Resumo da notícia:
A partilha de criptomoedas em divórcios resulta em novos impasses nos tribunais.
O controle das chaves privadas dificulta o bloqueio judicial e favorece a ocultação de valores.
A volatilidade e a tributação sobre ganho de capital impactam diretamente a partilha.
A crescente adoção de criptoativos por investidores de varejo adicionou uma nova camada de complexidade aos processos de divórcio. Os litígios que antes se limitavam à divisão de bens tangíveis, como imóveis, veículos e aplicações financeiras, passaram a envolver o rastreamento de carteiras, análise de mercado e a escolha de diferentes modelos de partilha.
O fato de os criptoativos serem bens que podem ser transferidos instantaneamente e, muitas vezes, são mantidos fora do alcance de registros financeiros tradicionais, exige procedimentos jurídicos complexos para a identificação e a avaliação de patrimônio.
Especialistas ouvidos em uma reportagem da CNBC afirmam que a falta de transparência é um dos principais pontos de atrito. “Em casos de divórcio, os criptoativos estão criando as mesmas dores de cabeça que vemos há muito tempo com contas offshore, exceto que agora os ativos podem ser movidos instantaneamente e de forma invisível”, afirmou Mark Grabowski, professor de direito cibernético e ética digital na Adelphi University.
Um dos problemas centrais reside na definição jurídica da propriedade de criptoativos. Diferente de uma conta bancária, onde a titularidade é vinculada a um CPF ou identidade, a posse de criptoativos é determinada pelo controle das chaves privadas.
Essa particularidade facilita a ocultação de valores e exige que advogados e juízes recorram a perícias forenses digitais para garantir uma partilha justa.
Se um dos cônjuges detém a chave privada de uma hardware wallet, ele passa a ter controle efetivo do ativo, o que dificulta a intervenção judicial para bloqueio ou transferência dos fundos.
“Uma conta de aposentadoria vem com extratos, uma casa tem um endereço, mas os criptoativos podem estar em uma exchange online ou em uma carteira de hardware que um cônjuge convenientemente se esqueceu de mencionar”, afirmou Renee Bauer, uma advogada de direito de família que já lidou com a partilha de criptoativos no passado.
Roman Beck, professor da Bentley University, explicou que, para fins fiscais e de propriedade, a lei trata os criptoativos como propriedade, e não como dinheiro. Isso significa que Bitcoin (BTC), Ether (ETH), stablecoins e NFTs (tokens não-fungíveis) adquiridos durante o casamento são, via de regra, considerados parte do patrimônio conjugal, da mesma forma que uma conta de corretagem ou um segundo imóvel.
Ou seja, a questão não é apenas com quem fica a carteira, mas como a Justiça define a distribuição dos ativos e quem assume tecnicamente a custódia.
A imutabilidade e a transparência das redes blockchain permitem o rastreamento de eventuais transações. Portanto, basta utilizar as ferramentas necessárias para cumprir a lei, segundo Beck:
“Isso deixa uma trilha de auditoria perfeita se você souber como ler os dados on-chain. A verdadeira fronteira não é a lei, é a perícia.”
Volatilidade e valoração ampliam a complexidade da partilha de criptoativos
A volatilidade do mercado, por sua vez, causa problemas na valoração do patrimônio. Durante o curso de um processo judicial, que pode levar meses e até mesmo anos, o valor de um portfólio de Bitcoin e altcoins tende a oscilar dramaticamente.
É comum que juízes e advogados divirjam sobre a data de fixação do valor para a partilha: deve-se considerar a cotação da data da separação de fato ou da data de transferência e liquidação do ativo? A decisão pode impactar significativamente as partes envolvidas.
As soluções variam conforme o grau de cooperação entre o casal. As alternativas incluem a divisão dos ativos on-chain (transferência das moedas para carteiras individuais), a liquidação dos ativos para divisão em moeda fiduciária ou a compensação financeira. Por exemplo, um cônjuge mantém as criptomoedas e o outro recebe bens de valor equivalente, como imóveis.
No entanto, a venda dos ativos pode gerar impostos sobre ganho de capital, que pesam no cálculo final da partilha.
Conforme noticiado recentemente pelo Cointelegraph Brasil, advogados também afirmam que um plano de herança é fundamental para garantir que os herdeiros possam acessar criptoativos com segurança e dentro da legalidade, após o falecimento do titular.