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Cassio GussonCassio Gusson

'Proibir criptos como ZCash é uma ação brusca, as pessoas têm direito de autonomia', defende ShapeShift

Executivo da ShapeShift afirma que privacidade continua essencial e que o futuro financeiro não será dominado por Bitcoin ou stablecoins.

'Proibir criptos como ZCash é uma ação brusca, as pessoas têm direito de autonomia', defende ShapeShift
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Resumo da notícia

  • ShapeShift reforça privacidade com integração do Zcash.

  • Executivo defende futuro financeiro multiativo e descentralizado.

  • Privacidade vira necessidade em cenário global de vigilância crescente.

A ShapeShift anunciou nesta semana uma integração completa com a ZCash, a integração permite trocas privadas entre cadeias como Bitcoin, Ethereum e Arbitrum, sempre mantendo a posse direta dos fundos. A empresa afirma que a privacidade funciona como proteção básica para cidadãos que vivem sob ameaça constante.

De acordo com a ShapeShift pessoas em áreas de conflito lidam com riscos extremos ao movimentar recursos digitalmente. Por isso, a ferramenta chega para reduzir vulnerabilidades e impedir que dados financeiros se tornem alvo de vigilância. A empresa lembra que jornalistas, ONGs e civis enfrentam hoje riscos que ultrapassam questões econômicas.

A companhia anunciou ainda que ampliará o suporte a mais dez idiomas. O executivo Houston Morgan afirma que ucranianos não deveriam escolher entre segurança e acesso a ferramentas financeiras. Para ele, a privacidade não é luxo. É proteção. A ShapeShift ressalta que não exige cadastro, não rastreia usuários e não mantém estruturas que possam ser paralisadas por governos.

O professor Chris McCarthy também destaca que integrar Zcash significa defender a liberdade humana. Ele afirma que a criptografia permite equilibrar privacidade e transparência. Além disso, argumenta que sistemas descentralizados impedem que direitos sejam removidos por pressão política.

Em uma entrevista exclusiva com o Cointelegraph Brasil, Morgan afirmou que a pressão regulatória não diminui a demanda por privacidade. Segundo ele, o efeito costuma ser o oposto. Quanto mais governos tentam restringir as moedas de privacidade, mais evidente fica a importância da proteção financeira.

O executivo lembra que privacidade não atende a criminosos. Ela atende a pessoas comuns. Ele cita salários, doações políticas, despesas médicas e segurança familiar. Todas exigem algum nível de discrição. No mundo físico, ninguém publica extratos bancários. Em blockchains públicas, isso ocorre por padrão.

Ele também discutiu a ideia de que Bitcoin teria “abandonado” a privacidade para se tornar ouro digital regulado. Ele afirma que Bitcoin nunca foi um protocolo voltado à privacidade total. O desenho original priorizou simplicidade, auditabilidade e neutralidade. Essa combinação o transformou em um ativo globalmente reconhecido.

O conceito de ouro digital ajuda instituições a compreender escassez e segurança. No entanto, ele não limita a evolução do setor. Para Morgan, Bitcoin funciona como porta de entrada. Ele introduz o público ao conceito de valor sem permissão. Isso abre espaço para soluções mais avançadas.

Confira a entrevista completa

Pressão regulatória privacidade

Cointelegraph Brasil (CTBR): A integração do Zcash ocorre em um momento de forte pressão regulatória. Em diversos países, criptomoedas focadas em privacidade foram proibidas Como você vê esses acontecimentos?

Houston Morgan (HM): A pressão regulatória não reduz a necessidade de privacidade; geralmente, ela a comprova. Privacidade não é um “recurso legal” para criminosos. É uma camada básica de segurança para pessoas comuns: salários, saldos empresariais, doações políticas, gastos médicos, finanças familiares e proteção pessoal. No mundo físico, nós não publicamos os extratos bancários de todos na internet. Em blockchains públicas, é praticamente isso que acontece por padrão.

Quando reguladores respondem à tecnologia de privacidade com proibições amplas, isso normalmente reflete falta de entendimento e das nuances da vida real: eles tentam resolver preocupações legítimas de fiscalização, mas utilizam instrumentos muito bruscos. No longo prazo, acredito que o mundo caminha para estruturas mais inteligentes, que distinguem custódia, conformidade e escolha do usuário, em vez de simplesmente proibir o conceito de privacidade financeira.

A visão da ShapeShift é simples: autossoberania e autonomia do usuário importam. As pessoas devem poder escolher ativos transparentes quando quiserem transparência e ativos com preservação de privacidade quando precisarem de privacidade—sempre dentro das leis locais.

“Quando governos proíbem privacidade, eles não eliminam a necessidade dela—apenas confirmam por que ela importa.”

O Bitcoin “abandonou” a privacidade para virar ouro digital regulado

CTBR: O Bitcoin "abandonou" seu foco na privacidade para se tornar uma espécie de "ouro digital regulamentado", ou será um "cavalo de Troia" abrindo caminho para um domínio mais amplo das criptomoedas no mercado?

HM: O Bitcoin não “abandonou” a privacidade, ele nunca foi um protocolo focado em privacidade. Ele é melhor descrito como pseudônimo, com um livro-razão transparente. O trade-off que fez o Bitcoin poderoso foi a extrema simplicidade, neutralidade e auditabilidade, não privacidade embutida por padrão.

A narrativa de “ouro digital” é útil porque é compreensível para instituições e reguladores. Ela ajuda as pessoas a entender escassez, finalização de liquidação e a ideia de uma reserva de valor não soberana. Mas essa narrativa não impede uma adoção cripto mais ampla, na verdade, pode ser a porta de entrada.

Se você quiser chamar o Bitcoin de cavalo de Troia, não seria porque ele faz privacidade secretamente. Seria porque ele normalizou a ideia de que indivíduos podem manter e transferir valor sem pedir permissão. Quando esse modelo mental se encaixa, as pessoas começam a perguntar: “O que mais podemos fazer on-chain?”

“O superpoder do Bitcoin não é privacidade—é neutralidade. E a neutralidade é o que abre portas.”

Revolução das stablecoins

CTBR: Temos presenciado uma silenciosa “revolução cripto”, com adoção gradual: primeiro as stablecoins, depois as carteiras digitais e agora empresas de criptomoedas buscando se tornar bancos, especialmente nos EUA. Você vê essa expansão como uma evolução natural da economia digital? Quais outros setores serão provavelmente remodelados por aplicativos nativos de criptomoedas?

HM: Sim, é uma evolução natural, porque mercados sempre avançam em direção a liquidação mais rápida, menor fricção e melhor experiência do usuário.

As stablecoins provaram que o aplicativo matador é a movimentação de dinheiro: liquidação global, 24/7, programável. As wallets então se tornaram a nova camada de distribuição, o lugar onde o usuário realmente vive. E agora vemos uma convergência: fintech quer trilhos cripto, e cripto quer confiança e usabilidade do mainstream.

Os próximos setores a serem transformados são aqueles onde custos de coordenação e atrasos de liquidação são o maior peso. Alguns exemplos:

  • Pagamentos e remessas (óbvio, já acontecendo)

  • Tesouraria empresarial (liquidação em tempo real, gestão programável de caixa)

  • Infraestrutura de mercados de capitais (clearing, settlement, colateral, margem)

  • Jogos e comércio digital (propriedade real + pagamentos globais)

  • Identidade e reputação (não como “KYC”, mas como credenciais portáveis controladas pelo usuário)

“Cripto não substitui a economia—ele atualiza os trilhos sobre os quais a economia roda.”

O que será hype em 2026

CTBR: As stablecoins se tornaram um foco central em 2025 para reguladores, governos e o próprio mercado de criptomoedas. Olhando para 2026, o que você espera que assuma o protagonismo em seguida, RWA por exemplo?

HM: Muita gente vai dizer “tokenização”, mas a verdadeira história é liquidez + distribuição + primitives de compliance.

Tokenizar um ativo é fácil. Criar liquidez profunda, resiliente, com estrutura de mercado segura é difícil.

2026 fica interessante se três coisas acelerarem:

  • Títulos tokenizados e instrumentos equivalentes a caixa continuam escalando (já são a ponte entre TradFi e DeFi).

  • Modelos de crédito on-chain e sem colateral total amadurecem com cuidado (com gestão de risco séria, não hype).

  • Compliance com preservação de privacidade melhora (divulgação seletiva, sistemas baseados em provas).

  • Equities e RWAs vão crescer, mas os vencedores não serão os que tokenizam mais coisas—serão os que tornam esses ativos usáveis: spreads apertados, resgate claro, custódia/liquidação confiáveis e UX limpa.

“Tokenização é a manchete; liquidez e usabilidade são o produto real.”

Stablecoins apenas ‘trocam a corrupção de mãos’

CTBR: Recentemente, ouvi a seguinte declaração: “Trocar moedas fiduciárias por stablecoins nada mais é do que substituir a corrupção local pela corrupção americana, financiando a economia dos EUA”. Por outro lado, a Tether argumenta que as stablecoins são o caminho para que as criptomoedas dominem o sistema e, eventualmente, migrem para uma economia baseada no Bitcoin. Qual a sua opinião sobre esse debate?

HM: A crítica aponta algo real: stablecoins dolarizadas ampliam a influência monetária dos EUA. Mas é incompleto, porque ignora por que as pessoas escolhem stablecoins.

Em muitos países, usuários não adotam stablecoins por simpatia aos EUA. Eles adotam porque precisam de uma unidade de conta mais confiável e mobilidade financeira melhor, especialmente onde inflação, controles de capital ou falta de acesso bancário são problemas sérios. Stablecoins costumam ser uma ferramenta de autopreservação individual.

Sobre a ideia de “economia baseada em Bitcoin”: sou cético quanto a uma economia global totalmente denominada em Bitcoin. Acredito em um futuro multiativo: stablecoins para gasto e liquidação, ativos voláteis para valorização de longo prazo e ativos com privacidade para segurança.

O destino real é um sistema financeiro sempre ligado e sem permissões, não um monocultivo de um único ativo.

“Stablecoins não são ideologia, são uma válvula de escape. As pessoas escolhem a opção menos ruim disponível.”

ShapeShift no Brasil

CTBR: Estamos observando um forte crescimento no mercado de criptomoedas na América Latina. A ShapeShift tem planos ou estratégias específicas voltadas para a América Latina e o Brasil?

HM: A América Latina é uma das regiões mais claras de adoção real de cripto, então focamos primeiro em localização. A ShapeShift suporta português e espanhol e exibe ativos como Bitcoin em moedas locais em toda a região—including o Brasil—para que usuários operem em sua unidade de conta do dia a dia.

Também integramos opções de on/off-ramp por meio de parceiros onde há suporte, reduzindo fricção.

Do ponto de vista de go-to-market, estamos sendo disciplinados: priorizando entregas, UX local e distribuição via parceiros em vez de grandes campanhas de marketing regional e expandiremos esse investimento conforme os recursos permitirem.