O recente crash que eliminou mais de US$ 1 trilhão do mercado de criptomoedas em menos de três meses era totalmente previsível e foi causado pelo excesso de posições alavancadas em Bitcoin (BTC) mantidas por traders gananciosos ao extremo, afirmou a veterana de Wall Street e CEO do Custodia Bank, Caitlin Long, em um artigo publicado na Newsweek na semana passada.

A alavancagem no mercado de criptomoedas é um fenômeno relativamente recente. Teve início durante o inverno cripto de 2018, quando investidores de Wall Street entraram no mercado de criptomoedas trazendo consigo estratégias especulativas dos mercados tradicionais.

Em pouco tempo, o volume de negociação de derivativos de criptomoedas explodiu, adicionando riscos adicionais a um mercado volátil por natureza.

A ganância fez com que os investidores ignorassem os perigos envolvidos em estratégias de alavancagem, até que o colapso se tornasse inevitável, escreveu Long:

"Credores alavancados divulgando ferramentas de gerenciamento de risco supostamente "de nível bancário" venderam às pessoas a noção - já então comprovadamente incorreta - de que a alavancagem poderia ser gerenciada sem risco de falência. Em nenhum trecho do brilhante white paper do Bitcoin, de Satoshi Nakamoto, estão escritas as palavras 'chamada de margem'".

A traição aos ideais do criador do Bitcoin só poderia ser obra de investidores do mercado financeiro tradicional, pois implica no desconhecimento dos princípios fundamentais da criptomoeda conforme projetada por Satoshi Nakamoto. Long se posiciona com o conhecimento de causa de quem dedicou 22 anos de carreira trabalhando para gigantes do setor financeiro como o o Morgan Stanley, o Credit Suisse e o Salomon Brothers.

O suprimento fixo de 21 milhões de BTC determinado pelo código fonte do Bitcoin impede que sejam criadas moedas adicionais para resgatar traders superalavancados que montaram posições comprometendo mais BTCs do que realmente existem. Qualquer um consciente de tal evidência deveria saber que isso criaria uma bolha programada para estourar e que as falências seriam inevitáveis.

GBTC no olho do furacão

No caso, a montagem de posições superalavancadas em Bitcoin foi viabilizada por uma estratégia baseada no Grayscale Bitcoin Trust (GBTC), como explica Long, ao possibilitar que uma demanda superior à oferta fosse atendida:

"A demanda [por BTC] superou em muito a oferta, empurrando os preços para a estratosfera. Como resultado, por anos o preço do GBTC foi negociado consistentemente muito acima do preço do Bitcoin no mercado à vista – mais do que o dobro do preço do BTC em seu topo. A alavancagem se normalizou porque as cotas do fundo poderiam ser criadas ao preço de mercado do Bitcoin e vendidas a investidores de varejo ao preço mais alto do GBTC - uma estratégia de negociação aceita como uma "favas contadas" por Wall Street. Isso terminou no ano passado quando a SEC, pela primeira vez em seis anos, finalmente começou a aprovar produtos concorrentes. Obviamente, uma vez que a concorrência chegou, esse prêmio enorme entrou em colapso. O GBTC agora é negociado com um desconto de mais de 30% em relação ao preço à vista do Bitcoin. Assim, os traders alavancados sofreram grandes perdas."

O GBTC permitiu que investidores experientes do mercado tradicional enxergassem o Bitcoin como uma fonte de dinheiro fácil, que poderia – e deveria – ser negociado à semelhança de ações de tecnologia, quando na verdade Satoshi Nakamoto projetou o BTC para ser um ativo de proteção contra as instabilidades do sistema financeiro.

Até mesmo adeptos das criptomoedas foram atraídos pelo potencial multiplicador das estratégias de alavancagem com Bitcoin. "O Bitcoin não precisa de alavancagem para entregar um retorno positivo ajustado à inflação", afirma Long, evidenciando em seguida a genialidade de sua política monetária pré-programada e imutável:

"Atualmente, a taxa de inflação do BTC é de 1,75%. Portanto, muito inferior à taxa de inflação de 8,6% [dos EUA, anualizada]."

Culpa dos reguladores

Embora a ganância dos investidores tenha sido a grande responsável pelo colapso, os reguladores também têm sua parcela de culpa, diz Long. Entre 2015 e 2021, o GBTC manteve-se como o único produto de investimento aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) a que os investidores poderiam buscar exposição ao Bitcoin através do mercado tradicional.

"Essa montanha-russa foi disparada pelos reguladores, que poderiam ter aprovado produtos concorrentes mais cedo e furado a bolha", diz Long. Ao mesmo tempo, criou-se um vácuo regulatório no mercado de derivativos e de empréstimos de criptomoedas, permitindo que atores mal intencionados ou apenas com estratégias absolutamente falhas de gestão de risco expusessem os investidores do varejo a riscos inimagináveis. Especialmente durante a euforia típica dos ciclos de alta.

Ao permitir que eles operassem livremente e de forma pouco transparente, os reguladores expuseram os pequenos investidores a eventuais crises de solvência e liquidez de empresas como a Celsius e a BlockFi, por exemplo.

Apesar de ter causado prejuízos severos aos pequenos investidores, Long entende que o mais recente colapso do mercado foi saudável para eliminar do mercado "muitos golpistas e fraudadores". Por outro lado, também abre espaço para que os agentes responsáveis da indústria trabalhem de forma coordenada com os reguladores tanto para punir os maus jogadores quanto para implementar um marco legal que incentive a inovação responsável.

"Mais uma vez, os mercados estão nos ensinando uma lição valiosa", conclui Long.

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil, o mais recente relatório da firma de análise de dados on-chain Glassnode revelou que o mergulho do preço do BTC abaixo de US$ 20.000 expurgou "quase todas as entidades especulativas e os turistas do mercado" da rede do Bitcoin.

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