Em 13 de setembro foi ativado o soft fork Taproot, a primeira grande atualização da rede Bitcoin (BTC) desde 2017. Enquanto a última atualização visava resolver a maleabilidade da transação e melhorar a escalabilidade da rede Bitcoin, permitindo, por exemplo, o desenvolvimento da Lightning Network para transações de pequenos valores em uma rede de segunda camada, a atualização mais recente visa tornar as transações e o armazenamento de dados mais eficientes e seguros, aumentar a privacidade da rede e permitir a implementação de contratos inteligentes mais sofisticados, desbloqueando funcionalidades DeFi (finanças descentralizadas) na mais antiga blockchain da criptosfera.

Se todos estão de acordo no que diz respeito às duas primeiras melhorias, a real capacidade a rede Bitcoin de incorporar e ativar recursos DeFi através de contratos inteligentes vem provocando intensos debates desde que a nova atualização entrou em vigor.

Anto Bukov, cofundador da 1inch Network, um agregador descentralizado para negociação de criptomoedas, foi taxativo ao declarar ao Cointelegraph que a rede do Bitcoin "não foi projetada para esse propósito.". Segundo ele, trata-se de um problema insolúvel em função da forma como as transações são processadas na rede:

 "O Bitcoin é baseado no modelo UTXO, que não é adequado para contratos inteligentes. É possível notar melhorias técnicas interessantes no Taproot, mas dificilmente trará qualquer impacto para o usuário, exceto para marketing."

Marek Kirejczyk, CTO da TrustToken, compartilha da opinião de Bukov. Em uma entrevista ao site BeIn Crypto, ele afirmou que que a nova atualização “melhora ligeiramente a privacidade e o rendimento [da rede], mas fundamentalmente [não muda] nada”. E completa:

"A atualização Taproot é interessante e é um passo na direção certa, mas não altera o fato de que o Bitcoin está tecnologicamente muito atrás de outras blockchains”.

Ainda que tecnicamente a atualização permita a implantação de contratos inteligentes, seria irreal suporr que a blockchain do Bitcoin possa imediatamente passar a competir com redes criadas e desenovolvidas especificamente para este fim.

No entanto, embora no momento isto não irá ocorrer, contratos inteligentes farão parte da rede da maior criptomoeda do mercado no futuro, disse ao Cointelegraph Marie Tatibouet, diretora de marketing da exchange Gate.io:

“Embora vá levar algum tempo para que os contratos adequados funcionem corretamente, a utilidade e a base de usuários que eles trarão [à rede] serão certamente impressionantes. No entanto, não espere que o ecossistema de contrato inteligente do Bitcoin supere o do Ethereum tão cedo.”

Cripto Twitter

No dia seguinte à atualização, este debate tomou conta do Twitter, dividindo a comunidade entre aqueles que acreditam no potencial da rede Bitcoin para desenvolvimento de aplicações vinculadas a contratos inteligentes e aqueles que não enxergam a menor possibilidade de que isso de fato aconteça.

Crítico costumaz do Bitcoin, o perfil pseudônimo Cryptowhale afirmou que a atualização apenas acrescenta funcionalidades ao Bitcoin que muitas outras altcoins já possuem.

#Os desenvolvedores do Bitcoin passaram os últimos 8 anos planejando e desenvolvendo a atualização Taproot...

E ela é inútil. Tudo o que pode fazer é transformar transações complexas em simples, algo que 99% das alts já fazem. O $BTC está tão atrás de outras criptomoedas que chega a ser constrangedor!

- Sr. Baleia (@CryptoWhale)

Udi Wertheimer, abertamente um apoiador do Ethereum, causou polêmica ao chamar a atualização Taproot de "golpe" e afirmar que ela não traria nenhum benefício para a maioria dos usuários do Bitcoin, uma vez que a maioria nem chega a sacar seus BTCs das exchanges para armazená-los sob a própria custódia. 

muitas pessoas e empresas de alto nível estão promovendo a ativação do Taproot de maneiras mais fraudulentas do que a maioria dos marketeiros de shitcoins

tldr honesto sobre os benefícios que a Taproot traz para o usuário médio do bitcoin: não há nenhum

- udiverse (@udiWertheimer)

Mesmo depois do Taproot, não é possível implementar contratos inteligentes recursivos como os do Ethereum ou da Solana na rede do Bitcoin, ele afirmou nas respostas à postagem que desencadeou a discussão.

A discussão recebeu a atenção de algumas personalidades importantes da história do Bitcoin, como Adam Back e Alex Gladstein. O último respondeu afirmando que a nova atualização trará mais benefícios aos usuários do que a anterior, a qual, segundo Gladstein, teria viabilizado a Lightning Network e, consequentemente, ampliado a adoção do BTC como meio de troca e pagamentos.

Wertheimer replicou afirmando que a maioria dos detentores de Bitcoin não utiliza a Lightning Network. Nesse caso é possível dar razão a ambos os lados. Embora não seja exatamente popular, a Lightning Network tem atraído um número crescente de usuários nos últimos meses, especialmente depois da adoção do Bitcoin como moeda de curso legal em El Salvador.

Especialistas

Alguns profissionais da indústria acabaram entrando na discussão para apresentar seus pontos de vista a respeito da questão. De acordo com o especialista em segurança cibernética Brian Trollz, o Bitcoin sempre foi capaz de executar contratos inteligentes, pois cada transação executada em sua rede é um contrato inteligente.

Ele foi além e disse a rede Bitcoin não permite contratos inteligentes do tipo "Turing Completos". Este termo designa um sistema no qual um programa é executado com a garantia de que encontrará uma resposta (embora sem garantias quanto ao tempo de execução ou da memória necessária). É o caso dos contratos inteligentes do Ethereum, por exemplo. E é algo que não se pode fazer na rede Bitcoin.

No entanto, isso seria uma vantagem, e não uma falha, de acordo com Trollz.

Por que tantos shitcoiners estão perdendo a cabeça com a ativação do Taproot? Será pela dificuldade de lidar com a grande melhoria que o Bitcoin está fazendo?

O Bitcoin pode fazer contratos tão inteligentes, superem isso.

— Shinobi (@brian_trollz)

Por fim ele ainda apresentou a definição original de contratos inteligentes cunhada pelo lendário cypherpunk Nick Szabo, que assim os define:

A ideia básica de um contrato inteligente é que diversos tipos de cláusulas contratuais (tais como garantia, fiança, determinação de direitos de propriedade, etc.) podem ser incorporados ao hardware e ao software com que lidamos, de forma a tornar a violação do contrato cara (se desejado, às vezes proibitivamente) para o infrator.

Muneeb Ali, criador do Stacks, uma plataforma de segunda camada da rede Bitcoin, esclareceu que o Taproot não permite "contratos inteligentes totalmente expressivos. Você ainda está limitado pelo Bitcoin Script, ou seja, a contratos limitados." Ali acrescentou ainda que a atualização “Taproot está alinhada à filosofia do design original do Bitcoin."

Taproot está alinhado à filosofia de design do Bitcoin de manter a camada de base simples, e eu apoio totalmente esse design.

O Taproot atinge esse objetivo. Não vamos confundi-lo com contratos expressivos; eles não são desejáveis na camada de base do Bitcoin.

- muneeb.btc (@muneeb)

Esclarecendo a questão de uma vez por todas em uma declaração ao site Bitcoinist, Antoni Trenchev,  sócio-gerente da plataforma de negociação em criptomoedas Nexo, admite que a atualização Taproot mantém determinadas limitações à execução de contratos inteligentes na rede Bitcoin. Mas ele defende que, ao fim e ao cabo, isso é benéfico para a rede.

“O objetivo de habilitar contratos inteligentes [na rede] é aumentar a eficiência e flexibilidade da função de pagamentos em Bitcoin, não para rodar dApps. Portanto, pode ser impraticável implementar contratos inteligentes da mesma natureza no Bitcoin e no Ethereum. Isso seria perigoso para a rede Bitcoin em termos de segurança e velocidade. Isso prejudicaria fundamentalmente a função básica do bitcoin como meio de pagamento digital.”

DeFi na rede Bitcoin

Independentemente do nível do complexidade dos contratos inteligentes que a rede será capaz de suportar, já estão sendo desenvolvidos projetos para utilizar funcionalidades DeFi no Bitcoin.

O Alex, um protocolo de finanças descentralizadas criado na rede de segunda camada Stacks mencionada acima, arrecadou 5,8 milhões de dólares em uma rodada de investimentos liderada pela White Star Capital, de acordo com reportagem da Exame. Os fundos serão utilizados para que a empresa aumente a sua equipe de desenvolvedores e de experiência do usuário com vistas à inauguração de suas operações já no mês que vem.

O Alex pretende ser uma plataforma DeFi que permite empréstimos de Bitcoin a juros e prazos fixos. O protocolo também vai oferecer suporte para lançamentos de tokens e funcionamento de exchanges descentralizadas, tanto no modelo de formadores de mercado automatizados (AMMs) quanto no de livros de ordens off-chain.

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Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil em agosto, o CEO do Twitter e da Square, Jack Dorsey, revelou  que está nos seus planos o lançamento de uma exchange descentralizada na rede Bitcoin. A afirmação deu margem a especulações de que o acréscimo de outros recursos DeFi vinculados ao BTC possam vir a ser desenvolvidos pela Square futuramente.

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