Compreender o que aconteceu dentro do mercado de criptomoedas em 2022 desprezando os principais episódios do cenário macroeconômico e geopolítico no mundo pode ser um erro grave aos investidores na medida em que esses mesmos episódios dão sinais de resistência para 2023. Isso porque, apesar dos problemas aparentemente exclusivos do ecossistema cripto terem produzido alguns desastres ao longo do ano, as perdas massivas desse mercado foram ocasionadas pelas pressões externas que afugentaram grandes investidores e provocaram uma escalada do FUD, sigla em inglês para medo, incerteza e dúvida, que, por sua vez, coincidiu com algumas crises internas do mercado cripto ao longo de 2022. 

As garras do Fed

Um dos protagonistas da derrocada das criptomoedas em 2022 foi o aperto monetário por parte do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA. Uma empreitada de aumento na taxa de juros como arma de combate à inflação, cujos primeiros capítulos começaram em janeiro desse ano, embora sua durabilidade aparentemente não tenha sido percebida imediatamente pela maioria dos investidores, em linhas gerais. Tanto que nos primeiros dias do ano, após o Bitcoin (BTC), bússola do mercado cripto, cair de US$ 47 mil para US$ 42 mil depois da publicação da primeira ata de 2022 do Fed, a própria exchange de criptomoedas Binance comprou a queda ao adicionar 43.000 BTC à sua carteira. A essas alturas, as baleias começavam a orquestrar um movimento de saída massiva das exchanges que se repetiu ao longo de todo o ano, favorecendo o crescimento do FUD em razão do Fed. Não por acaso, menos de duas semanas do início de 2022, o BTC já acumulava US$ 7 mil em perda, apesar do grito de alguns traders de que 2022 seria um ano desolador

Guerra entre a Rússia e a Ucrânia

Outro acontecimento marcante desfavorável ao mercado cripto encontrou um marco temporal significativo no dia 23 de fevereiro, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, autorizou a invasão à Ucrânia, ocasião em que o Bitcoin, que orbitava os US$ 36 mil, começou a despencar para valores abaixo de US$ 33 mil, no dia seguinte.

Coquetel “Fed + guerra”

Ainda que as baleias comprassem a queda depois do início do conflito, o que ajudou a manter o BTC momentaneamente em US$ 40 mil, a guerra traria na bagagem uma série de consequências preocupantes para macroeconomia, responsáveis pela intensificação da pressão sobre as criptomoedas. Uma delas foi o pacote de sanções econômicas impostas à Rússia pelos EUA e pela União Europeia, como a remoção dos bancos russos da rede transfronteiriça SWIFT.

Criptomoedas encurraladas

As sanções econômicas contra a Rússia fizeram os holofotes mundiais se virarem para as criptomoedas, consideradas uma forma de os oligarcas russos burlarem as  sanções adotadas pelas autoridades. Por outro lado, com o rublo russo derretendo, o mercado de criptomoedas assistiu a uma corrida pelas stablecoins como forma de proteção. Além disso, a guerra serviu como um ingrediente a mais de um coquetel indesejado, que se juntou à inflação e aos juros, contra o Bitcoin. 

Declínio das stablecoins

Outro marco temporal importante para as criptomoedas está localizado em maio, marcado pelo colapso do ecossistema do antigo Terra (LUNA), que, a reboque, refletiu-se em saques massivos de stablecoins das plataformas. Por outro lado, não é possível afirmar se a redução do suprimento de stablecoins estaria exclusivamente relacionada ao episódio, já que o Bitcoin apresentava dificuldade em se manter acima do suporte de US$ 30 mil diante do arrocho do Fed. Tanto que a queda de suprimento da maior stablecoin do mercado, o Tether (USDT), perdurou até o final de julho

Correlação com mercado de ações

A força da política monetária do Fed, sobre o mercado de criptomoedas, ficou mais evidente no final de maio, quando outro componente desfavorável ficou mais claro: a correlação entre o Bitcoin e o mercado de ações, em especial com os papéis combalidos das grandes empresas de tecnologia de capital aberto, as Big Techs. Não por acaso, foi nessa época que o BTC caiu abaixo de US$ 28,7 mil acompanhando o índice S&P 500,que, na ocasião, entrava oficialmente no mercado de baixa. No início de junho, essa correlação chegava a 100%.

Maior inflação em 40 anos

Junho de 2022 também será lembrado por um crash que atingiu o mercado cripto na seara da divulgação da inflação acumulada de 12 meses até maio nos EUA, período em que o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) chegou a 8,6%, maior percentual desde 1981, ocasião em que o Bitcoin caiu abaixo de US$ 23,8 mil e o mercado de criptomoedas perdeu o suporte de US$ 1 trilhão.

Treasuries e DXY

O FUD instalado no mercado de criptomoedas também pôde ser observado pela busca por investimentos considerados mais seguros, como os Treasuries, títulos do Tesouro dos EUA, e pela ascensão do índice DXY, que mede o dólar americano frente a uma cesta de moedas internacionais consideradas fortes. 

Commodities e estagflação

No “coquetel” macroeconômico da geopolítica mundial, que desfavoreceu o mercado cripto em 2022, também está o avanço no preço dos alimentos, mesmo com o aumento na taxa de juros pelo Fed e outros bancos centrais, mundo afora. Em linhas gerais, a guerra favoreceu a alta do petróleo e outras fontes de energia, em especial na Europa, que depende do gás produzido pela Rússia. Com isso, diversas commodities dispararam no mercado mundial e, consequentemente, atraíram investidores, em detrimento das criptomoedas. Outro complicador para as criptomoedas em 2022 foi o fantasma da estagflação, que é a combinação de inflação e encolhimento da atividade econômica ao mesmo tempo, eventos que, normalmente, caminham em uma mesma direção. 

Possíveis impactos

O êxodo de investidores internacionais e a capitulação de grandes baleias e mineradores de Bitcoin, por exemplo, desencadearam, por exemplo, a insolvência da empresa de risco Three Arrows Capital (3AC), que não conseguiu atender aos saques em massa após o colapso do Bitcoin, que, na ocasião, caia abaixo de US$ 20,8 mil em meio a US$ 100 milhões em saída do mercado cripto por causa da política agressiva do Fed. Dias depois, a empresa de empréstimo de criptomoedas Voyager Digital, listada na Bolsa de Valores de Toronto, viu suas ações despencarem 60% ao revelar que tinha US$ 655 milhões em exposição à 3AC. 

2023

Com o próximo ano batendo à porta e o Bitcoin caminhando relativamente de lado, pelo menos por enquanto, o próximo ano deverá ser marcado pela continuidade da colheita dos frutos amargos plantados pelas “policrises” pelos governos, por meio de políticas fiscais, monetárias e de crédito ultrafrouxas, do início de grandes choques negativos de oferta e outras mazelas. Pelo menos essas são algumas das avaliações feitas recentemente pelo historiador Adam Tooze e pelo economista Nouriel Roubini. Avaliações que encontram um lastro forte no recado do Fed que os investidores de criptomoedas precisam saber para 2023, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

LEIA MAIS: