Tem sido um ano difícil para os ativos de risco de maneira geral, e é justo culpar a situação macroeconômica por isso. Uma combinação de fatores desencadeou uma onda de inflação nas economias desenvolvidas e forçou os banqueiros centrais a reagir.

Como consequência, diversos eventos – incluindo inflação, folha de pagamento, anúncios de taxas de juros e discursos de autoridades monetárias (especialmente nos EUA) – tiveram impacto relevante sobre os preços dos ativos de risco. À medida que as más notícias prevaleceram, a turbulência se espalhou por diferentes classes de ativos e regiões. Em meados de setembro, todos os principais índices de ações dos países desenvolvidos registraram retornos negativos de dois dígitos (no acumulado do ano, com correção monetária).

Nessas águas turbulentas, os criptoativos foram severamente prejudicados. O Nasdaq Crypto Index (NCI), que representa o desempenho dos criptoativos mais relevantes, caiu 52,3% (no acumulado do ano) até 12 de setembro. Durante essa crise, as criptomoedas também exibiram uma alta correlação sem precedentes com ativos tradicionalmente arriscados, notadamente ações em empresas de tecnologia, que compreendem um dos setores mais fortemente prejudicados. Nessas circunstâncias, vale questionar se o inverno cripto é resultado ou não de um cenário macro. Vamos ver o que os dados podem nos dizer.

Ajustamos um modelo de regressão simples para entender como os choques macroeconômicos impactam os retornos do NCI. Usamos os retornos do Nasdaq 100 (NDX), que são altamente correlacionados às criptomoedas, como uma variável para mudanças no cenário macro. Nossa abordagem baseada em dados também indicou duas datas discrepantes que exigiram tratamento especial, mas exploraremos isso mais adiante. Utilizando retornos diários de 1º de março a 12 de setembro, a estimativa indica que, para uma variação de 1% no NDX, deve-se esperar uma variação de 1,27% no NCI. Considerando que o NDX havia caído 21,9% até 12 de setembro, podemos inferir que 27,0% do retorno negativo do NCI foi causado diretamente pela situação macroeconômica. Este é definitivamente um valor substancial, mas ainda há uma queda de 34,6% a ser explicada. Podemos declarar os fatores macro “inocentes” por esta desvantagem residual? O modelo nos dá algumas pistas.

As duas datas discrepantes foram identificadas puramente por critérios baseados em dados. Mas, olhando mais de perto, há algumas histórias significativas em torno dessas datas. A primeira data é 9 de maio, que coincide com o colapso do Terra (um ecossistema centrado em uma stablecoin algorítmica), e a segunda é 13 de junho, o mesmo dia em que a Celsius, uma plataforma centralizada de empréstimos de criptomoedas, suspendeu os saques aos seus clientes. Segundo o modelo, esses dois dias são responsáveis ​​por uma queda de 22,4%, sendo que este último responde por dois terços da queda.

Tanto o Terra quanto a Celsius são exemplos de desastres econômicos clássicos: crise cambial e falência de agentes superalavancados, respectivamente. Essas situações geralmente ocorrem quando a aversão ao risco aumenta (exatamente o que acontece durante crises grandes e generalizadas). Uma citação famosa atribuída a Warren Buffett se encaixa muito bem para descrever essa ideia: “Você não descobre quem está nadando nu até a maré baixar”. Embora não seja justo colocar toda a culpa no macroambiente por esses eventos, é difícil acreditar que ele não tenha desempenhado um papel fundamental na aceleração das espirais da morte e na amplificação do efeito dominó no restante do ecossistema de criptomoedas. Seria justo classificar esses dois casos como eventos específicos do mercado cripto impulsionados por condições macroeconômicas desfavoráveis.

Depois de remover o efeito das duas datas discrepantes, chegamos a um retorno negativo de 15,5%, que pode ser rotulado como puro desempenho das criptomedas. Bem, se você chama isso de inverno, provavelmente mora bem perto da linha do Equador. O gráfico abaixo mostra as trajetórias alternativas implícitas no modelo:

NCI e cenários alternativos. Fonte: João Marco Braga da Cunha

Todas essas ginásticas estatísticas são ótimas, mas o que isso significa para os investidores que testemunharam o colapso de metade do mercado? Primeiro, apesar da alta correlação, os vínculos entre a atual situação macro e as possibilidades futuras das tecnologias de criptomoedas e blockchain são extremamente fracos. Não há razão para acreditar que esta crise terá um impacto no resultado de longo prazo dos investimentos em criptomoedas.

Em segundo lugar, os eventos específicos do mercado cripto impulsionados por fatores macro que tiveram um impacto substancial nos preços foram puramente técnicos e não tiveram efeito sobre os fundamentos da tese de investimento. É razoável esperar que seu impacto seja revertido no médio prazo.

Terceiro, o ecossistema criptográfico está bem. A crise eliminou alguns atores ruins e projetos mal elaborados, mas todos os pilares permanecem intactos. Os protocolos de finanças descentralizadas (DeFi) funcionaram conforme o esperado. A Ethereum acabou de terminar a atualização mais relevante da história das criptomoedas. As soluções de segunda camada estão evoluindo. Há uma crescente adoção de tokens não fungíveis (NFTs) e outras formas de cultura digital, e assim por diante.

A desaceleração do mercado de criptomoedas não é só macro. Mas, é provável que estaríamos em um outono confortável se não fosse a crise. E, por que devemos ser céticos sobre a possibilidade de um verão cripto após a turbulência macro retroceder? Já foi dito: “Para apreciar a beleza de um floco de neve, é preciso encarar o frio”. Para se bronzear no verão cripto, você deve estar exposto.

João Marco Braga da Cunha é o gestor de portfólio da Hashdex. Obteve um mestrado em economia pela Fundação Getulio Vargas antes de obter o doutorado em engenharia elétrica e eletrônica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Este artigo não contém conselhos ou recomendações de investimento. Cada movimento de investimento e negociação envolve risco, e os leitores devem realizar sua própria pesquisa ao tomar uma decisão. Os pontos de vista, pensamentos e opiniões aqui expressos são de responsabilidade exclusiva do autor e não necessariamente refletem ou representam os pontos de vista e opiniões da Cointelegraph.

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