Criado sob a premissa de que “o dinheiro não pode ser controlado pelo Estado", o Bitcoin é a expressão monetária de um mundo em transição para uma nova ordem multipolar e pacífica, na qual as moedas fiduciárias serão substituídas por um sistema de troca universal de valor.
Nesse futuro vislumbrado por Diego Gutierrez, cofundador da Rootstock, sidechain pioneira do Bitcoin, e chairman da Rootstock Labs, a hegemonia do dólar e dos Estados Unidos é substituída não por outra moeda ou potência, mas por um mecanismo de “hiper-troca” que permitirá a negociação direta de bens e serviços, enquanto o Bitcoin, reconhecido como o ativo mais escasso do mundo, assumirá o papel de reserva de valor de longo prazo da humanidade.
Ainda que este futuro esteja distante ou nem mesmo venha a se concretizar, o Bitcoin (BTC) já se consolidou como uma alternativa ao sistema financeiro tradicional e já oferece um refúgio seguro para aqueles que buscam proteção contra desarranjos econômicos e políticos. De forma mais ampla e menos evidente, Gutierrez afirma que o Bitcoin está criando as bases para uma nova era de paz e prosperidade:
“Os impérios dominantes sempre guerrearam para defender sua moeda como padrão. Há uma análise que diz que os impérios nascem e crescem porque têm uma vantagem produtiva superior à de outros países. Quando chegam ao auge, começam a usar a força para sustentar sua moeda. A diferença com o Bitcoin é que ele é universal, não pertence a um país em particular. Se o mundo adotar uma reserva de valor neutra, muitas das guerras que temos hoje vão acabar. E isso é muito valioso.”
Em entrevista exclusiva ao Cointelegraph Brasil, o argentino Gutierrez argumenta que o Bitcoin não foi concebido para ser controlável, o que implica que a disputa entre o Estado e as corporações pelo controle monetário jamais terá um vencedor. No futuro, os sistemas centralizados de poder econômico e político terão que conviver com o poder soberano do Bitcoin. Isso, por si só, representará o triunfo de um padrão monetário superior.
Para o cofundador da Rootstock, a adoção institucional, corporativa e até mesmo governamental da criptomoeda pioneira não deve ser entendida como um movimento contrário ao propósito original de Satoshi Nakamoto, mas sim como parte do caminho inevitável em direção a um “Padrão Bitcoin”:
“Há muitos anos, o ideal era muito mais livre, com a ideia de que as pessoas poderiam trocar valor sem intermediários. Para mim, o fato de que essa possibilidade de transacionar sem intermediários exista já é suficiente. Não necessitamos que todo mundo opere de maneira descentralizada, mas sim que a opção exista. Aí é que está a revolução. Porque, se os sistemas centralizados se comportarem mal, as pessoas já têm para onde ir, têm um refúgio para se proteger de totalitarismos, de monopólios. Creio que é por isso que temos que lutar: para preservar que essa descentralização e esse sistema alternativo existam e sejam acessíveis.”
Rootstock e um sistema financeiro baseado no Bitcoin
Foi com esse intuito que, em 2014, Gutierrez idealizou a Rootstock (RSK) como uma plataforma capaz de criar a infraestrutura para a criação de um sistema financeiro completo baseado no Bitcoin. Inicialmente, quando as stablecoins ainda estavam na pré-história, a ideia era criar um dólar digital lastreado em Bitcoin que permitisse a construção de primitivos financeiros básicos, como swaps, poupança e empréstimos, assegurados pela rede do Bitcoin.
Com apoio de Bitcoiners pioneiros como Roger Ver, Andreas Antonopoulos e Nick Szabo, a Rootstock foi lançada em janeiro de 2018 com o propósito de expandir os casos de uso do Bitcoin por meio de uma plataforma compatível com a Ethereum Virtual Machine (EVM), incorporando a funcionalidade de contratos inteligentes e os recursos de finanças descentralizadas (DeFi).
Operando como uma sidechain do Bitcoin, a RSK mantém uma conexão bidirecional com a rede principal, permitindo a transferência lastreada e verificável de BTC. Seu token nativo é o rBTC (Rootstock Bitcoin), que é atrelado na proporção de 1:1 com o BTC. Tecnicamente, cada rBTC em circulação na Rootstock é lastreado por 1 BTC equivalente que fica bloqueado em uma ponte multi-sig na rede Bitcoin.
A segurança da Rootstock é derivada da blockchain do Bitcoin através de um mecanismo intitulado "merged mining", que permite aos mineradores ativos na rede principal produzir blocos simultaneamente na Rootstock, utilizando o mesmo hashrate.
Em um primeiro momento, as ambições da Rootstock esbarraram em problemas de escalabilidade. Com o desafio de criar um sistema barato, fácil e rápido para os usuários finais, sem sacrificar os princípios de descentralização e independência do projeto, os desenvolvedores idealizaram o RIF (Rootstock Infrastructure Framework).
Concebido como uma “terceira acamada” acima da rede principal e de soluções de camada 2, o RIF tem o objetivo de proporcionar aos usuários “uma experiência equivalente à de um sistema bancário tradicional," afirma Gutierrez.
A solução viabilizou o desenvolvimento de protocolos e ferramentas que expandiram os casos de uso do ecossistema do Bitcoin, incluindo soluções para identidade descentralizada, armazenamento, serviços de pagamento, e stablecoins lastreadas em Bitcoin, entre outras inovações.
Gutierrez destaca o Dollar on Chain (DOC), uma stablecoin descentralizada lastreada em Bitcoin, atrelada ao dólar e sobrecolateralizada. Emitida pelo protocolo Money on Chain, o DOC possui interoperabilidade com redes EVM, facilitando operações DeFi cross-chain.
Gutierrez revela também que o Money on Chain está desenvolvendo um projeto intitulado Tropykus, para permitir a criação de versões digitais do real e outras moedas fiduciárias atreladas ao Bitcoin.
Paralelamente, a Rootstock integrará o USDT0, uma versão nativa do Tether (USDT) que utiliza o padrão OFT da LayerZero. Essa integração potencializa a adoção do USDT, stablecoin líder em capitalização de mercado, no ecossistema BTCFi.
“Uma das últimas adições este ano foi a LayerZero, que terminou de aprimorar a interoperabilidade com o ecossistema EVM, porque faltava essa conexão direta com o ecossistema DeFi da Ethereum,” diz Gutierrez.
De acordo com dados do Defi Llama, a Rootstock possui um valor total bloqueado (TVL) de US$ 255,5 milhões.
Bitcoin no centro de um futuro multichain e multipolar
No futuro multipolar vislumbrado pelo cofundador da Rootstock, a coexistência é a regra. Assim como o Bitcoin existirá lado a lado com sistemas centralizados, haverá espaço para outras redes com propósitos específicos e diferentes níveis de segurança e descentralização.
“O Bitcoin é o mecanismo mais seguro que existe no planeta para transferência de valores, então, seguramente, será utilizado para operações de comércio internacional, que movimentam trilhões de dólares por ano.”
Embora utilize um mecanismo de consenso diferente – a prova de participação (PoS) –, a Ethereum (ETH) também oferece níveis de segurança e descentralização apropriados para transações de grandes valores, segundo Gutierrez. Além disso, seus recursos de programabilidade são complementares ao Bitcoin. As demais redes, segundo ele, terão casos de uso restritos e específicos:
“No caso da Solana, por exemplo, existe alguém que mantém o controle e tem a capacidade de reiniciar a rede. Isso não é necessariamente ruim. Para uso corporativo, não importa se a rede é a Solana ou qualquer outra, porque, nesse ambiente, a segurança e a natureza da descentralização são menos importantes.”
Essa diversidade será um reflexo do triunfo do Bitcoin e das criptomoedas. Paradoxalmente, Gutierrez observa que a transição para essa nova era está sendo patrocinada pela regulação e institucionalização do Bitcoin.
Os ETFs são o maior exemplo disso: em sua tentativa de “proteger o status quo para manter o controle do sistema financeiro em sua totalidade", a oferta de criptomoedas em um mercado regulado está cumprindo a missão de ampliar o acesso ao Bitcoin para um número maior de pessoas.
Esse movimento faz parte de um processo natural de deslocamento dos eixos de poder, conclui Gutierrez:
"Assim como Chicago detinha o poder das commodities, quando surge Nova York, grande parte do poder das commodities se move para o mundo financeiro. E quando surge o Vale do Silício, o poder vai para o mundo tecnológico. Creio que, agora, estamos vivendo um movimento de poder em direção à Ásia e às criptomoedas."