Mais uma vez, a história se repete. Depois da "alta infinita" – que em algum momento sempre acaba chegando ao fim –, um sentimento fúnebre toma conta dos investidores de criptomoedas à medida que uma correção brutal lançou o preço do Bitcoin (BTC) de volta a patamares próximos ao topo do ciclo anterior, de 2017, com o preço do BTC 68% abaixo de sua máxima histórica de US$ 69.000.
Com o Bitcoin sendo negociado abaixo de US$ 22.000 na tarde desta quarta-feira, 15, é só uma questão de tempo até que os detratores das criptomoedas se sintam à vontade para mais uma vez decretar a morte do BTC.
De acordo com o site "Bitcoin is Dead", até hoje a maior criptomoeda do mercado já foi dada como morta em 377 obituários, todos devidamente registrados. Como se sabe, o Bitcoin segue mais vivo do que nunca, com fundamentos sólidos e a taxa de hash, que garante a segurança e o pleno funcionamento da rede, muito próxima de sua máxima histórica. Apesar do declínio do preço.
A primeira morte do Bitcoin remonta a 15 de outubro de 2010, quando o par BTC/USD estava cotado a US$ 0,11. O autor nem sequer se deu ao trabalho de assinar o texto publicado no obscuro site The Underground Economist e intitulado "Why Bitcoin Can't Be a Currency" (Por que o Bitcoin não pode ser uma moeda"). Provavelmente, o anônimo não acreditava que o artigo seria digno de nota no futuro porque sua profecia se autorrealizaria.
Não foi o que aconteceu, mas, embora desconhecido, o autor inaugurou uma tradição que se renova a cada novo ciclo de baixa: utilizar as palavras para matar uma entidade que se mantém viva pela crença de seus usuários e a resiliência de seu substrato tecnológico descentralizado, público e não permissionado.
Se a primeira nota fúnebre sobre a maior criptomoeda do mercado não fez história, algumas outras tornaram-se clássicas. Abaixo, o Cointelegraph Brasil relembra algumas delas.
O fim do Bitcoin
Publicado em 5 de fevereiro de 2015, durante o longo ciclo de baixa que se seguiu à máxima histórica de US$ 1.165 registrada em 30 de novembro de 2013, o artigo assinado por Robert Nielsen em seu blog pessoal decretava que o Bitcoin estava fadado a desaparecer por falta de usuários ativos:
"Um dos sinais de que o Bitcoin está morrendo é que quase ninguém usa a moeda. A rede Bitcoin está desaparecendo e o preço está destinado a continuar sua marcha descendente. Este provavelmente será o último ano em que as pessoas levam o Bitcoin a sério (se já não foi o ano passado). Quer o Bitcoin desapareça com um estrondo ou um gemido, o fim está próximo.
Na ocasião, a cotação do par BTC/USD estava reduzida a US$ 216. Assim, um investidor que tivesse comprado a baixa e feito um aporte de US$ 1.000 apostando contra a morte do Bitcoin, hoje teria aproximadamente US$ 104.000. Ou seja, teria multiplicado seu capital em 100 vezes.
Bitcoin não é o futuro do dinheiro - é um esquema Ponzi ou um esquema de pirâmide
Alguns meses depois, em 8 de junho, uma reportagem do jornal The Washington Post utilizava o mesmo argumento do artigo de Nielsen para reafirmar a inutilidade do Bitcoin. Ainda pior, o comparava a esquemas de pirâmide financeira. Ao mesmo tempo admitia não ter ideia sobre o que futuro reservava ao criptoativo:
"Não está claro o que Bitcoin é ou o que ele virá a ser, mas está claro o que ele não é. Não é uma moeda. As pessoas não definem preços em Bitcoin e, na maioria das vezes, também não compram coisas utilizando ele."
Embora não se possa dizer que o Bitcoin tenha se tornado moeda de uso corrente, o desenvolvimento da Lightning Network tornou a sua utilização como meio de pagamento mais simples e acessível para os usuários que desejam gastar Satoshis no dia a dia. Mais do que isso, dois países – El Salvador e República Centro-Africana – o adotaram como moeda de curso legal.
Em junho de 2015, o preço do BTC mantinha-se em movimento lateral: o baixo volume de negociação minimizava a alta volatilidade característica à moeda. Ainda assim, havia se valorizado minimamente em relação à fevereiro.
Cotado a US$ 228, quem tivesse investido US$ 1.000 àquela altura teria hoje aproximadamente US$ 99.000.
Bitcoin vai comer poeira
O artigo de 26 páginas assinado por Kevin Dowd e Martin Hutchinson publicado em julho de 2015 começa reconhecendo o engenho da invenção de Satoshi Nakamoto como "a mais radical inovação monetária em muitos anos", mas já na segunda página questiona a sustentabilidade econômica da criptomoeda e vaticina que embora o Bitcoin possa ter alguma chance de sobrevivência em um futuro próximo, a longo prazo está fadado ao fracasso:
"O Bitcoin tem sido amplamente aclamado como um sucesso e ganhou seguidores substanciais. Infelizmente, a economia subjacente ao Bitcoin determina que ele é insustentável, e é muito provável que seja lembrado como um experimento fracassado - na melhor das hipóteses um protótipo para algum sucessor superior."
Visto em retrospectiva, hoje, as 26 páginas do artigo poderiam ser reduzidas a este único parágrafo para dar conta de quem realmente "comeu poeira" desde então: o Bitcoin ou seus autores e aqueles a quem conseguiram convencer?
A resposta: aqueles que deram crédito às opiniões de Dowd e Hutchinson perderam a oportunidade de ganhar US$ 73.000 a partir de um investimento inicial de US$ 1.000, uma vez que o Bitcoin valia US$ 300 naquele momento.
Bitcoin nunca será um esteio financeiro
Em fevereiro de 2017, o Bitcoin voltou a atingir os patamares da máxima histórica de 2013, dando início à euforia que foi o sentimento dominante do mercado ao longo daquele ano. Em tom de alerta, Andrew Saks-McLeod publicou um artigo no site Finance Feds argumentando que o Bitcoin era apenas um instrumento especulativo que jamais conseguiria ser alçado ao status de um ativo financeiro legítimo:
"O Bitcoin, com todo o barulho e excitação de negociações em larga escala, é apenas um playground para aqueles que querem um dinheirinho rápido e nunca farão parte da genuína economia dos mercados financeiros eletrônicos."
Não apenas o Bitcoin se tornou um investimento de longo prazo para investidores de diferentes perfis, como eles ganharam um nome próprio que hoje é parte da cultura da maior criptomoeda do mercado: os hodlers.
Aqueles que aplicaram US$ 1.000 em Bitcoin na ocasião e mantiveram suas posições até hoje com foco no longo prazo teriam acumulado US$ 21.000, visto que a cotação do par BTC/USD no começo de 2017 estava em torno de US$ 1.100.
Jamie Dimon e Warren Buffett riem por último do Bitcoin
Considerado um dos maiores gênios das finanças de todos os tempos, Warren Buffet nunca deixou de reiterar inúmeras vezes sua completa aversão ao Bitcoin. "Veneno de rato ao quadrado" foi a forma como ele se referiu à criptomoeda antes de uma reunião anual de acionistas de sua firma de investimentos, a Berkshire Hathaway, em 2018.
Em novembro daquele ano, com o Bitcoin cotado a US$ 4.500, a queda de 77% em relação à máxima histórica de um ano antes era a evidência concreta de que o experimento de Satoshi Nakamoto havia fracassado. Era isso que atestava uma reportagem publicada pela Bloomberg na ocasião:
"Nada do que estava descrito no rótulo do Bitcoin acabou por estar contido na garrafa. Como meio de pagamento, é complicado, volátil e caro. Ele destruiu valor em vez de preservá-lo. Sua tecnologia descentralizada foi vendida aos investidores como única. Tem sido tudo, menos isso."
Como CEO do banco de investimentos JP Morgan, Jamie Dimon podia considerar-se um vencedor: a tentativa de libertários e adeptos da criptografia de criar uma alternativa ao sistema financeiro tradicional dificilmente seria capaz de honrar seus ideais.
Após a retomada da tendência de alta e uma nova máxima histórica que levou o Bitcoin a US$ 69.000, Dimon rendeu-se e já algum tempo trabalha para que o JP Morgan seja um dos líderes do movimento de adoção aos criptoativos entre os grandes bancos de investimento dos EUA, a ponto de declarar que o Bitcoin é o "ativo alternativo" favorito da instituição.
Dimon poderia ter dado a última risada caso tivesse comprado Bitcoin no final de 2018: US$ 1.000 seriam equivalentes hoje a US$ 5.000. Nenhum instrumento de investimento tradicional teria proporcionado ao JP Morgan uma rentabilidade de 400%.
Bitcoin não tem absolutamente nenhum valor intrínseco
Citando Warren Buffet, a reportagem publicada pela CNBC em 25 de fevereiro de 2019 afirmava que o Bitcoin era uma "ilusão" para "atrair charlatões":
"O Bitcoin não tem valor intrínseco. É uma ilusão, basicamente. Se você produz algo falso e sai vendendo ioiôs ou algo assim, não há valor nisso – mas quando você entra em Wall Street há muito dinheiro. Isso atrai charlatões."
Nem o oráculo de Omaha é capaz de acertar todas. Caso tivesse se rendido ao Bitcoin ao invés de tripudiá-lo naquela ocasião, Buffet teria acumulado ganhos de 490%, uma vez que o par BTC/USD estava cotado a US$ 5.900. Um investimento de US$ 1.000 teria se convertido em US$ 5.900, hoje.
Curiosamente, o mais recente obituário registrado no "Bitcoin is Dead" foi publicado no Valor Econômico em 18 de maio, sob o título de "Colapso das Criptomoedas Expõe o Vazio de Sua Proposta Libertária".
Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, o fundador da Blocktower e maximalista do Bitcoin, Ari Paul, declarou que o Bitcoin é a "Amazon das criptomoedas" e não está ameaçado pelo simples fato de que não há um concorrente à altura no espaço. Todos os outros ativos que compõem o mercado hoje não passam de apostas.
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