Embora o Banco Central venha avançando nos testes com o Real Digital, a CBDC do país, e tenha planos de lançar a primeira versão pública da moeda digital no final do próximo ano, o BC, até o momento, não pode emitir o Real Digital pois não á Lei autorizando o regulador.
O próprio BC já reconheceu a limitação durante uma audiência pública da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, quando um representante da Secretaria Executiva do Banco Central, reforçou que a emissão de moeda digital depende de autorização legislativa.
Em resposta ao Cointelegraph, o Banco Central destacou que para o atual avanço e testes do Real Digital não há necessidade de mudanças na Lei.
"Não há necessidade de qualquer alteração legal para a realização de estudos e testes. A partir das definições finais quanto à melhor forma de emissão do Real Digital, o Banco Central avançará com toda segurança legal e estrito respeito à legislação", afirmou.
Renata Cardoso, sócia da prática de Bancário, Operações e Serviços Financeiros do Lefosse, destaca que esse reconhecimento público do Banco Central a respeito dessa necessidade acaba deixando pouca margem para que se discuta a possibilidade de interpretação extensiva da Lei 4.595 de 1964.
"Considerando que a Lei 4.595 de 1964 foi recepcionada pela Constituição Federal como lei complementar, é de se concluir que essa autorização precisaria ocorrer através de projeto de lei complementar. Nesse sentido, PLP 9, apresentado ano passado, propõe ajustes no artigo 10 da Lei 4.595, para prever uma versão digital do Real, e no artigo 12, para prever o funcionamento da moeda digital brasileira no modelo de duas camadas: emitida pelo Banco Central e distribuídas por meio de custodiantes fiduciários", destaca.
Contudo Renata aponta que esse projeto permanece aguardando parecer da Comissão de Defesa do Consumidor e da Comissão de Desenvolvimento Econômico e ainda será submetido a votação nas duas casas (Senado e Câmara).
"O PLP 9 vai além, uma vez que estabelece que o Banco Central é responsável por assegurar a conversibilidade do Real Digital e a moeda tradicional em meio físico e por reparar danos decorrentes de falhas operacionais de deficiências nas políticas de segurança cibernética e de violações à legislação de proteção de dados pessoais verificadas na atuação dos agentes de mercado que operam plataformas de pagamentos instantâneos, de sistema financeiro aberto, de moedas digitais e outras que vier a implementar dentro de suas competências legais e regulatórias", afirma
Concordando com Cardoso, sobre a impossibilidade atual do BC emitir o Real em seu formato digital, a advogada Yuri Nabeshima, head de inovação do VBD Advogados, a legislação atual não contempla a emissão de moeda digital.
De acordo com o art. 10, inciso "I", da Lei 4.595/64, que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, somente existe previsão de emissão de moeda-papel e moeda-metálica pelo BCB.
"Para que possamos avançar para a implementação do Real Digital, é essencial que a Lei 4.595/64 seja revisada e atualizada", destaca.
Projeto de Lei Complementar é mais rápido que PL
Como destacado por Cardoso e Nabeshima, atualmente, o PLP 9/2022 é o principal caminho para autorizar o BC a emitir o Real Digital. Jogando à favor do BC, há o fato de que um Projeto de Lei Complementar pode ter tramitação mais rápida que um PL que como visto no caso do PL 2303/2015 que deu origem ao Marco Legal das Criptomoedas ( LEI 14.478/22), levou mais de 7 anos entre ser debatido pelos deputados e senadores, aprovado e sancionado pelo Presidente da República.
Como explica a Câmara dos Deputados, um PLP pode passar a tramitar em regime de urgência se o Plenário aprovar requerimento com esse fim. Geralmente, a aprovação de urgência depende de acordo de líderes. O projeto em regime de urgência pode ser votado rapidamente no Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões.
Os relatores da proposta nas comissões dão parecer oral durante a sessão, permitindo a votação imediata. O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem que ser votada em 45 dias ou passará a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado (onde estiver no momento).
No entanto, os projetos de lei complementar exigem um quórum diferenciado para a sua aprovação, que é, no mínimo, a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 votos. Os projetos de lei complementar aprovados nas duas Casas são enviados ao presidente da República para sanção. O presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar.
O veto pode ser total ou parcial. Todos os vetos têm de ser votados pelo Congresso. Para rejeitar um veto, é preciso o voto da maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).
Benefícios do Real Digital
Para Ruy Rede, CEO da BTTECH, com o Real Digital teremos menos custos no processo bancário como um todo. Na avaliação do CEO da BTTECH, a implantação da moeda digital brasileira poderá ser uma via interessante para investidores e correntistas que não confiam nas criptomoedas presentes no mercado atual. Nesse caso, o Real Digital entra no mercado como uma StableCoins, que preveem a existência de um lastro para transações.
“Uma moeda regulada pelo BC mantém esses fatores de confiabilidade de forma significativa. A existência de um banco é baseada em credibilidade e informação e, como consequência, mais segurança”, ressalta.
A chegada da moeda eletrônica regulada pelo Banco Central trará um potencial aumento da inclusão financeira, a exemplo do que já acontece em relação com as fintechs, aponta Ruy Rede. Isso será possível porque o sistema vai possibilitar uma anonimização – preservação das informações privadas – similar ao uso da moeda em espécie.
“O Brasil já tem tradição em transformações tecnológicas no setor bancário. Já precisamos trocar a moeda da noite para o dia em diversos planos econômicos. O novo sistema poderá melhorar ainda mais a troca de informações financeiras”, analisa o especialista.
O projeto piloto do BC demonstra que os bancos permanecerão como intermediários das transações da moeda digital, ressalta o CEO da BTTECH. Através desse trabalho, a expectativa é de que as instituições emitam tokens referentes aos depósitos bancários, obtidos diretamente na autoridade monetária.
“Isso acontece porque os bancos foram os primeiros a levar a experiência da tecnologia para a ponta dos dedos dos clientes, o que permite a inclusão digital há muitas décadas. As máquinas de autoatendimento são um exemplo disso seguidas pela conexão via computador e o Internet banking. Essas instituições financeiras têm tradição em investir fortemente na evolução tecnológica do setor bancário”, completa.
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