Mais do que uma crise geopolítica de proporções globais e desdobramentos imprevisíveis, a invasão da Ucrânia pela Rússia precipitou o fim do arranjo monetário internacional inaugurado quando em 1971 o então presidente dos EUA, Richard Nixon, decretou o fim da paridade entre o ouro e o dólar, afirmou o estrategista do Credit Suisse, Zoltan Pozsar em um memorando interno para os clientes do banco que vem circulando na internet desde ontem.

Segundo o ex-funcionário do Banco Central (FED) e do Departamento do Tesouro dos EUA, a crise que o Ocidente está começando a atravessar tem nas commodities seu elemento fundamental, favorcendo a retomada de um sistema monetário baseado na correlação direta entre moedas estatais e o ouro e outras commodities:

"Estamos testemunhando o nascimento de Bretton Woods III - uma nova ordem mundial (monetária) estruturada em torno de moedas do Oriente atreladas a commodities que provavelmente enfraquecerá o sistema do euro-dólar e também contribuirá para amplificar forças inflacionárias no Ocidente."

O regime monetário baseado em Títulos do Tesouro americano teria chegado ao seu limite quando as sanções impostas pelo Ocidente congelaram as reservas cambiais da Rússia em dólares e em euros como retaliação pela invasão da Ucrânia.

A partir daquele instante, a confiança no sistema foi quebrada, afirmou  o estrategista. Ativos que até então eram imunes ao risco se tornaram passíveis de confisco, emitindo um alerta perigoso ao resto do mundo, especialmente à China.

Para evitar riscos semelhantes ao enfrentados pela Rússia, restam ao gigante oriental  duas alternativas para ao mesmo tempo proteger seus interesses e ter acesso às commodities russas – vender títulos do Tesouro dos EUA ou flexibilizar sua política monetária para imprimir yuans. Ambos os cenários implicariam em aumentos das taxas de juros e inflação mais alta em todo o bloco ocidental:

"Esta crise não se parece com nada que tenhamos observado desde que o presidente Nixon desatrelou o dólar do ouro em 1971 - o fim da era do dinheiro atrelado a commodities. Quando esta crise (e esta guerra) terminarem, o dólar deverá estar muito mais frágil, enquanto por outro lado a moeda chinesa estará muito mais forte, apoiada por uma cesta de commodities. Da era de Bretton Woods atrelada a barras de ouro, a Bretton Woods II, sustentada por dinheiro governamental (títulos do Tesouro dos EUA sem proteção contra confiscos), chegaremos a Bretton Woods III, uma era sustentada por formas monetárias tangíveis (barras de ouro e outras commodities).

Neste novo cenário, concluiu, Pozsar, o Bitcoin (BTC) poderá ocupar um papel de destaque - desde que seja capaz de "sobreviver" até a guerra terminar, alertou.

Reações no Cripto-Twitter

O texto de Pozsar encontrou forte ressonância entre a comunidade cripto no Twitter. O chefe de estratégia da Human Rights Foundation, Alex Gladstein, destacou alguns trechos do documento referindo-se a ele como uma "análise um tanto selvagem" para uma instituição como o Credit Suisse.

Difícil de acreditar que seja real. Mas se assim for,  prevê:

-Fim da ordem monetária atual
-Novo domínio do dinheiro "externo" sobre o "interno" de BCs
-Inflação no Ocidente
-Altos rendimentos em títulos do Tesouro dos EUA e desvalorização do dólar
-Bitcoin pode se beneficiar, caso consiga sobreviver

O sócio da Castle Island Ventures e cofundador da Coin Metrics, Nic Carter, destacou a referência de Pozsar ao Bitcoin e sugeriu que o criptoativo seria a melhor forma monetária em um "em um mundo multipolar, onde a confiança institucional foi quebrada, as instituições internacionais fracassaram e o antigo líder global agora usa seus tentáculos desgastados de controle para sustentar pequenas aventuras políticas."

é totalmente óbvio que um dinheiro sob a forma de commodity digital que resolve os problemas do ouro (custódia, verificação, liquidação) e os problemas da dívida soberana (expropriação arbitrária, desvalorização, default) é o dispositivo ideal de poupança soberana para a era pós-Bretton Woods

— nic (desacelerado e reverb) (@nic__carter)

Já Nik Bathia, autor do livro "Layered Money", fez uma análise das reações do mercado a partir da perspectiva apresentada por Pozsar em seu texto.

MERCADOS:

S&P 500 ainda 5% distante de um bear market. Nasdaq já está em um ciclo de baixa, queda de 22% em relação às suas máximas históricas. OIS de dezembro mostrando cerca de 6 aumentos, mas preços de Títulos do Tesouro de 1 ano em muito menos (1,06% hoje, aproximadamente 4 aumentos nos próximos 12 meses). #Bitcoin superando a Nasdaq em cerca de 6% desde o início da guerra.

continuando:

Ouro basicamente em sua máxima histórica diante da transição para Bretton Woods III. CDX HY nos níveis mais amplos desde o início da pandemia, à medida que o crédito enfraquece. Os títulos do Tesouro de 10 anos apresentaram oferta modesta desde o início da guerra, com queda de cerca de 15bps desde 24/02.

— Nik Bhatia (@timevalueofbtc)

Enquanto o debate sobre os desdobramentos da guerra - e principalmente das sanções impostas à Rússia através do sistema financeiro internacional - continuam, o Bitcoin registra alta de 10% nas últimas 24 horas. No começo da tarde desta quarta-feira, a maior criptomoeda do mercado está cotada a US$ 42.320.

Gráfico de 1 hora BTC/USD. Fonte: Trading View

Os analistas, no entanto, seguem cautelosos. “Não posso negar que o mercado está um pouco melhor após essa mudança. No entanto, ainda muito frágil, de curto prazo e incerto”, afirmou Michaël van de Poppe aos seus seguidores no Twitter, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente.

Espera-se que a divulgação dos números da inflação dos EUA em fevereiro marcada para quinta-feira mantenha e até amplie a volatilidade que o mercado vem testemunhando desde o começo desta semana.

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