A semana começou com o Bitcoin (BTC) atingindo mínimas de US$ 20.600 na segunda-feira, 13, e se aproximando perigosamente da marca de US$ 19.978. E por que este número quebrado é representativo e deve ser vigiado atentamente neste momento de caos do mercado? Porque ele ficou registrado como o recorde histórico de preço do ciclo de alta de 2017 – e nunca na sua história o Bitcoin chegou a ser negociado abaixo dos topos anteriores após registrar uma nova máxima histórica.

Uma quebra abaixo deste suporte psicológico fundamental indicará uma mudança estrutural no mercado de criptomoedas, cujas implicações complexas e imprevisíveis têm potencial para alterar o curso da história do Bitcoin.

Enquanto isso não acontece, o ciclo de baixa de 2018 pode servir de referência para investidores e analistas desenharem cenários hipotéticos para o mercado de criptomoedas daqui por diante.

2022

Após a queda de 15,38% na segunda-feira, que marcou o pior desempenho diário do Bitcoin desde o crash de março de 2020. Nesta terça-feira, 14, o Bitcoin encontra-se 67,5% abaixo de sua máxima histórica de US$ 69.000, registrada em novembro do ano passado, cotado a US$ 22.451, e a capitalização total do mercado de criptomoedas deixou de ser contada em trilhões. Encontra-se momentaneamente reduzida a US$ 948,5 bilhões, de acordo com dados do CoinMarketCap.

Há pouco mais de um mês, o mercado foi abalado pelo colapso do Terra Classic. Em menos de uma semana, o segundo maior protocolo DeFi pulverizou mais de US$ 60 bilhões em capitalização de mercado através da espiral da morte que condenou duas criptomoedas que até então figuravam no top 10: o LUNC e o TerraUSD (USTC).

A combinação da guerra na Ucrânia, a inflação mais alta em 40 anos nos EUA, a reversão da política monetária do Fed (Banco Central dos EUA) em favor do aumento da taxa de juros e da retirada de liquidez dos mercados, e a força do dólar frente às principais moedas fortes do mundo compõem um cenário único para abalar o nascente mercado de criptomoedas.

Como resultado, a correlação entre os mercados de criptomoedas e o de ações atingiu um recorde histórico neste ano. Justamente aquele que vem se caracterizando como o mais desfavorável  para os mercados de capitais desde a 2ª Guerra Mundial.

Isso tudo isso já não fosse suficiente para derrubar os mercados, dois acontecimentos foram determinantes para desencadear a liquidação dos últimos dias: o índice de preços ao consumidor (CPI), que mede a inflação dos EUA, veio acima dos 8,4% antecipados pelo mercado, registrando uma alta anual de 8,6%, a maior dos últimos 40 anos, e a crise de insolvência da Celsius, uma plataforma de empréstimos centralizada, que oferece rendimentos em criptomoedas aos clientes que mantém seus ativos sob custódia da empresa.

Na manhã de segunda-feira, a empresa anunciou a suspensão temporária dos saques devido às "condições extremas do mercado". O diferencial da Celsius baseava-se em oferecer rendimentos mais atraentes que seus concorrentes.

Para poder honrar com seus compromissos, a empresa montou operações de risco utilizando-se de instrumentos de finanças descentralizadas (DeFi), incluindo alocações de USTC no Anchor Protocol (ANC) e de Ethereum (ETH) no protocolo de staking de liquidez Lido Finance. Diante das frágeis condições do mercado, a empresa pode tornar-se a próxima vítima de uma "corrida bancária" similar à que aniquilou o Terra Classic.

Para finalizar, o Índice de Medo e Ganância, que mede o sentimento do mercado, recuou para 8, atingindo níveis tão baixos quanto os de março de 2020. Enquanto o índice confirmava o 56º dia na zona de medo extremo, o volume de negociação do Bitcoin chegou a patamares que não eram vistos desde dezembro do ano passado. Mesmo com 50% dos detentores de Bitcoin no prejuízo, muitos optaram por realizar suas perdas do que se arriscar a mantê-lo e enfrentar quedas ainda mais profundas no curto prazo. 

Em seus pouco mais de 12 anos de história, o Bitcoin foi favorecido por um cenário global macroeconômico de expansão da base monetária. Uma era que, ao que tudo indica, parece estar chegando ao fim. Entre os analistas, não há dúvidas de que a reunião do Fed que ocorre hoje e amanhã com vistas ao anúncio de um novo aumento da taxa de juros pode inclusive acelerar esta tendência.

2018

O ciclo de baixa que teve início em 2018 durou exatos 18 meses. Considerando-se que o atual ciclo de baixa tenha tido início em 11 de novembro, logo após o início da correção pós-máximas históricas do Bitcoin e do Ethereum, passaram-se sete meses desde então.

Por si só, esta constatação não significa quase nada, então, vamos relembrar os bons tempos de 2017 para entender até que ponto existem semelhanças entre o passado e o presente do mercado de criptomoedas.

Em 2017, a indústria como um todo estava passando por sua primeira fase de expansão. O cenário macroeconômico, por sua vez, era bastante favorável para ativos de risco, incluindo aí as ações de empresas do setor de tecnologia. Foi nessa época que a Apple se tornou a empresa mais valiosa do mundo.

Essa euforia atraiu capital para a indústria como nunca antes até então. Esse crescimento foi impulsionado pelo fenômeno dos ICOs (Ofertas Iniciais de Moedas), através dos quais projetos nascentes ou mesmo alguns que já existiam utilizaram o mecanismo de vender seus tokens nativos para financiar o próprio desenvolvimento.

Grande parte destes recursos foram captados junto a investidores do varejo, que, ao contrário das rodadas de investimento de startups, tinham acesso a fazer aportes em empresas em estágio inicial, aumentando potencialmente os possíveis rendimentos futuros.

No entanto, a maioria dos projetos que se beneficiaram dos ICOs tinham pouco ou nada para oferecer aos usuários. Em 2017, apenas 104 DApps (aplicativos descentralizados) estavam realmente ativos, de acordo com relatório do Dapp Radar. E apesar da afluência de capital, que impulsionou a capitalização total do mercado de criptomoedas a aproximadamente US$ 800 bilhões no topo do ciclo, os resultados práticos foram irrisórios.

Vistos em retrospectiva, 90% dos projetos que lançaram ICOs ao longo de 2017 acabaram fracassando. Embora muitos fossem golpes deliberados contra investidores desavisados, e outros falharam em seus objetivos apesar da boa fé dos desenvolvedores, projetos como Decentraland (MANA) e Enjin (ENJ) se originaram de ICOs.

A necessidade de utilização de Bitcoin para participação na grande maioria dos ICOs, visto que as stablecoins ainda eram irrelevantes para o mercado àquela altura, contribuiu para o que BTC atingisse a máxima histórica de US$ 19.978 praticamente em paralelo à aprovação pela SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) da negociação de contratos futuros de Bitcoin na Bolsa Mercantil de Chicago.

Investidores institucionais não perderam a oportunidade para montar operações de short squeeze que contribuíram para derrubar o preço do BTC no mercado à vista, dando início ao ciclo de baixa. O fracasso dos ICOs e o prejuízo maciço dos investidores do varejo fizeram com que os reguladores entrassem em ação, com a intenção de restringir a negociação de ativos digitais. Além disso, rumores de que a China e outros países asiáticos tinham intenção de banir o Bitcoin contribuíram para mudar o clima do mercado nos meses subsequentes.

Ao final do primeiro trimestre de 2018, o Bitcoin recuara abaixo de US$ 7.000 – uma queda de 65% em relação à máxima histórica. Um patamar similar ao que nos encontramos hoje. 

O inverno cripto de 2018 foi um período prolongado de preços baixos e pouca volatilidade. Os 18 meses de duração se caracterizaram por interesse e engajamento insignificantes por parte do público externo à própria indústria.

O interesse dos investidores começou a reaparecer em julho de 2019, quando o preço do BTC ultrapassou a marca de dois dígitos pela primeira vez desde a grande correção de 2018. No entanto, o Bitcoin não conseguiu se sustentar acima de US$ 10.000 até que a crise de liquidez do COVID atingiu os mercados em março de 2020.

Diferenças de 2018 para 2022

Ao contrário da situação atual, o ciclo de baixa inaugurado em 2018 foi causado majoritariamente por questões inerentes à própria indústria. O fracasso dos ICOs colocou em dúvida não apenas a idoneidade dos desenvolvedores, mas também a eficiência e a utilidade da tecnologia blockchain.

O cerco dos reguladores, sim, é algo que parece estar se repetindo, embora o próprio encolhimento do mercado tenha contribuído para que as autoridades financeiras voltassem seu foco para outros setores dos mercados financeiros.

O crescimento da capitalização de mercado das stablecoins desde então e o colapso do Terra Classic evidenciaram os riscos inerentes ao mercado para os investidores do varejo de forma similar ao fracasso dos ICOs.

No entanto, agora, a indústria está dividida entre diversos setores. Finanças descentralizadas (DeFi), NFTs (tokens não fungíveis) e games foram responsáveis pela atração de novos usuários para o espaço e, consequentemente, para o crescimento da capitalização total do mercado em 2021. Em comum, os três se desenvolveram silenciosamente durante o longo inverno de 2018-2019.

O mercado deixou de ser cativo dos investidores do varejo e assistiu à entrada de grandes instituições e corporações com maior poder econômico. As empresas estão começando a fazer parte do imaginário coletivo, através de grandes investimentos em publicidade e lobby político, e da adesão de celebridades do campo dos esportes e do entretenimento. E, muito importante e significativo: o Bitcoin foi adotado como moeda de curso legal em dois países: El Salvador e a República Centro-Africana.

O sucesso de coleções de NFT como Bored Ape Yacht Club (BAYC) e Crypto Punks, de games como Axie Infinity (AXS) e a ascensão do metaverso graças aos esforços e aos investimentos da Meta, que acabaram refletindo diretamente sobre o ecossistema cripto, trouxe a Web3 ao centro das atenções, como uma alternativa potente e emancipadora para os usuários individuais em detrimento das grandes corporações.

Estas evidências sugerem que, ao contrário de 2018, dessa vez o interesse e o engajamento do público mais amplo não devem decair de forma radical. Iniciativas que favorecem a adoção por parte de empresas não criptonativas é um forte indicativo de que a indústria deve continuar a expandir-se, ainda que de forma bem menos acelerada.

E a regulação, a despeito dos receios que despertam em parte das entidades do mercado e dos usuários, pode ter efeitos benéficos em termos de validação para aqueles que ainda associam as criptomoedas a instrumentos exclusivamente especulativos e a atividades criminosas.

Principalmente, o inverno cripto de 2018 serve como lembrança de que o mercado de criptomoedas possui uma natureza cíclica, assim como todos os outros mercados. Não existe alta infinita.

Os ciclos de consolidação e capitulação após ciclos de alta como o do ano passado são saudáveis para aprimorar a estabilidade financeira e renovar a saúde do mercado, condenando à morte ou ao esquecimento projetos que não oferecem utilidade e benefícios reais para os usuários.

Embora o cenário macroeconômico apresente-se bastante desfavorável e 2023 promete ser o primeiro ano em que a indústria das criptomoedas vai ser impactada pelos efeitos de uma recessão global, os fundamentos da indústria, hoje, indicam que um novo ciclo de alta é questão de tempo. No momento, no entanto, ninguém parece capaz de dizer quando exatamente ele chegará.

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