Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) que prevê regras para a negociação de criptomoedas no Brasil. O projeto agora aguarda sanção presidencial.

O texto já havia sido aprovado na Câmara anteriormente, mas estava de novo na Casa para que os deputados pudessem avaliar um substitutivo do Senado ao PL 4401/21, antes PL 2303/15. Mas o que realmente a "Lei das Criptomoedas" siginfica para empresas e investidores?

Depois dos brasileiros terem sofrido com empresas como Atlas Quantum, Unick Forex, Minerworld e tantas outras, o que de fato a lei trará de positivo para evitar problemas como estes? O Cointelegraph convesou com diversos especialistas que avaliaram a Lei e destacaram o que ela pode trazer de melhorias para o mercado.

Para Emília Malgueiro Campos, socia do MCZ Advocacia, o PL 4101 certamente não é o melhor instrumento legislativo que o setor poderia ter. Deixou de lado questões fundamentais, como a segregação patrimonial, não incluiu as empresas que compram e vendem cripto de seu próprio estoque, entre outras mazelas.

"O que nos resta agora é torcer para o Banco Central "corrigir" esses descuidos no processo de regulamentação, utilizando-se das orientações de organismos internacionais, que estão muito mais avançados no tema que o Brasil. Mas isso deverá ser feito em conjunto com o mercado, ou estará fadado ao insucesso.", disse

Já o advogado Giancarllo Melito, sócio da área de Meios de Pagamento e Fintechs do escritório Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW), a aprovação da lei é extremamente positiva para o país.

“A norma dará autonomia ao poder executivo para regular -- e provavelmente haverá um decreto passando esta regulação ao Banco Central, que é o órgão mais preparado para fazer isso. De fato, o órgão regulador escolhido agregará diversas responsabilidades, como estabelecer condições e prazos -- não inferiores a seis meses -- para a adequação das prestadoras de serviços de ativos virtuais às regras do projeto.

Outras atribuições do órgão regulador incluem também autorizar o funcionamento e outras movimentações acionárias das prestadoras de serviços de ativos virtuais; estabelecer condições para o exercício de cargos nessas prestadoras; supervisioná-las; cancelar autorizações; e fixar as hipóteses em que as atividades serão incluídas no mercado de câmbio ou deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país.

Não tem como regular o mercado cripto

Leonardo Carvalho, CEO e Co-fundador NFTF, disse que é importante ressaltar que não existe a possibilidade de regular todo o mundo cripto em um "mesmo pacote". Por exemplo: empresas custodiais que prestam serviços, como são os casos de corretoras e plataformas de investimento, precisam de regulamentação agora.

"Já existem elementos suficientes para fazer essas definições com tranquilidade. Porém, as empresas DeFi devem ser reguladas por outro modelo completamente diferente e que ainda deve ser estudado. Por outro lado, falando de regulamentação relacionada aos impostos, tudo deve ser estudado e reaprendido, já que a receita federal cobra impostos e não garante proteção, como vimos em casos como o da FTX", afirmou.

Juliana Walenkamp, diretora de vendas institucionais da BitGo, afirma que todos os acontecimentos recentes  apenas evidenciaram a carência de players e principalmente custodiantes regulados no mercado.

"Acredito que a aprovacao da PL de regulamentação crypto se encaminha para cubrir esse tipo de gargalo. Além disso também consigo perceber que esse a regulamentação vai trazer um grande número de investidores que buscarão essas a segurança de um mercado regulado. Além disso, por conta dessa crise sistêmica, corretoras menores além de outros players dentro do mercado cripto que de enquadram nas questões exigidas na PL têm agora a chance de se provarem em um mercado tão competitivo como uma alternativa".

Avanço

Bernardo Schucman,  CTO da We3Lock afirmou que a aprovação do projeto de lei regulamentando as operações com criptomoedas no Brasil é um avanço gigante para a indústria e vai de encontro com o modelo adotado pelas principais potências do mundo.

Na mesma linha, Ricardo Dantas, CEO da Foxbit, afirmou que a regulamentação traz clareza sobre papel das criptomoedas e a responsabilidade de cada player no mercado brasileiro.

"Vemos uma ótima oportunidade para entrada dos grandes investidores institucionais no momento atual"

William Ou, CEO da token.com no Brasil. também ressaltou a importância da aprovação do PL e disse que do âmbito do investidor, ele traz mais proteção, incluindo os serviços de criptomoeda no âmbito da já existente Lei de Proteção ao Consumidor e tipificando o crime de “Fraude em prestação de serviços de ativos virtuais”, que deve coibir pirâmides financeiras.

"Por outro lado, a Câmara retirou do texto a segregação patrimonial, passo importante para prevenir que investidores sofram perdas em caso de quebra dos provedores de serviço, como aconteceu recentemente com FTX. Da perspectivas das empresas, operar em um ambiente com regras bem definidas traz uma segurança e previsibilidade maior.O Banco Central, que fará a regulamentação, tem um corpo competente e estamos otimistas que teremos uma regulação que equilibrará proteção ao investidor e desenvolvimento do mercado", afirmou.

Quem também comemorou a aprovação foi a Zetta, associação das empresas de tecnologia que atuam no ecossistema de serviços financeiros digitais. Ela destacou que o marco regulatório traz mais segurança jurídica para o mercado brasileiro de ativos virtuais e representa um passo importante no desenvolvimento do setor no país.

"É uma vitória para consumidores que desejam transacionar com ativos virtuais e agora com uma proteção legal. Também ganham as empresas que operam na criptoeconomia, diante de um cenário de maior transparência regulatória", afirmou.

Alex Dreyfus, CEO e fundador da Chiliz e Socios.com disse que a Lei vai ajudar as empresas do setor a trabalhar com maior competitividade e acerto.

"As empresas líderes e sérias poderão atuar baseadas em uma regulamentação  que vai estabelecer altos padrões de segurança, transparência e confiança, apoiando os players que realmente estão comprometidos em desenvolver este mercado e proteger seus consumidores, e é isso que esperamos desde que chegamos ao Brasil. Mesmo que ainda tenhamos muito trabalho a fazer, educar nossa comunidade sobre como usar melhor a criptoeconomia é um primeiro e fundamental passo para o que acreditamos ser um divisor de águas para a indústria".

Segregação Patrimonial

Para a sócia do Cescon Barrieu na área de Regulatório Mercado de Capitais, Julia Franco, é preciso tomar cuidado para que a regulamentação infralegal que será editada a partir da nova lei seja adequada e não ofereça excessos aos investidores.

“É preciso que tanto a lei quanto a regulamentação a ser editada se limitem a tratar dos pontos que efetivamente tragam segurança jurídica, sem inibir a inovação e arranjos contratuais legítimos. A regulação é positiva se promove o desenvolvimento sustentável do setor, mas pode ser muito prejudicial se for excessivamente restritiva”, afirma ela.

Segundo ela, um dos pontos de maior polêmica diz respeito à segregação patrimonial, que estava presente no projeto do Senado e foi retirado ao chegar na Câmara. A obrigação da segregação é muito relevante, segundo Julia, porque garante que o patrimônio dos clientes não se misture com o das exchanges, garantindo maior segurança jurídica e transparência ao mercado.

"É interessante que a lei não tenha tanto detalhe, e que delegue ao regulador o poder para na prática estabelecer os termos da regulamentação, por estar mais próximo do mercado. Mas, no caso da segregação patrimonial, isto deveria estar na lei. Não é algo que o regulador, como o Banco Central, por exemplo, poderá prever na regulamentação própria com a mesma segurança", explica. 

A segregação patrimonial por força de lei é conhecida pelo Banco Central e adotada com sucesso no caso das instituições de pagamento, destaca Alexandre Vargas, associado sênior do Cescon Barrieu na área de Serviços Financeiros.

Conforme previsto na Lei nº 12.865/13, o patrimônio das instituições de pagamento (e dos demais participantes de arranjos de pagamento, como as subcredenciadoras) é legalmente segregado do patrimônio de seus clientes e do fluxo de recebíveis que por elas transita.

“A segregação patrimonial foi efetivamente testada em 2018, em um precedente que ganhou muito destaque no país (Neon). Naquela ocasião, embora o Banco Central tenha decretado a liquidação extrajudicial do banco no qual eram mantidos os recursos dos clientes da instituição de pagamento (depositados em contas de pagamento), a segregação patrimonial foi respeitada e tais recursos foram excluídos do regime de liquidação extrajudicial do banco, sem acarretar prejuízos aos clientes, o que é importante para a credibilidade do sistema”, afirma.

A segregação patrimonial foi originalmente criada em 2013 e expandida, no contexto da pandemia de Covid-19, em 2020, sempre por meio de dispositivos de lei. Os especialistas avaliam, ainda, que um ponto frequente de preocupação diz respeito às fraudes principalmente pela ausência de obrigações relacionadas a PLD (prevenção à lavagem de dinheiro).

“Hoje, a depender das características do criptoativo, ele pode sim ser regulado, como no caso de criptoativos que sejam valores mobiliários. Nesses casos, a CVM tem plena competência sobre tais criptoativos. No entanto, havia uma lacuna referente aos criptoativos que não são valores mobiliários, o que a nova lei busca endereçar e será objeto da regulamentação infralegal a ser editada pelo regulador competente, que ainda será definido”, finaliza.

Essencial para o desenvolvimento do mercado

O Comitê de Criptomoedas e Blockchain da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) vê a aprovação do Projeto de Lei como um avanço importante para o mercado de ativos digitais no país, além de incluir o Brasil na vanguarda de discussões sobre o tema.

Para o Comitê, a aprovação do marco regulatório no Congresso Nacional tem papel relevante, em meio ao rápido crescimento da adoção dos criptoativos no Brasil, uma vez que garante segurança jurídica no processo de desenvolvimento do setor, tanto para usuários quanto para as instituições que participam desta indústria.

Já José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, disse que apesar de regras mais definidas e alguns aperfeiçoamentos necessários, o saldo é extremamente positivo tanto para as empresas quanto para os investidores e destacou alguns pontos positivos e negativos do PL.

Pontos positivos:

  • Exigência de aprovação do Coaf e CNPJ regularizado para operação.
  • As criptomoedas devem passar a ser encaradas como moedas pelo Banco Central
  • Incentivo à mineração com impostos reduzidos
  • Banco Central será principal órgão regulador das criptomoedas no Brasil

Pontos negativos:

  • Ainda estamos avaliando o impacto de todas os pontos incluídos no projeto aprovado, mas nos parece que, para os investidores e para o mercado brasileiro, o fato de não haver regra para segregação patrimonial é ruim. 

Já a Associação Brasileira de Internet (Abranet) entende que a aprovação do PL que regulamenta as operações com ativos virtuais no Brasil, representa um avanço para o setor financeiro do país e nesse sentido, a Associação destacou alguns pontos.

  • Com a definição de ativos virtuais, há uma segmentação no mercado, eliminando qualquer confusão entre moeda eletrônica e criptomoedas, que passam a estar sob tutela da nova legislação;
  • Além disso, com uma lei no setor vai ser possível sistematizar os entendimentos da Receita Federal que constam na IN no 1888 com o Parecer de Orientação no 40 da CVM, de forma que os mercados de ativos virtuais passam a ter uma distinção clara dentro da taxonomia de tokens trazida pela CVM;
  • Por se tratar de um texto de iniciativa do Legislativo, não se especificou qual seria o órgão da administração pública incumbido de autorizar o funcionamento das prestadoras de ativos virtuais;
  • Entidades públicas também ficam autorizadas a manter contas em prestadoras de serviços de ativos virtuais, o que reforça o uso dos ativos para a diversificação de investimentos;
  • Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, uniformizando a relação dos consumidores finais de ativos virtuais com os de outros segmentos do mercado financeiro;
  • Tipifica-se o crime de fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, o que representa um avanço na proteção do consumidor final.
  • No texto aprovado alguns conceitos modernos do setor ficaram de fora, como NFTs e DeFi. A Abranet entende que o tema é complexo, o que torna improvável que todos os conceitos relacionados aos ativos virtuais sejam devidamente abrangidos e esclarecidos em apenas uma regulação.

 "Dentre os destaques apresentados pelos partidos e que foram rejeitados, o mais controverso diz respeito à segregação patrimonial entre as prestadoras de serviço e os investidores. A segregação patrimonial tinha por finalidade dar ainda mais segurança ao cliente final destas instituições, mas foi rejeitada pelo relator. Espera-se que o tema seja enfrentado pelo regulador", afirmou Eduardo Neger, presidente da Abranet.

Camilla Rocha, gerente de Compliance da Coin Cloud, afirmou que de maneira geral o texto é bastante positivo no que diz respeito à segurança do investidor e credibilidade das empresas no mercado em geral.

"Essa será a melhor maneira de separar “o joio do trigo” no mercado cripto e garantir as melhores opções de investimento no mercado, será uma maneira de educar o consumidor brasileiro que está aderindo cada vez mais a esse universo".

Brasil sai na frente

Vinicius Feroldi, cofundador e CBDO da M3 Group, disse que o Brasil sai na frente e a tendência é que a regulamentação das criptomoedas seja adotada pela maioria dos países. No entanto, para o especialista, o projeto deveria explorar melhor os benefícios fiscais para mineradoras de energia limpa de criptomoedas.

“Isso tem um poder de trazer novas tecnologias para o Brasil, explorar o campo do Blockchain e, principalmente, atrair investimentos externos para cá porque é um mercado em dólar, então isso dolariza mais os investimentos no País”, explica.

Outra preocupação para Vinícius é o tempo que esse processo inteiro vai demorar.

“Hoje quem trabalha com a CVM sabe o processo que é, além disso, acredito que vai sobrecarregar um pouco o Banco Central, mesmo ele sendo uma entidade separada do Ministério da Economia agora. Isso pode acabar tornando essas listagens mais lentas, mas em contrapartida vai ter uma maior proteção dos investidores e também um maior filtro e crivo de que são sérios de verdade a ponto de serem autorizados para serem listados nessas grandes corretoras”, pondera Feroldi.

Um ponto de atenção para o especialista é o acesso de pessoas usando VPN, ou seja, mudando o IP, e utilizando corretoras fora do país.

“Não conseguem controlar muito isso e é uma coisa a ser analisada. Quando usam corretoras fora do Brasil podem facilmente mandar moedas que são autorizadas no País para cá e sacar o dinheiro aqui, não vão conseguir ter um controle direto disso. Por isso acredito que a preocupação deveria ser em como esse mercado funciona, como eles podem investir em tecnologia, como eles podem proteger os investidores e se colocar um pouco mais na vanguarda sobre isso”.

Para Feroldi, o Banco Central está muito à frente comparado a outros países do mundo.

“Já vai começar a fazer de testes do CBDC (Central Bank Digital Currency), moeda alternativa, o Real Digital, a partir do ano que vem em Blockchain. O próprio presidente do Banco Central, Roberto de Oliveira Campos Neto, já trouxe alguns posicionamentos muito interessantes sobre criptomoedas. E algo que coloca o Brasil muito na vanguarda também é o nosso ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles ser um dos conselheiros da Binance. Isso tudo coloca na vantagem pelo menos aqui no Brasil tanto o mercado Bitcoin quanto a Binance para poder se estabelecer como uma corretora autorizada pelo Banco Central e pela CVM. É uma boa jogada da Binance e não se esperava menos da maior corretora do mundo”.

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