O preço do Bitcoin (BTC) reagiu com uma disparada da volatilidade na manhã desta quarta-feira, 13, logo após o anúncio de que o Índice de Preços ao Consumidor dos EUA (CPI) fechou o primeiro semestre acumulando uma alta anualizada de 9,1%. O número superou as piores expectativas dos mercados, cravando um novo recorde em um horizonte de 40 anos.
Imediatamente após o anúncio, o Bitcoin quebrou abaixo de US$ 19.000. No entanto, logo em seguida recuperou-se, anulando as perdas e estabilizando-se novamente logo abaixo da resistência de US$ 20.000, nível em que se encontrava nas 24 horas que antecederam a divulgação da inflação dos EUA.
Gráfico de 1 hora BTC/USDT (Binance). Fonte: Trading View
A instabilidade do preço do BTC diante da pressão inflacionária invalida a tese de que a maior criptomoeda do mercado é um ativo eficaz de reserva de valor. No entanto, dois analistas afirmaram que o Bitcoin possui propriedades intrínsecas e um histórico de preço que o credenciam como um ativo alternativo de proteção à desvalorização de moedas fiduciárias.
Suprimento limitado e escassez
Logo após o anúncio do CPI dos EUA, a gestora brasileira Hashdex promoveu um webinar para debater a correlação do Bitcoin com os ciclos inflacionários em mais uma tentativa de esclarecer se a maior criptomoeda do mercado pode ou não ser considerada um ativo de reserva de valor.
Durante o evento virtual "Entendendo a relação entre o Bitcoin e a Inflação", o diretor de tecnologia e pesquisa da Hasdex, Samir Kerbage, disse que ainda é cedo para afirmar que o Bitcoin é um ativo de proteção contra a escalada dos preços ao consumidor final. No entanto, há três evidências de naturezas variadas que sustentam a tese de que futuramente ele poderá se consolidar como tal.
"A função de um ativo de reserva de valor é basicamente garantir a transferência de valor ao longo do tempo", explicou Kerbage. "Investidores mantêm ativos de reserva de valor em seus portfólios com a expectativa de que eles vão se valorizar ou ao menos preservar o seu valor ao longo do tempo, sem se desvalorizar", completou. Até hoje, a partir de um horizonte temporal mais amplo, o Bitcoin tem se mostrado eficaz nesse sentido.
Segundo Kerbage, isso acontece porque o Bitcoin possui atributos únicos que poderão futuramente validá-lo como o primeiro ativo digital capacitado a atuar como reserva de valor. O suprimento limitado de 21 milhões de BTC garante a escassez do ativo e inviabiliza a diluição do seu valor ao longo do tempo, pois a taxa de inflação do BTC é totalmente previsível, ao contrário das moedas fiduciárias.
À medida que o suprimento em circulação aumenta, a emissão de novas moedas diminui, até um ponto em que ambas vão se estabilizar em patamares tecnicamente imutáveis, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo.
Cronograma de emissão do Bitcoin ao longo do tempo (amarelo) x taxa de inflação (vermelho). Fonte: Hashdex
Kerbage foi além ao defender a tese da escassez digital, traçando uma comparação do Bitcoin com o ouro baseada na taxa de emissão anual de ambos os ativos:
"A taxa de inflação do Bitcoin atualmente é de 1,68% ao ano. Ou seja, a taxa de emissão de novas moedas, hoje, é de 1,68%. E esse atributo está programado no código original do Bitcoin, que também determina que essa taxa de emissão seja cortada pela metade a cada quatro anos. Em 2024, essa taxa vai ser reduzida para 0,8%, e em 2028 irá cair para 0,4%. Até chegar a zero. Ao comparar com outras alternativas, não existe nenhum outro ativo com propriedades semelhantes. Mesmo o ouro, hoje, tem uma taxa de emissão anual de 2%. Então, a taxa de emissão do Bitcoin já é inferior à do ouro."
Em teoria, tais características fazem do Bitcoin um ativo de reserva de valor eficaz. No entanto, ponderou o diretor de tecnologia da Hashdex, as propriedades intrínsecas do Bitcoin, por si só não garantem ao criptoativo o status de reserva de valor. A validação da sociedade é um atributo fundamental que ainda falta ao Bitcoin, explicou Kerbage:
"Nós precisamos que a sociedade assim o compreenda e o adote e ao final ele poderá de fato se configurar como um ativo de reserva de valor. Por enquanto, não existe um consenso de que o Bitcoin é um bom ativo de reserva de valor. Na verdade, é justamente o oposto. Para a maioria das pessoas, mesmo aquelas familiarizadas com os sistemas financeiros, o consenso é que o Bitcoin não é um ativo eficaz como reserva de valor. Enquanto não houver uma mudança de mentalidade, possivelmente levada à cabo pelas novas gerações constituídas por nativos digitais, o Bitcoin não terá o status de ativo de reserva de valor. Mas é este potencial que sustenta a tese de investimento em Bitcoin nos dias de hoje."
O segundo ponto destacado por Kerbage é que o Bitcoin já tem sido adotado como um ativo de proteção pela população de países periféricos, nos quais moedas fracas são sustentadas por uma rígida política de controle de capitais que visa limitar o acesso à compra de dólares, o ativo de reserva global por excelência nos dias de hoje. Como exemplo, citou nossos vizinhos Venezuela e Argentina, além de alguns países africanos.
O descontrole inflacionário nos EUA e na União Europeia se apresenta como uma boa oportunidade para que o Bitcoin teste suas potenciais propriedades de reserva de valor entre a população de economias fortes e desenvolvidas, destacou o CTO da Hashdex.
O último ponto destacado por Kerbage é que o Bitcoin tem se valorizado constantemente ao longo do tempo, considerando-se a ascensão de suas máximas históricas a cada novo ciclo, mas principalmente suas mínimas históricas:
"Observando o gráfico abaixo, a gente conclui que o Bitcoin tem se mostrado um ativo eficaz para transferência de valor ao longo do tempo. Alguém que comprou Bitcoin há cinco anos preservou sua riqueza e até mesmo viu ela se apreciar no período."
Mínimas históricas do Bitcoin ao longo do tempo. Fonte: Hashdex
"Apesar da volatilidade, nos últimos 12 anos o Bitcoin mostrou-se capaz de transferir valor ao longo do tempo, mesmo que tecnicamente ele não possa ser considerado um ativo de proteção contra a inflação", concluiu Kerbage.
Os diferentes tipos de inflação
Embora o aumento dos preços de bens e serviços, incluindo alimentos, energia e combustível, seja a referência mais comum à inflação no dia a dia dos consumidores, ao analisar as propriedades do Bitcoin enquanto reserva de valor é preciso considerar que existem outras modalidades de inflação que impactam a economia, o setor produtivo e os mercados financeiros.
Inflação Monetária
A inflação monetária ocorre quando a oferta de dinheiro no mercado aumenta ao longo do tempo. É a clássica impressão de dinheiro. A expansão da base monetária se expressa através de quantidades crescentes de dinheiro físico e digital circulando na economia.
O banco central dos EUA normalmente é o principal patrocinador da expansão da base monetária, imprimindo dinheiro, comprando títulos ou alterando os requisitos de depósitos e reservas bancárias a que as instituições financeiras devem se ater.
O Fed amplia a oferta de dinheiro em circulação para impulsionar a economia, promovendo o incremento do consumo e do mercado de trabalho, ou a reduz para tentar domar a inflação, manter os preços estáveis e incentivar a poupança.
Entre 2020-2021, o suprimento de dinheiro em circulação aumentou cerca de 25% - um recorde histórico - em resposta à crise do COVID-19. Somente há pouco tempo, o Fed começou aumentar a taxa de juros e a reduzir suas compras de títulos à medida que a economia global mostrava sinais de excesso de liquidez.
Um princípio básico da teoria econômica pressupõe que aumentar a oferta de moeda mais rapidamente do que o crescimento da produção tende a causar inflação de preços ao consumidor, especialmente se a velocidade do dinheiro (o intervalo no qual o dinheiro troca de mãos) for alta. A razão é muito simples e óbvia: há mais dinheiro disponível para uma quantidade reduzida de bens, e isso acaba provocando aumentos nos preços no mercado livre.
Inflação de Preços ao Consumidor
A inflação de preços ao consumidor ocorre quando os preços de mercado dos bens e serviços aumentam. Nos EUA, a variação é medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (CPI), enquanto no Brasil, pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Ambos os índices são compostos por cesta de bens e serviços fundamentais, como alimentação, habitação, transporte, etc.
Problemas na cadeia de suprimentos, conflitos geopolíticos, catástrofes globais, oferta monetária e demanda dos consumidores afetam de forma conjunta ou isolada a variação dos preços ao consumidor final medidas pelos índices oficiais de inflação.
A guerra na Ucrânia pela e a desaceleração da economia chinesa logo após dois anos sob os impactos econômicos e sociais do COVID-19 causaram grandes disrupções nas cadeias de suprimentos, desde o petróleo e o gás até o trigo e os fertilizantes, provocando uma disparada dos preços de bens e serviços no mundo inteiro.
Embora o presidente do Fed Jerome Powell tenha insistido por um bom tempo no discurso da "inflação transitória", a realidade se impôs e, à medida que a escalada dos preços não dá trégua à economia dos EUA, o banco central precisou implementar uma política agressiva de aumentos das taxas de juros para combater o aumento dos preços.
A relação do Bitcoin com as diferentes encarnações inflacionárias
O Bitcoin se relaciona com as duas modalidades de inflação de forma diferentes. Dependendo da perspectiva, a maior criptomoeda do mercado pode ser considerada, sim, um ativo de proteção contra a inflação, como afirmou a macro-estrategista Lyn Alden durante a mais recente edição do noticiário semanal Hard Money:
“Existem diferentes tipos de inflação. Há a inflação monetária e há a inflação de preços. Esta última geralmente vem com um atraso em relação à expansão da base monetária. E o que realmente vimos é que na maior parte do tempo o Bitcoin está fortemente correlacionado com o crescimento da oferta monetária, especialmente quando medida em dólares. Assim, nos últimos dois anos, à medida que houve um aumento amplo da oferta de dinheiro em todo o mundo, o Bitcoin se saiu muito bem."
Por outro lado, no atual contexto macroeconômico de aumento de taxa de juros e aperto monetário, o Bitcoin não correspondeu às expectativas de seus adeptos, reconheceu Alden:
"Como seria de se esperar, começamos a obter uma redução na quantidade de crescimento da oferta de moeda, e começamos a ver o Fed e alguns outros bancos centrais realmente tentando conter a escalada da inflação de preços que estava se materializando. Foi quando o Bitcoin e muitos outros ativos começaram a sofrer. Então, eu diria que o Bitcoin tem sido um ativo de proteção útil contra a inflação monetária, em antecipação à inflação de preços real.”
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