A corrida eleitoral para a Presidência da República no Brasil já começa a ganhar as manchetes e a movimentar as diferentes tendências políticas no país, a começar com o atual mandatário na presidência, Jair Bolsonaro (sem partido).

O presidente eleito em 2018 não esconde sua preocupação com o processo eleitoral - e consequentemente com a possibilidade de não ser reeleito - e mais de uma vez defendeu uma mudança nas regras eleitorais do Brasil, que desde o fim dos anos 1990 funcionam através de urnas eletrônicas e desde o início recebeu certo reconhecimento pela segurança do modelo.

Apesar disso, Bolsonaro já defendeu muitas vezes o voto em papel "auditável" no Brasil, segundo ele por sua "segurança" contra fraudes, mesmo com os votos em cédulas de papel ao redor do mundo serem vistos como uma das maiores formas de manipulação eleitoral - inclusive nos Estados Unidos.

Recentemente, a decisão do Supremo Tribunal Federal de anular as condenações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e considerar o ex-juiz e ministro de Bolsonaro Sergio Moro suspeito em todos os casos, tornando o petista novamente elegível, trouxe mais um problema para o presidente em exercício: Lula já aparece em pesquisas como favorito em 2022, embora estejamos ainda a meses das eleições e muitas coisas possam mudar até lá.

Por isso, Bolsonaro reagiu:

“Está começando aqui uma campanha para 2022. Pela decisão do Supremo de hoje, o Lula é candidato. Faça uma comparação dos ministros do Lula com os nossos ministros. Se o Lula voltar, pelo voto direto, pelo voto auditável, tudo bem”

Diante da insegurança política no Brasil e as frequentes ameaças do atual governo com relação à lisura das eleições e dos demais poderes, o debate sobre as eleições e os métodos de votação e eventual auditoria dos votos deve entrar na pauta das casas legislativas nos próximos meses. Mas o voto em papel pode ser uma solução plausível?

Blockchain ou papel?

Apesar de redes de fake news contestarem o atual modelo eleitoral brasileiro, capitaneados pela descrença permanente de Bolsonaro, o sistema de urnas eletrônicas usado no Brasil tem sua segurança comprovada nas eleições em que foi usado.

Todas as urnas eletrônicas funcionam no modo "offline", ou seja, não são ligadas de forma alguma a redes de internet ou ethernet, o que impossibilida invasões e fraude. Ao final do período eleitoral, as urnas tiram um "extrato" dos votos, com dados que são consolidados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nas eleições de 2020, hackers atacaram o site do TSE, mas não conseguiram invadir os dados das eleições, já que eles não entram na rede do portal, que é apenas uma primeira camada de atendimento usada para o público em geral.

A crítica que poderia ser aplicada ao atual modelo eleitoral brasileiro é quando à tecnologia usada, já que desde os anos 1990 tivemos uma série de inovações tecnológicas que poderia ajudar a otimizar a segurança do processo eleitoral, sendo a principal delas a tecnologia blockchain.

Nos Estados Unidos, onde as eleições acontecem em cédulas de papel, vimos no fim de 2020 mais um processo eleitoral sob suspeita, com pressão do ex-presidente Donald Trump sobre tribunais e procuradores eleitorais, em tentativa desesperada de evitar a vitória do democrata Joe Biden.

Ao final, diante da vitória democrata, com um sistema lento, burocrático e sob suspeita, uma série de apoiadores de Trump levantou hashtags sobre a "fraude nas eleições".

O magistrado do TRT-8 Harley Wanzeller escreveu ao Estadão sobre as eleições americanas e brasileiras e o uso de blockchain para atestar a segurança dos resultados finais nos processos eleitorais:

"Por isso, aqui vai a singela opinião/questionamento de um conservador que vive o direito e vem estudando o assunto – Por que não utilizar o que há de melhor na tecnologia para prestar segurança real ao processo eleitoral? Por que não utilizar a tecnologia Blockchain para eleger aqueles que nos representarão?"

Ele explica como a tecnologia blockchain poderia ser usada no sistema eleitoral brasileiro:

Nesse sistema, cada voto teria um registro público e imutável, conferido por um sistema descentralizado, sem a necessidade de intervenção humana para preenchimento dos elementos do “smart contract”. E cada contrato inteligente, após a sua validação no sistema, seria inserido numa base de dados que , ao fim, seria compilada para gerar a segurança do resultado, com o registro fidedigno do dia, hora, local de votação, conteúdo de votação, etc. Qualquer intercorrência que fugisse aos padrões previamente estabelecidos no “smart contract” anularia o voto, sendo a ocorrência também registrada na rede de blocos.

A tecnologia blockchain foi testada algumas vezes em eleições no mundo, com diversas empresas desenvolvendo sistemas que poderiam ser usado nesses casos para autenticar votos e permitir auditoria, mas houve testes com resultados duvidosos nas eleições dos EUA e na Rússia, quase sempre associados a votos online.

A Associated Press, por exemplo, publicou os resultados das eleições dos EUA em blockchain, mas os governos de todo o mundo ainda não adotam a tecnologia nos pleitos, por que? O artigo do magistrado nos dá algumas pistas, concluindo:

"Por que não utilizar a tecnologia Blockchain para condução do processo eleitoral? Simples. Não há como rodar o sistema descentralizado e, ao mesmo tempo, permitir as “traquinagens” do naipe daquelas utilizadas nas eleições americanas em 2020 e outras mais que ocorrem pelo mundo. O que nos faltaria, então? Simples também. Existir vontade política para acertar. Mas bem sei que isso é quase impossível. Para dizer o mínimo."

Resta saber se no Brasil haverá realmente vontade política de um sistema eleitoral que continue sendo ágil, evitando fraudes - como o atual - e permita auditoria dos votos - com blockchain. A cédula em papel - que é a preferência de Bolsonaro - vai na contramão deste caminho.

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