A criação de uma moeda digital comum do BRICS, anteriormente defendida pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Vladimir Putin (Rússia), está temporariamente descartada, afirmou Maurício Lyrio, embaixador brasileiro que vai representar o país na Reunião dos Sherpas do BRICS, que acontece em 25 e 26 de fevereiro em Brasília.
Embora o comércio internacional esteja entre as prioridades do BRICS sob a presidência do Brasil, o grupo pretende buscar outras alternativas para fortalecer o desenvolvimento econômico comum dos países membros e enfrentar a guerra comercial declarada pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
O Brasil assumiu a presidência rotativa anual do BRICS em janeiro de 2025. Ao assumir a liderança, o país pode direcionar a agenda do bloco de acordo com seus interesses prioritários.
Além do comércio internacional, a presidência brasileira terá como foco as áreas de saúde, clima, comércio, inteligência artificial (IA) e fortalecimento institucional, revelou o embaixador durante entrevista coletiva concedida na sexta-feira, 21 de fevereiro.
Moeda comum enfrenta desafios internos
Os desafios técnicos e as disparidades econômicas entre os países do bloco foram as justificativas apresentadas por Lyrio para abrir mão do desenvolvimento de uma moeda comum capaz de criar uma alternativa ao dólar no sistema financeiro internacional:
“Uma moeda do BRICS não é um tema que está sendo discutido. Não há acordos sobre o tema e também porque é muito complexo este processo. Tem a ver com a lógica interna do BRICS. São economias grandes. Esse não é um tema fácil de administrar e, obviamente, há outras maneiras de reduzir os custos de operação.”
O embaixador negou que o recuo esteja relacionado às ameaças de Trump aos países membros do BRICS. Antes de assumir a presidência, Trump ameaçou o BRICS com tarifas de 100% sobre importações de produtos do bloco, caso o grupo mantivesse seus planos de utilizar moedas alternativas ao dólar em transações comerciais.
Após a posse, Trump reafirmou suas intenções. Na quinta-feira, 13 de fevereiro, ele declarou que o BRICS estaria "morto" após suas ameaças. "O BRICS morreu no momento em que eu mencionei isso", afirmou na ocasião. "Se eles brincarem, não terão comércio conosco, então o que vocês acham que vai acontecer?", questionou Trump, dirigindo-se aos jornalistas presentes na coletiva que antecedeu seu encontro com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi na Casa Branca.
A Índia é parte do BRICS, junto com Brasil, China, Rússia, Irã, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Indonésia.
No entanto, a criação de uma moeda comum não está totalmente descartada e pode voltar a ser discutida no futuro, afirmou Lyrio:
“Nada impede que os presidentes voltem a discutir essa possibilidade em um horizonte mais distante.”
Sistema de pagamentos transfronteiriços avança
Lyrio reforçou que a prioridade do grupo na área comercial é criar um sistema de pagamentos transfronteiriços que utilize as moedas correntes dos países membros para a liquidação de transações comerciais e a validação de arranjos financeiros conduzidos pelos bancos centrais.
“É algo que já vem sendo desenvolvido desde 2015 e nós continuamos a avançar, até porque o uso de moedas locais já é praxe no comércio bilateral entre membros do BRICS", afirmou o embaixador. “Vários membros já usam moedas locais no seu comércio bilateral, o que continuará no período da presidência brasileira.”
O documento que estabelece as prioridades do Brasil na liderança do BRICS divulgado em 12 de fevereiro confirma que os países membros darão prosseguimento ao projeto de buscar alternativas ao dólar e ao sistema SWIFT para liquidação de transações internacionais, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil:
“De forma a cumprir o mandato estabelecido pelos líderes do BRICS na Cúpula de Johanesburgo em 2023, a presidência do Brasil dará continuidade aos esforços de cooperação para desenvolver instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento, aproveitando sistemas de pagamento mais acessíveis, transparentes, seguros e inclusivos.”