Pesquisadores de criptomoedas identificaram nesta semana uma carteira de Bitcoin que enviou grandes quantidades de Bitcoin (BTC) a personalidades e grupos de extrema-direita dos Estados Unidos um mês antes dos episódios de violência no Capitólio dos Estados Unidos, em 8 de janeiro.

Segundo informações do Yahoo! News, no dia 8 de dezembro, um mês antes dos extremistas e apoiadores de Donald Trump tentarem interromper a sessão que reconheceu Joe Biden como novo presidente do país, uma só conta transferiu 28,15 Bitcoins para 22 carteiras diferentes, identificadas como pertencentes a grupos de extrema-direita - entre neonazistas e supremacistas brancos - e personalidades do mesmo espectro político.

Os pesquisadores identificaram a carteira de origem das transações e suspeitam que o responsável seja um patrono de causas de extrema-direita.

Entre os contemplados estão sites e figuras conhecidas da extrema-direita norte-americana, como VDARE, Daily Stormer e Nick Fuentes. Todos receberam uma generosa doação em Bitcoin enviada desde uma exchange francesa, segundo também apurou a Chainalysis. A conta na exchange foi criada em 2013 e pertenceria a um programador francês, dono de um blog que permaneceu inativo entre 2014 e 9 de dezembro de 2020, um dia depois da transferência de BTC.

A Chainalysis baseou-se em informações públicas da rede Bitcoin para investigar e mapear a grande transação. O doador original foi registrado no NameID, um serviço de Internet que permite aos usuários de Bitcoin vincular seu pseudônimo ou endereço de e-mail ao perfil da carteira. Os investigadores então conseguiram rastrear o endereço de e-mail do blog e o encontraram em várias postagens de fóruns de criptomoedas desde 2013.

Segundo uma das fontes anônimas da matéria, a transação suspeita de 8 de dezembro também levou a uma investigação de agências de segurança e de inteligência dos EUA para identificar as fontes de financiamento dos atos de 6 de janeiro. As autoridades esperam evitar ataques futuros e descobrir se houve envolvimento estrangeiro ou o apoio a atividades de grupos supremacistas e neonazistas.

O procurador-geral dos EUA Michael Sherwin disse em entrevista coletiva que "o escopo e a escala desta investigação nesses casos são realmente sem precedentes". Segundo ele, os promotores estão tratando o assunto como uma "investigação importante de contraterrorismo ou contra-espionagem", envolvendo análises mais profundas de "arrecadação de dinheiro, registros de viagens, movimentação e comunicação".

A maior parte da transferência teve como destinatário o comentarista de extrema-direita Nick Fuentes, que recebeu nada menos que US$ 250.000 em BTC. Os portais Daily Stormer e o site contra a imigração VDARE estão entre os outros "contemplados". Quando perguntado pelo Yahoo se ele havia recebido os fundos, Fuentes tuitou uma imagem obscena e nomeou uma série de jornalistas que o estariam perseguindo. Ele garante não ter participado dos atos do Capitólio.

A invasão ao Capitólio terminou com 5 pessoas mortas, a maioria apoiadores de Donald Trump. Naquele dia, Trump fez um discurso inflamando uma multidão que ecoava suas suspeitas de fraude nas eleições, rechaçadas por mais de uma dezena de tribunais nos EUA. O presidente dos EUA conclamou os apoiadores a "descer a Pennsylvania Avenue" (avenida que termina na casa legislativa norte-americana) e "tomar o país de volta".

O que se viu então foi uma multidão enfurecida invadindo o Capitólio, saqueando o prédio histórico, agredindo as forças de segurança, ameaçando os parlamentares e até o vice-presidente Mike Pence, que abria a sessão no parlamento naquele dia e foi tirado às pressas do prédio. O FBI investiga 160 pessoas por participação nos atos, que são tratados como "terrorismo doméstico".

Uma semana depois, Trump é o primeiro presidente dos Estados Unidos a sofrer impeachment por duas vezes nas mãos da Câmara de Representantes do país. Ele fez um pronunciamento apaziguador nesta semana, pedindo "união" ao país. Na próxima semana, quando Trump já não será presidente, o Senado decide se ele perde ou não seus direitos políticos.

Neonazis e criptomoedas

A ligação entre grupos extremistas de direita e criptomoedas não é nova. Desde 2017, as autoridades dos EUA investigam o financiamento de supremacistas brancos e neonazistas com criptomoedas no país.

Naquele ano, o ato racista "Unite the Right", em Charlottesvile, terminou em violência brutal, com os supremacistas entoando gritos nazistas, inclusive contra judeus. Na época, as autoridades identificaram uma doação de US$ 60.000 de BTC a Andrew Anglin, editor do portal neonazista Daily Stormer, que aceita doações em criptomoedas.

O analista de dados Alex Newhouse, do Middlebury Insitute of International Studies, escreveu em uma pesquisa sobre o tema em 2019:

“A experiência de mensagens e recrutamento online, juntamente com o fato de que os grupos extremistas modernos são geralmente jovens e com experiência digital, significa que essas organizações e indivíduos alteraram fundamentalmente a maneira como os extremistas arrecadam dinheiro. A falta de regulamentação sobre o Bitcoin impulsionou sua adoção pelos supremacistas brancos”

Os desafios para rastrear o dinheiro e combater o financiamento de grupos extremistas, sejam eles supremacistas, anti-imigrantes ou neonazistas, é apontado como um dos desafios das autoridades norte-americanas, já que os grupos vivem de doações, dificultando o rastreamento dos "patronos" das causas extremistas.

Segundo Maddie Kennedy, da Chainalysis, o uso de criptomoedas não necessariamente garante o anonimato de criminosos que fazem uso desse mercado para despistar as autoridades e investigações:

“Com as ferramentas certas, você pode rastrear o dinheiro. As criptomoedas foram projetadas para serem transparentes. Esses grupos extremistas são provavelmente mais bem organizados e bem financiados do que se acreditava anteriormente. Esta é uma evidência de que eles estão levantando dinheiro e com ajuda internacional. As autoridades devem estar atentas.”

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