O governo de Santa Catarina teria aceitado propostas forjadas para a compra de respiradores fantasmas para o combate ao coronavírus avaliados em R$ 33 milhões, em esquema que envolveria também uma empresa investigada por pirâmide financeira com Bitcoin. A matéria é do The Intercept Brasil.

Segundo a matéria desta quarta-feira, o governo de Santa Catarina comandou a compra dos respiradores em apenas cinco horas, que deveriam ser entregues no início de abril e distribuído em 48 unidades de saúde do estado. Os respiradores, porém, nunca foram entregues. Há uma previsão "otimista" de entrega em junho.

Os respiradores foram vendidos por R$ 165.000, valor acima dos preços de mercado, que variam entre R$ 60 mil e R$ 100 mil. Os respiradores seriam entregues pela empresa Veigamed, da Baixada Fluminense, que não possui qualquer experiência com vendas do aparelho e seria especializada na venda de produtos hospitalares básicos como gazes e mobílias. A empresa vendeu, nos últimos cinco anos, apenas R$ 24.000 em produtos à União.

A aquisição de respiradores do modelo Medical C35, produzido no Panamá, foi protocolada pela Secretaria de Estado de Saúde na manhã de 26 de março e concluída no mesmo dia. A proposta da Veigamed foi enviada por Pedro Nascimento Araújo, informando que a empresa atuaria em conjunto com outra empresa, Brazilian International Business, com sede em Joinville, que seria responsável pela operação internacional da transação.

O dono da importadora, Rafael Wekerlin, diz à reportagem que chegou a ser procurado para uma parceria mas não teve retorno, para depois dizer que não conhecia a empresa. Ele diz que a Veigamed copiou seu orçamento e encamihou ao governo de Santa Catarina: 

“Copiaram no Word minha proposta e encaminharam. Mas note que eles esqueceram de tirar o meu nome”

Na tarde do 27 de março, com a compra de respiradores já fechada com a Veigamed, a assessoria jurídica aconselhou a busca de "outros orçamentos a fim de justificar o preço". No mesmo dia, o governo apresentou uma proposta da empresa MMJS, que não tem registro de vendas de aparelhos hospitalares, mas oferecei 200 respiradores Medical C30 por R$ 45 milhões. Em 28 de março, apareceu no processo a proposta da JE Comércio, com o mesmo aparelho por R$ 39 milhões.

Diz a matéria:

"Além de ambas estarem acima da oferta da Veigamed, as duas propostas possuem outras semelhanças: nenhuma delas tem CNPJ ou mesmo assinatura e nome do responsável, informações básicas em concorrências públicas. As duas empresas também dividem o mesmo endereço, conforme consta no site da MMJS e no rodapé da proposta da JE Comércio, o que leva a crer que tratam-se de propostas de fachada, para garantir a contratação da Veigamed."

A MMJS chamava-se até 2018 Bau Holdings, empresa que em 2017 foi investigada pela Justiça de Mato Grosso por venda ilegal de Bitcoin e pirâmide financeira. A reportagem do The Interceipt tentou contato com a empresa via telefone e e-mail, mas não obteve retorno, assim como ninguém da JE Comércio se pronunciou. O governo de Santa Catarina também ignorou os pedidos por esclarecimentos. 

"Com a proposta vencedora da Veigamed corroborada pelas supostas concorrentes, no dia 1º de abril o governo de Santa Catarina pagou em duas parcelas os R$ 33 milhões acertados com a empresa – procedimento um tanto incomum, já que o pagamento só deveria ser realizado após a realização do serviço, ou seja, quando os respiradores fossem entregues."

Sem entregar os respiradores, a Veigamed foi notificada em 8 de abril, mas a empresa só respondeu oito dias depois, mudando o modelo de respiradores por problemas com os fornecedores e mudando a entrega para junho, dois meses além do prazo inicial. O governo de Santa Catarina aceitou as alterações sem questionamentos.

"O documento de compra dos novos aparelhos não informa previsão de chegada dos equipamentos, apenas de embarque dos produtos. O primeiro lote de 100 respiradores parte da China entre os dias 25 e 30 de abril. O outro carregamento deve sair entre 15 e 30 de maio. Ou seja, na melhor das hipóteses, os respiradores devem chegar com pelo menos dois meses de atraso, quando boa parte dos pacientes que poderiam ser socorridos já tiverem sucumbido ao vírus."

Na última segunda-feira, a assessoria jurídica da Saúde produziu um parecer pedindo o cancelamento da compra, multa de 10% do valor do contrato (R$ 3,3 milhões) e suspensão de seis meses para a Veigamed firmar novos contratos com o governo do estado. Não é citado, porém, o pagamento já feito de R$ 33 milhões.

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