Resumo da notícia:

  • CriptoJud não consegue bloquear nem apreender criptoativos porque ainda não possui integração técnica e regulamentação específica do Banco Central

  • O sistema funciona apenas como canal de comunicação entre Judiciário e exchanges

  • Criptoativos em autocustódia permanecem fora do alcance do Poder Judiciário.

Apresentado em agosto deste ano pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como um sistema dedicado ao bloqueio e penhora de criptoativos no Brasil, o CriptoJud ainda tem alcance e efetividade restritos.

Atualmente, o CriptoJud funciona apenas como um sistema para centralizar o envio de ofícios judiciais às Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs), facilitando a comunicação entre o Judiciário e as empresas do setor, esclarece o advogado Pedro Torres, especialista em ativos virtuais e sócio do Sydow e Torres Advogados.

A limitação decorre da ausência de regulamentação específica do Banco Central (BC) e de integração técnica que permita bloqueios automáticos de criptoativos junto a exchanges e outros custodiantes.

Torres ressalta em entrevista ao Cointelegraph Brasil que é um equívoco comparar o CriptoJud ao Sisbajud, sistema que permite bloqueio e penhora automáticos de valores depositados em contas bancárias:

“Ao contrário do Sisbajud, que, por estar formalmente vinculado ao Banco Central e às instituições financeiras, permite o bloqueio imediato de valores no Sistema Financeiro Nacional — o CriptoJud não poderia, pelo menos nas condições atuais, executar constrições automáticas.”

Torres destaca diversas lacunas regulatórias que, hoje, tornam impossível o cumprimento de ordens de bloqueio e apreensão de criptoativos via CriptoJud.

Em primeiro lugar, não existe definição sobre quem seria o órgão responsável pela carteira em que criptoativos apreendidos seriam depositados (Banco Central, Tribunais de Justiça, instituições financeiras).

A eventual liquidação dos criptoativos apreendidos – possibilidade mencionada pelo presidente do CNJ à época, o ministro Luís Roberto Barroso, ao apresentar o projeto em agosto – também gera insegurança jurídica.

Torres esclarece que, nesse caso, não há uma definição clara quanto ao momento processual correto para liquidação dos ativos — se apenas depois do trânsito em julgado ou já na execução provisória. Também não há normas que definam quem arcaria com o prejuízo se o criptoativo desvalorizar entre o bloqueio e a venda, ou quem ficaria com o lucro em caso de valorização.

O advogado enfatiza que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê custódia judicial para ativos virtuais, nem gestão de riscos de mercado, incluindo a responsabilidade por perdas e ganhos ou a destinação dos valores em caso de reversão da decisão judicial que motivou o bloqueio.

Além disso, atualmente a jurisdição do CriptoJud limita-se a exchanges com sede no Brasil.

“Ativos virtuais mantidos em autocustódia, exchanges estrangeiras sem presença formal no país e operações em P2P, OTC ou exchanges descentralizadas continuarão fora do alcance de qualquer mecanismo dessa natureza, um cenário que não tem solução consolidada nem no Brasil nem no exterior.”

Para que o CriptoJud funcione de forma similar ao Sisbajud é necessário que o mecanismo esteja previsto nas regras operacionais das PSAVs a serem implementadas pelo BC, explica Torres:

“Assim como ocorre com o Sisbajud, em que as instituições financeiras são credenciadas e integradas ao sistema do BC, as exchanges precisarão passar por esse mesmo processo.”.

No Sisbajud, os valores disponíveis em contas do devedor são bloqueados automaticamente até o limite da dívida, em tempo real. “O juiz, então, pode decidir pelo desbloqueio, pela transferência ou pela manutenção da penhora,” explica o advogado.

Ainda que validado pelo órgão regulador, o CriptoJud não é suficiente para garantir que os criptoativos mantidos em autocustódia e negociados por meio de protocolos DeFi (finanças descentralizadas) estejam ao alcance da Justiça.

“Não existem medidas, no nosso ordenamento jurídico, que permitam qualquer tipo de apreensão direta de ativos sob autocustódia,” afirma Torres. Para o advogado, o desafio é criar soluções regulatórias e tecnológicas "capazes de compatibilizar a preservação de garantias processuais com a efetividade da tutela jurisdicional."

Por fim, Torres afirma que o CriptoJud representa um avanço institucional necessário. A tendência é que o sistema contribua para o amadurecimento do mercado de criptoativos no Brasil, ainda que, no curto prazo, não tenha a efetividade que o CNJ e o Poder Judiciário lhe atribuem.

Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, as regras para operação de PSAVs no Brasil devem ser divulgadas pelo BC até o final deste ano.