Se os governos e o sistema financeiro tradicional não foram capazes de exterminar o Bitcoin (BTC) devido à sua superioridade tecnológica em relação às moedas fiduciárias, torna-se cada vez mais forte uma nova narrativa sobre o fim do criptoativo: a aceleração dos avanços científicos.
Esqueça os bancos centrais e os reguladores; o novo vilão é a computação quântica. A narrativa é simples e poderosa, pois remete à ficção científica: uma máquina capaz de processar uma quantidade de dados imensurável em poucos anos conseguirá quebrar a criptografia SHA-256 do Bitcoin, tornando a rede completamente vulnerável – e, consequentemente, desprovida de valor.
Alvo de intensa especulação sobre os riscos que ela impõe ao Bitcoin e todos os algoritmos criptográficos utilizados em escala industrial, a ameaça quântica ainda esbarra na matemática, revela um artigo compartilhado com exclusividade com o Cointelegraph Brasil de Rafael Poliseli Teles, físico quântico especializado em sistemas de átomos ultrafrios, vórtices em condensados de Bose-Einstein e membro da plataforma de análise de dados on-chain Alphractal.
Por enquanto, o hype é exagerado e a “ameaça quântica" não passa de uma nova onda de FUD (medo, incerteza e dúvida).
Atalho quântico: quebrando a criptografia do Bitcoin com o algoritmo de Grover
A segurança da rede Bitcoin é garantida pelo algoritmo de consenso de Prova de Trabalho (PoW), cuja robustez vem da dificuldade de resolver problemas matemáticos complexos. Para adicionar um novo bloco de transações à blockchain do Bitcoin, os mineradores devem encontrar um número específico (chamado "nonce") que, combinado com os dados do bloco, gera um resultado que atende a um critério de dificuldade pré-definido pela rede.
Não há atalho para isso; a única maneira é a tentativa e erro em escala massiva. Os mineradores que detêm maior poder computacional (ou seja, um hashrate maior) podem realizar mais tentativas por segundo, mas isso, por si só, não garante o controle da rede. Toda a segurança do sistema se baseia no fato de que superar a força bruta coletiva de todos os mineradores competindo pela validação do próximo bloco não é financeiramente viável.
Se a mineração do Bitcoin se baseia na “força bruta”, os computadores quânticos têm uma ferramenta especializada para esse tipo de tarefa, como explica Rafaela Romano, analista e fundadora da SecondB:
“O Grover funciona como uma ferramenta especial para problemas de força bruta, conseguindo encontrar respostas em aproximadamente a raiz quadrada das tentativas necessárias classicamente. No caso do SHA-256, saímos de 1,08 × 10⁵⁰ anos (computação clássica) para 3,17 × 10¹¹ anos (computação quântica).”
O algoritmo usa os princípios da mecânica quântica para "amplificar" a probabilidade de encontrar a resposta certa, reduzindo drasticamente o número de tentativas necessárias em comparação com os sistemas atuais. Enquanto um computador clássico precisaria de um milhão de tentativas para quebrar uma senha, um computador quântico usando o algoritmo de Grover precisaria de apenas mil.
A ameaça quântica se baseia na premissa de que alguém que pudesse usar esse atalho para resolver o quebra-cabeça da mineração muito mais rápido do que todos os outros competidores juntos seria capaz de controlar a rede. No entanto, não há perspectivas de que isso aconteça em um horizonte temporal razoável.
Algoritmo de Grover precisa de 317 bilhões de anos para quebrar criptografia do Bitcoin
O artigo destaca que o ganho de velocidade dos computadores quânticos é "geométrico" – e não "exponencial." A aceleração quadrática do algoritmo de Grover representa uma redução no tempo de processamento, mas seu impacto quando aplicado à criptografia SHA-256 do Bitcoin ainda é insuficiente para ameaçar a integridade da rede.
Um computador clássico operando à velocidade do hashrate global da rede Bitcoin atual necessitaria de aproximadamente 1,08 x 10⁵⁰ anos para testar todas as possibilidades do SHA-256. Utilizando o algoritmo de Grover, um computador quântico reduziria esse tempo para 3,17 x 10¹¹ anos.
“Mesmo com esse ganho impressionante, ainda precisaríamos de 317 bilhões de anos – ou 23 vezes a idade do universo para quebrar a criptografia do Bitcoin", afirma Rafaela. Ou seja, com a tecnologia e os algoritmos conhecidos hoje, ainda se trata de uma “missão impossível.”
A dificuldade de quebrar a criptografia do Bitcoin também se deve à natureza da computação quântica, acrescenta a analista:
“Também é interessante notar uma questão que muitos desconsideram: a maioria dos problemas clássicos simplesmente não se encaixa bem no paradigma quântico, resultando em vantagens limitadas.”
A computação quântica é construída sobre parâmetros diversos da computação clássica. Na prática, o potencial da nova tecnologia reside em sua capacidade de simular o comportamento de sistemas quânticos, mas há limitações evidentes para a resolução de problemas de outra natureza, segundo o artigo:
“É por isso que as aplicações mais claras e fortes dos computadores quânticos são encontradas na física quântica, química e ciência dos materiais, onde se espera que eles modelem moléculas complexas, calculem energias do estado fundamental ou simulem fenômenos quânticos de forma muito mais eficiente do que é possível classicamente.”
O artigo conclui que mesmo a invenção de algoritmos quânticos para a resolução de problemas clássicos é extremamente complexa:
“Para a maioria das tarefas práticas e cotidianas, os computadores clássicos continuam dominantes, com a computação quântica reservada para os mistérios do mundo quântico.”
É verdade que carteiras antigas, como as que guardam os Bitcoins de Satoshi Nakamoto, são potencialmente vulneráveis a ataques quânticos, pois os endereços originais expunham desnecessariamente suas chaves públicas.
Alguns estudos estimam que, com o avanço da computação quântica, em um prazo de 5 a 15 anos, essas carteiras possam se tornar vulneráveis a um ataque de engenharia reversa: o processo de usar a chave pública para identificar a chave privada da qual ela foi derivada.
No entanto, o padrão dos endereços de Bitcoin foi modificado ainda nos seus anos iniciais, justamente para não expor a chave pública, tornando as carteiras mais novas resistentes a esse tipo de ameaça.
Além disso, a comunidade de desenvolvedores do Bitcoin está mobilizada para criar soluções pós-quânticas, com o objetivo de evitar que uma aceleração no desenvolvimento da tecnologia comprometa a segurança da rede, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil.