O dia 8 de agosto de 2022 pode ter entrado para a história como marco de uma nova era de combate à privacidade de transações eletrônicas, e, em última instância, de guerra declarada às criptomoedas por parte de autoridades governamentais.
Na ocasião, pela primeira vez na história, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou um protocolo descentralizado e de código aberto, o Tornado Cash (TORN), sob a justificativa de que ele teria sido utilizado para lavar US$ 7 bilhões em ativos digitais, em grande parte oriundos de atividades ilícitas.
Logo depois que a medida foi anunciada, o Centre, que é o consórcio responsável pela emissão da stablecoin USD Coin (USDC), congelou US$ 75.000 em USDC de 38 endereços que haviam interagido com o Tornado Cash anteriormente. Foi apenas o começo de uma sequência de acontecimentos que ainda não chegou ao final e poucos se arriscariam a dizer até onde poderá ir.
A sanção do Tesouro dos EUA desencadeou uma onda de reações à medida que DApps (aplicativos descentralizados), protocolos DeFi (finanças descentralizadas) e exchanges centralizadas tentam encontrar formas de minimizar a exposição a riscos regulatórios e, ao mesmo tempo, atender aos interesses dos seus usuários.
Descentralização em debate
A sanção ao Tornado Cash colocou em xeque a descentralização da stablecoin DAI, da MakerDAO (MKR), uma vez que o USDC responde por 32% das reservas do DAI, constituindo-se no principal ativo colateral da stablecoin supostamente descentralizada.
Diante das repercussões do caso, Rune Christensen, fundador da MakerDAO sugeriu à comunidade trocar a maior parte do USDC mantido nas reservas do DAI por Ethereum. A decisão foi recebida com sérios questionamentos, até mesmo do fundador da Ethereum (ETH), Vitalik Buterin, dada a volatilidade do Ether para atuar como garantia da paridade de 1:1 do DAI com o dólar.
Christensen justificou sua proposta afirmando que as recompensas superam os riscos, minimizando as possibilidades de que ativos centralizados como o USDC possam comprometer o acesso aos fundos garantidores do DAI.
Enquanto as decisões reacendem os debates sobre os reais níveis de descentralização de protocolos vinculados à Ethereum (ETH), como era o caso do Tornado Cash, alguns integrantes da comunidade cripto começam a levantar a possibilidade de que o Bitcoin (BTC), a criptomoeda descentralizada por excelência, incensurável e não permissionada, poderá sofrer consequências indiretas do recente ataque do Tesouro dos EUA à criptografia.
Riscos ao Bitcoin
O Bitcoin é suscetível ao uso de mixers, sendo o CoinJoins o mais conhecido e popular. Trata-se de um protocolo para embaralhar o BTC a fim de proteger a privacidade dos usuários da rede. Existem também outras ferramentas, como Samourai e Wasabi. O caso do Tornado Cash abre um precedente para que agências de fiscalização governamental possam impor sanções a este tipo de recurso.
Não é inimaginável que uma agência de fiscalização tente banir CoinJoins. Por mais improvável que possa parecer em um primeiro momento, visto que isso significaria excluir transações de Bitcoin de múltiplas entidades, tal ação pode ser executada.
Uma ação mais plausível seria impor sanções aos desenvolvedores de CoinJoins. Embora plataformas como o JoinMarket não sejam fáceis de sancionar devido à sua configuração, nos casos de Samourai e Wasabi, existem coordenadores centrais.
Esse tipo de sanção ainda é relativamente improvável, dada a estrutura do CoinJoins e por causa de uma declaração da Europol dizendo que as regras de combate à lavagem de dinheiro não se aplicam a essas ferramentas.
Em tese, impor sanções aos desenvolvedores teria um impacto semelhante ao do caso do Tornado Cash, mas na prática é diferente. Com o Bitcoin CoinJoins, não há pontos de contato com a blockchain do Bitcoin, o que é totalmente diferente dos contratos inteligentes do Tornado Cash, que são baseados na Ethereum.
Outra diferença importante entre o Bitcoin e a Ethereum é que, no ecossistema desta última, sistemas de infraestrutura centralizados desempenham um papel fundamental na operação supostamente descentralizada da rede.
Por exemplo, como uma empresa sediada nos EUA, a Infura, que sustenta grande parte dos DApps, carteiras digitais e outros serviços da Ethereum, é suscetível a sanções e censura governamental. No caso do Bitcoin, a rede é, de fato descentralizada, tornando-a mais resiliente a este tipo de ataque.
No entanto, embora o Bitcoin tenha sido pensado e implementado para resistir à censura estatal, ainda assim os mineradores que garantem o funcionamento e a segurança da rede estão vinculados às jurisdições em que mantêm suas instalações. Por outro lado, nesse caso, os mineradores não poderiam responder pela utilização de ferramentas de privacidade, o que tornaria eventuais ações inócuas em termos práticos.
Recentemente, o Cointelegraph Brasil apresentou cinco alternativas ao Tornado Cash que os usuários podem utilizar para manter a privacidade de suas transações envolvendo criptomoedas.
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