecnologias de desconfiança":
"Os humanos controlam o mundo porque aprendemos a confiar e cooperar uns com os outros. Agora, se perdermos a confiança nas instituições humanas e, em vez disso, depositarmos toda a nossa confiança apenas em algoritmos, então os algoritmos controlarão o mundo."
As declarações de Harari geraram uma ampla repercussão nas redes sociais. Muitos membros da comunidade cripto criticaram o historiador, acusando-o de não compreender a verdadeira natureza e os benefícios do Bitcoin.
A especialista em macroeconomia e autora do livro "Broken Money" (Dinheiro Quebrado, em tradução livre), Lyn Alden, argumentou que a "criptografia é uma 'tecnologia de desconfiança' e, ainda assim, é o que viabiliza o comércio eletrônico de bens e serviços."
"Da mesma forma, o Bitcoin dá às pessoas mais escolhas sobre em quem ou no que confiar, em vez de serem obrigadas a se envdividar sob o monopólio do banco central da jurisdição sob a qual estão submetidas", acrescentou Alden.
O capitalista de risco e pesquisador de criptomoedas Nic Carter acusou Harari de inverter os conceitos do Bitcoin e das moedas fiduciárias:
"O objetivo de dinheiros fortes é facilitar o comércio entre contrapartes que não têm confiança mútua; é por isso que, historicamente, o ouro e a prata eram o meio de liquidação do comércio global, e não outras formas monetárias."
"O Bitcoin é apenas a versão moderna de um mundo no qual as moedas fiduciárias são um instrumento de controle e projeção de poder", argumentou Carter.
Michael Saylor, fundador e presidente da MicroStrategy, a entidade que detém a maior quantidade de BTC no planeta, contestou Harari dizendo que com o Bitcoin a "humanidade encontrou uma forma de criar instituições confiáveis."
Em sua obra, Harari recorrentemente se mostra cético em relação aos recentes avanços tecnológicos, com críticas às Big Techs, à centralização dos bancos de dados e aos riscos que as redes sociais e a inteligência artificial (IA) representam para a governabilidade e a coesão social.
O historiador israelense, no entanto, não se alinha àqueles que acreditam que a tecnologia blockchain e a Web3 se apresentam como poder moderador à IA ou alternativa à centralização de dados armazenados e processados por grandes empresas do setor de tecnologia.
No mesmo evento do BIS em que criticou o Bitcoin, Harari lançou uma advertência de que o uso desenfreado da inteligência artificial no sistema financeiro pode ter consequências desastrosas, minando a confiança nas instituições e provocando instabilidade social.