No final do ano passado, exatamente três meses após o seu lançamento, o TerraUSD (UST) ultrapassou o DAI em capitalização de mercado para tornar-se a maior stablecoin descentralizada em capitalização de mercado. Na época, o feito foi tomado como uma evidência do triunfo da stablecoin algorítmica da Terra (LUNA) sobre a stablecoin colateralizada da MakerDAO (MKR).

Com a expansão em ritmo acelerado da capitalização de mercado do UST, do LUNA e, consequentemente, de todo o ecossistema DeFi (finanças descentralizadas) do Terra, Do Kwon, fundador e CEO do Terraform Labs, declarou guerra ao DAI.

Em uma postagem no Twitter publicada em 23 de março, Do Kwon declarou abertamente suas intenções de exterminar a stablecoin oponente, chocando parte da comunidade.

Pelas minhas mãos o $DAI morrerá.

— Do Kwon (@stablekwon)

Uma semana depois, Do Kwon apresentou suas armas para honrar sua palavra. O “4pool” seria um pool de liquidez implantado no formador automático de mercado (AMM) Curve Finance (CRV), combinando quatro stablecoins: o UST, da Terra, o FRAX da Frax Finance, o Tether (USDT) e o USDC. O "4 pool" permitiria aos usuários depositar uma das quatro stablecoins no pool para obter rendimentos sobre as negociações.

Terra e Frax se comprometeram a criar incentivos capazes de atrair usuários – e liquidez – para o "4pool" com o objetivo de torná-lo o principal pool de liquidez do Curve. Posto que então cabia ao "3pool", composto por USDT, UST e DAI, com US$ 3,2 bilhões em liquidez.

Na ocasião do anúncio do "4pool", o CEO da Terra reiterou seus planos de extermínio do DAI em uma nova postagem no Twitter: “[o] objetivo é matar o 3pool de fome." Como antes, as reações do MakerDAO não se fizeram ouvir. Os desenvolvedores do protocolo preferiram continuar a trabalhar silenciosamente, de acordo com suas convicções.

DAI

O DAI foi criado pela MakerDAO em dezembro de 2017, no auge do penúltimo ciclo de alta do mercado, o que faz dela a mais antiga stablecoin descentralizada em circulação nos dias de hoje. Seu modelo econômico também é baseado em dois tokens: o Maker é o token de governança do protocolo. Permite aos seus detentores que participem das decisões relativas ao protocolo e capturem valor a partir do desenvolvimento do ecossistema como um todo.

O DAI é uma stablecoin sobrecolateralizada cuja emissão se baseia no seguinte mecanismo: um usuário deve depositar Ethereum (ETH) – ou outros tokens ERC-20 – em um cofre (vault), que é um contrato inteligente onde as garantias são mantidas e há o controle do valor em dólares do ETH depositado. A partir daí, o usuário pode emitir DAI até um certo nível em função das garantias depositadas.

No entanto, a quantia depositada em ETH precisa ser superior a 100% do DAI emitido. Dependendo do cofre em que a garantia for depositada, será necessário entre US$ 1,50 e US$ 2,00 em ETH para obter 1 DAI, que, em tese, equivale a US$ 1.

A sobrecolateralização, ou seja, o ETH excedente em relação ao valor de US$ 1, serve para garantir a manutenção da paridade do DAI com o dólar.

Tratando-se de uma stablecoin, a credibilidade do DAI no mercado depende da manutenção da paridade com o dólar. Os mecanismos primários utilizados para garantir a estabilidade do token são: o grau de colateralização do DAI, a taxa de estabilidade que os mantenedores dos cofres pagam aos depositários, e a taxa de poupança do protocolo. Todos esses parâmetros são controlados pelos detentores do MKR através de votações de governança.

Diversos recursos tornam o DAI atrativo para os usuários. O primeiro é a própria estabilidade. O DAI já foi posto à prova em diversas ocasiões desde o seu lançamento e o intervalo máximo em que ele variou fica entre US$ 0,9648 e US$ 1,0930, de acordo com dados do CoinMarketCap.

Logicamente, os usuários não precisam emiti-lo utilizando seus ativos como colateral. Podem adquiri-los diretamente através de exchanges sem compreender seu mecanismo de emissão e manutenção da estabilidade.

Por fim, investidores com conhecimentos de finanças descentralizadas podem utilizá-lo para gerar rendimentos através de protocolos DeFi.

Trabalho silencioso

Enquanto o UST mais do que dobrava sua capitalização de mercado em relação ao DAI e o LUNA registrava novas máximas históricas, o MKR era negociado em torno de 70% abaixo de seu recorde histórico de preço.

Enquanto o LUNA disparava e o TerraUSD inundava o mercado, com os investidores seduzidos por retornos anuais de 20% oferecidos pelo Anchor Protocol (ANC) sobre depósitos em UST, a MakerDAO insistia na sobrecolateralização responsável do DAI, ao mesmo tempo em que evitava entrar em batalhas infrutíferas e dispersivas.

O MakerDAO e o DAI pareciam destinados à obsolência que volta e meia afeta determinados protocolos no ambiente acelerado e altamente suscetível a hypes, em que os usuários estão sempre em busca das melhores oportunidades para fazer dinheiro fácil.

Agora, o colapso do ecossistema Terra tornou evidente que o trabalho silencioso, a coesão da comunidade e, principalmente, a responsabilidade com a sustentação de seu modelo econômico em benefício dos usuários, que talvez tenham sido percebidos como deficiências nos últimos seis meses, é o que acaba gerando retornos no longo prazo, como deixou subentendido Luca Prosperi, membro da equipe da MakerDAO, em uma postagem noTwitter:

A demanda por stablecoins descentralizadas veio para ficar.

A luz dessa situação é que, quando a poeira baixar, teremos realmente aprendido o que funcionará e o que não funcionará.

Hedge, seguro, garantia, incentivos LP, stableswap e demanda do usuário,

Ainda otimista.

– Adam Cader (@adamcader_)

Não poderia estar mais de acordo. É emocionante finalmente poder construir de forma conservadora sem ser acusado de lentidão

— Luca Prosperi (@LucaProsperi)

À medida que as stablecoins algorítmicas voltaram a falhar, a sobrecolateralização revelou-se verdadeiramente inovadora para a sustentação da estabilidade de uma moeda digital que se pretende estável.

Mais do que isso, nesse período, a MakerDAO construiu pontes com o mundo real. Recentemente, o protocolo realizou um empréstimo de US$ 7,8 milhões para financiar um novo centro de reparos para a Tesla.

Em 9 de maio, quando a Terra entrava em sua espiral da morte, um dos cofres da MakerDAO foi usado para financiar o transporte de carne de produtores australianos para Hong Kong.

A transação foi executada em parceria com a Centrifuge, um protocolo baseado nas redes Polkadot (DOT) e Ethereum que permite aos usuários financiar iniciativas no mundo real utilizando DAI.

Tais acontecimentos sugerem que a MakerDAO pode se tornar uma ponte entre o universo das finanças descentralizadas e as instituições financeiras tradicionais. Se o protocolo conseguir desenvolver ferramentas para trazer tangíveis do mundo real on-chain, as instituições poderão utilizar esses ativos como garantia para contrair empréstimos em DAI, utilizando-os para financiar suas atividades on-chain.

Trata-se de uma oportunidade tangível para aumentar a participação institucional no ambiente DeFi.

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, o MakerDAO está trabalhando na implantação do DAI em protocolos de segunda camada da rede Ethereum.

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