Cointelegraph
Cassio GussonCassio Gusson

Usar USDT no lugar de fiat é trocar um governo corrupto por uma empresa privada lacaia dos governos, defende especialista

Para Marianella Vanci, stablecoin virou solução prática na América Latina, mas cria nova dependência financeira sob influência dos Estados Unidos.

Usar USDT no lugar de fiat é trocar um governo corrupto por uma empresa privada lacaia dos governos, defende especialista
Análise

Resumo da notícia

  • USDT vira dólar de fato na América Latina

  • Estabilidade imediata esconde risco de controle externo

  • Bitcoiners veem troca de soberania monetária

O avanço do USDT como substituto do dinheiro fiduciário na América Latina não representa liberdade financeira, mas sim uma troca de controle, afirma a analista Marianella Vanci. Segundo ela, o uso crescente da stablecoin da Tether mostra o desespero de populações afetadas pela inflação, mas também revela um novo tipo de dependência monetária, agora concentrada em uma empresa privada ligada à jurisdição americana.

Em seu artigo ela destaca que nas ruas da Venezuela, Argentina, Colômbia e Bolívia, o dinheiro estatal perdeu credibilidade, sendo que ele já representa 47% das transações e 30% dos pagamentos em supermercados na Venezuela.

De acordo com Vanci, a inflação acumulada transformou salários e poupanças em números frágeis. Nesse cenário, o USDT passou a funcionar como o dólar prático do cotidiano, mesmo sem existir fisicamente. Para Vanci, essa adoção não ocorre por convicção ideológica, mas por sobrevivência econômica.

“Na América Latina, o dinheiro pode desaparecer antes mesmo de chegar ao bolso. O USDT surge como resposta direta ao fracasso das moedas locais”, afirma a analista. Segundo ela, a stablecoin se tornou mais confiável do que o próprio sistema bancário em regiões onde parte da população sequer possui conta corrente.

Este é basicamente o mesmo ponto defendido pelo ex-presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Para ele, as stablecoins deram a oportunidade para as pessoas terem acesso à conta em dólares e com isso proteger o valor de seu dinheiro frente a instabilidade das moedas locais, como o caso do Real.

Além disso, Campos Neto sempre ressaltou como as stablecoins resolveram problemas relacionados a remessas, transferências e pagamentos ‘em tempo real’. Vanci também segue a mesma linha e afirma que comerciantes aceitam pagamentos digitais para evitar filas e taxas bancárias. Trabalhadores recebem salários em stablecoin para preservar poder de compra.

“As pessoas não buscam enriquecer com o USDT. Elas apenas tentam não empobrecer”, escreve Vanci ao descrever a realidade de mercados populares na Venezuela.

Fugir de um controle e entrar no outro

Entre 2022 e 2025, a América Latina movimentou US$ 1,5 trilhão em criptomoedas, com crescimento anual de 63%.

No Brasil, 90% das operações com criptomoedas são de stablecoins e seu uso é tão importante que o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, destaca ser essencial monitorar o mercado para a política cambial. Para Vanci, esse movimento trata-se da maior dolarização informal da história, ocorrendo fora do sistema bancário tradicional. Apesar disso, Vanci alerta que o custo dessa estabilidade é alto.

“Quando alguém possui USDT, não possui dólares. Possui uma promessa digital emitida por uma empresa privada offshore”, afirma. Segundo ela, essa promessa pode ser suspensa, congelada ou revertida por decisão da própria Tether ou por ordem de órgãos reguladores dos Estados Unidos.

A analista lembra que o USDT é vinculado ao dólar americano e, portanto, também está vinculado a corrupção, mandos e desmandos dos diferentes governos dos EUA. Além disso, o contrato inteligente do USDT permite a Tether bloquear qualquer endereço da rede, como já aconteceu inúmeras vezes, com anúncios do tipo feitos inclusive pela própria Tether.

“Na prática, o cidadão comum trocou a inflação local que o empobrece pela possibilidade de confisco remoto, que também pode levá-lo à pobreza. Trocou o controle de um governo corrupto pelo controle de uma entidade privada e dos órgãos reguladores americanos”, afirmou.

Na visão de Marianella Vanci, a América Latina não escolheu o USDT. “Ela foi empurrada para ele”. A analista conclui que o debate central não é tecnológico, mas político e econômico.

“ao abraçar essa opção, estamos construindo inclusão financeira ou simplesmente mudando a cor da moeda”, finaliza.