Resumo da notícia:

  • Pesquisadores do Google e universidades apresentaram um modelo de dinheiro quântico que poderia, no futuro, desafiar o Bitcoin como padrão monetário digital.

  • O sistema usa propriedades físicas da mecânica quântica para criar tokens anônimos e infalsificáveis.

  • Um especialista afirma que a tecnologia enfrenta limitações técnicas e não é uma ameaça real ao Bitcoin no curto e médio prazo.

Um estudo conduzido por cientistas do Google, em parceria com universidades dos Estados Unidos e da República Tcheca, propõe um novo padrão de “dinheiro quântico” que, no futuro, pode desafiar o Bitcoin (BTC) como referência monetária e tecnológica da economia digital.

O artigo “Anonymous Quantum Tokens with Classical Verification” (Tokens Quânticos Anônimos com Verificação Clássica, em tradução livre) apresenta um novo modelo de tokens quânticos, com aplicações que incluem dinheiro e identidade digital, sistemas de votação e autenticação.

De acordo com os pesquisadores, a tecnologia viabiliza pagamentos digitais seguros e invioláveis, até mesmo em locais sem conexão com a internet.

Conceito de “dinheiro quântico” surgiu nos anos 1960

O conceito de “dinheiro quântico” não é propriamente novo. Desde a década de 1960, cientistas tentam explorar o teorema da não clonagem da mecânica quântica para desenvolver casos de uso com finalidades práticas.

O diferencial do modelo proposto no artigo é que ele não requer memória quântica de longo prazo nem comunicação quântica por parte dos próprios usuários. A validação é realizada por meio de uma operação clássica estruturada em uma sequência de bits.

O protocolo supera limitações de modelos anteriores por oferecer simultaneamente anonimato, verificação clássica e irreprodutibilidade — atributos que outras soluções não possuíam por questões de infraestrutura ou segurança.

Diferentemente das criptomoedas baseadas em blockchain, cuja segurança deriva de problemas matemáticos, assinaturas criptográficas e incentivos econômicos, “o dinheiro quântico” é garantido por propriedades físicas.

O novo modelo é imune a cópias ou falsificações. Cada token quântico é uma única cópia que não pode ser clonada e preserva o anonimato do usuário, como explica João Wedson, fundador da plataforma de dados on-chain Alphractal:

“O diferencial desse modelo é que você não precisa de memória quântica; ou seja, pode medir o token imediatamente e guardá-lo como informação clássica. Além disso, todos os tokens são inicialmente idênticos, então você consegue detectar se o banco está te rastreando. Depois da medição, vira um código único validado pelo emissor.”

Na prática, o novo “dinheiro quântico” funciona da seguinte forma: o banco emite e distribui os tokens aos usuários. Por meio de um mecanismo intitulado swap test (teste de troca, em tradução livre), os usuários podem assegurar que suas transações não estão sendo monitoradas. Posteriormente, os tokens quânticos são convertidos em um padrão computacional clássico, que armazena os valores em uma sequência de bits. O banco emissor garante a legitimidade dos tokens com base em seu histórico.

Detalhes sobre o processo de emissão, auditoria, resgate e verificação de tokens quânticos. Fonte: Anonymous Quantum Tokens with Classical Verification

Os pesquisadores observam que o modelo pressupõe a verificação dos tokens apenas pelo banco emissor, mas sugerem que, no futuro, seria possível integrá-lo aos sistemas de bancos centrais.

Além do “dinheiro quântico”, o novo modelo pode ser utilizado para outros fins que requerem altos padrões de segurança, privacidade e anonimato, afirmam os pesquisadores. Ele pode ser implementado em sistemas de assinaturas digitais anônimas, permitindo que os usuários provem a autenticidade de uma mensagem ou transação sem revelar sua identidade, em protocolos de privacidade que exigem provas criptográficas para acesso e autorização e para verificação de identidade e autenticação sem exposição de dados pessoais, incluindo votação eletrônica.

“Dinheiro quântico” representa uma ameaça ao Bitcoin?

Apesar das qualidades do “dinheiro quântico”, Wedson não acredita que o modelo apresentado pelo artigo represente uma ameaça à hegemonia do Bitcoin como padrão monetário digital.

O primeiro obstáculo é eminentemente técnico. Wedson afirma que, embora o novo padrão de “dinheiro quântico” seja validado pela teoria, ainda se trata de um modelo experimental, que poderia levar pelo menos 50 anos para ganhar adoção global:

“A grande trava é física: falta hardware quântico estável, barato e escalável. Você ainda precisa de comunicação quântica para receber os tokens inicialmente, tipo um ‘caixa eletrônico quântico’ e software para processar isso. Faltam redes quânticas maduras e cada token só funciona uma vez.”

Wedson reconhece qualidades em um padrão monetário baseado nas leis da física, cuja segurança não depende de problemas matemáticos que computadores quânticos possam quebrar. No entanto, os tokens quânticos são de uso único e exigem uma infraestrutura ainda inexistente e potencialmente cara, além da confiança em uma autoridade central.

Ainda que se baseiem em filosofias completamente diferentes, o Bitcoin e o “dinheiro quântico” têm fundamentos distintos e podem ser complementares, afirma Wedson:

“O modelo quântico depende de um emissor central e não tem as propriedades monetárias que fazem o Bitcoin ser único: oferta limitada, política imutável, descentralização e auditoria pública por qualquer pessoa. O Bitcoin é escasso, deflacionário e verificável globalmente por qualquer um. São ferramentas para problemas diferentes: Bitcoin para descentralização e padrão monetário digital; dinheiro quântico para privacidade garantida por física em sistemas centralizados como governos e entidades militares.”

Por enquanto, a “ameaça quântica” ao Bitcoin está concentrada nas vulnerabilidades criptográficas da rede.

O Bitcoin utiliza algoritmos de criptografia assimétrica e funções de hash convencionais. A ameaça quântica recai especificamente sobre o ECDSA, que valida as assinaturas digitais e comprova a propriedade dos fundos. Um computador quântico suficientemente poderoso poderia usar o algoritmo de Shor para decifrar chaves privadas a partir de chaves públicas e acessar fundos indevidamente.

A comunidade de desenvolvedores do Bitcoin está mobilizada para criar soluções pós-quânticas, com o objetivo de evitar que uma aceleração no desenvolvimento da tecnologia comprometa a segurança da rede, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.