Em fevereiro de 2020, o FBI (Federal Bureau of Investigation) realizou uma das maiores e mais importantes apreensões da história do Bitcoin (BTC) até então. A operação resultou na apreensão de milhões de dólares em BTC armazenados em uma carteira de hardware e na prisão de seu proprietário, Larry Harmon, um eminente atravessador de transações ilegais efetuadas com criptomoedas através da dark web.

Além das grandes somas de dinheiro envolvidas, foi a primeira vez que alguém foi vinculado a crimes praticados com o auxílio de "mixers", protocolos que dificultam o rastreamento de transações envolvendo criptomoedas ao embaralhar criptoativos provenientes de diferentes endereços.

Pouco mais de dois meses após a prisão, sem que os agentes federais tivessem conseguido desbloqueá-los por não terem acesso às correspondentes chaves privadas, os fundos começaram a ser drenados misteriosamente.

Naturalmente, as suspeitas recaíram sobre Larry, que reconheceu que poderia ser uma das poucas pessoas capazes de transferi-los, mas preferiu não transmitir maiores informações às autoridades.

No entanto, um mês depois, em juízo, Larry reafirmou que não estava envolvido no desvio dos fundos, e acusou seu irmão mais novo, Gary Harmon. Em troca da redução de sua sentença de 20 anos de prisão, Larry contribuiu com informações à Justiça para montar a acusação contra Gary. O avanço das investigações revelou que Gary de fato era culpado pelo sumiço de parte dos fundos. 

Mesmo sem contar com a colaboração do irmão, Gary conseguiu restaurar as chaves privadas da carteira de hardware de Harry e se apropriou de uma porção dos Bitcoins que, em tese, estavam sob custódia do FBI.

Atualmente, enquanto Gary está preso, aguardando julgamento em uma prisão federal em Washington, D.C., Larry foi solto após pagamento de fiança. Embora não tenham perdido de vista os Bitcoins desviados por Gary, as autoridades não conseguiram reavê-los. E os próximos capítulos desta história ainda dependem dos desdobramentos a serem testemunhados no tribunal.

Mais do que um caso de vingança familiar, o embate entre os irmãos Harmon e o destino dos Bitcoins revelam os desafios que se interpõem entre a aplicação da lei e um ativo descentralizado, não permissionado e autocustodial.

Serviços financeiros na dark web

Em 2014, Larry criou um mecanismo de busca para a dark web chamado Grams, que ajudava os usuários a encontrar fornecedores de drogas ilegais, vendedores de armas, e toda uma vasta gama de produtos e serviços ilegais.

Os pagamentos aos referidos produtos e serviços eram feitos utilizando criptomoedas – na época majoritariamente o Bitcoin – através de um mixer administrado por Larry chamado Helix. Pelos serviços de "lavagem do dinheiro", Larry ganhava 2,5% sobre o valor de cada transação.

Em 2016, o AlphaBay, um dos principais marketplaces da dark web, adotou o Helix como meio de pagamento preferencial para as transações efetuadas por seus usuários. O AlphaBay acabou sendo fechado pelas autoridades dos EUA em 2017, mas, enquanto esteve ativo, o marketplace processou 356 mil transações de Bitcoin através do Helix, fazendo de Larry um cripto milionário.

À medida que o AlphaBay foi derrubado e o Helix entrou na mira das autoridades, Larry encerrou as atividades do mixer e lançou o DropBit, um aplicativo que viabilizava transações ponto-a-ponto (P2P) entre seus usuários.

Apesar da fachada de empresário, sua identidade foi revelada a partir da associação entre o FBI com a Receita Federal dos EUA (IRS) e a firma especializada em análise de dados on-chain Chainalysis. Cruzando informações coletadas on-line, Larry foi identificado e preso, além da apreensão da já mencionada carteira de hardware contendo toda a fortuna de Larry em Bitcoin.

Os agentes federais foram capazes de rastrear os fundos através da blockchain do Bitcoin, mas não foi possível transferi-los, uma vez que não tinham acesso às chaves privadas de Larry.

Após a prisão, Larry assumiu a culpa pelo crime de lavagem de US$ 311 milhões por meio de transações de criptomoedas intermediadas pelo Helix. E a carteira fria de hardware que continha a sua fortuna foi depositada em um cofre.

A intenção era manter os fundos inacessíveis e seguros, mesmo sabendo que no caso do dinheiro imaterial criado por Satoshi Nakamoto desconhece tanto fronteiras físicas quanto imaginárias.

O destino dos Bitcoins

Embora Gary tenha recorrido a mixers para dificultar o rastreamento dos Bitcoins drenados da carteira fria que um dia pertenceu ao seu irmão, o consórcio investigativo formado por FBI, IRS e Chainalysis conseguiu rastrear pelo menos 519 BTC (aproximadamente US$ 10,3 milhões) movimentados pelo caçula da família Harmon. 

Deste montante, foi possível identificar um depósito de 68 BTC na plataforma de empréstimos CeFi (finanças centralizadas) BlockFi, que foram utilizados como garantia para que ele tomasse um empréstimo de US$ 1,2 milhão. Parte desse dinheiro foi usado para efetuar a compra de um imóvel de luxo em Cleveland (Ohio).

Com base nestas evidências, o FBI conseguiu prendê-lo em julho de 2021, sob a acusação de lavagem de dinheiro e outros crimes. O seu julgamento está marcado para fevereiro de 2023, justamente três anos depois que os irmãos Harmon se viram pela primeira vez encurralados pela lei.

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