Na madrugada de 16 de março de 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello anunciou, em rede nacional, uma medida que entraria para a história como um dos capítulos mais traumáticos da economia brasileira: o confisco das poupanças e contas correntes da população.

O Plano Collor, como ficou conhecido, bloqueou instantaneamente cerca de 80% do dinheiro em circulação no país, equivalente a R$ 100 bilhões (em valores da época), com o objetivo declarado de conter a hiperinflação, que beirava 80% ao mês. Três décadas e meia depois, o episódio permanece como uma ferida aberta na memória coletiva, símbolo de desespero econômico e ruptura de confiança entre cidadãos e Estado e ressaltando a tese de que o Bitcoin é a forma de dinheiro para proteção contra as mazelas do governo.

A década de 1980 havia deixado o Brasil à beira do colapso. A inflação, corroendo salários e poupanças, transformara-se em um monstro incontrolável. Em 1989, ano da eleição de Collor, o IPCA acumulado superava 1.800%.

O caixa do governo estava esgotado, e a dívida pública disparava. Foi nesse cenário que o plano econômico, elaborado em sigilo pela equipe do ministro Zélia Cardoso de Mello, surgiu como um "choque de capitalismo": além de congelar preços e salários, a medida mais radical foi o bloqueio de todos os recursos financeiros acima de 50 mil cruzeiros por 18 meses, convertendo-os em títulos públicos.

No entanto, para milhões de brasileiros, significou perder acesso a economias de anos em um piscar de olhos.

O impacto foi imediato. Pequenos empresários viram-se impossibilitados de pagar funcionários, famílias perderam reservas para emergências, e aposentados enfrentaram a ruína.

"Acordei sem nada. Tinha uma loja de roupas e, de um dia para o outro, não havia dinheiro para comprar tecido ou pagar aluguel", relembra Maria do Carmo, 72 anos, de São Paulo, uma das milhões de vítimas não indenizadas. O caos social foi acompanhado por uma queda abrupta no consumo, provocando recessão e desemprego em massa.

Economicamente, o Plano Collor I obteve um sucesso fugaz. A inflação mensal caiu para 9% em abril de 1990, mas a falta de circulante estrangulou empresas e reactivou a sonegação. Sem reformas estruturais, o governo lançou o Plano Collor II em 1991, que manteve o confisco e aprofundou a liberalização econômica, mas não impediu a volta da inflação a patamares estratosféricos.

A crise política se intensificou com denúncias de corrupção, culminando no impeachment de Collor em 1992, mesmo que a devolução parcial dos recursos confiscados só tenha começado anos depois, sob pressão judicial.

Confiscou o dinheiro do povo

Trinta e cinco anos depois, o legado do confisco é ambíguo. Para economistas, o episódio expôs os limites de políticas de choque sem transparência e baseadas na penalização da população. "Foi um remédio amargo que não curou a doença.

A hiperinflação só seria domada em 1994, com o Plano Real, que aprendeu com os erros do passado", analisa o professor de economia Paulo Feldmann, da USP. Já na esfera social, o trauma gerou uma desconfiança duradoura em instituições financeiras e no Estado. Pesquisas mostram que brasileiros acima de 50 anos ainda preferem investir em imóveis ou dólar a aplicar em poupança, herança direta do trauma de 1990.

Até hoje, processos judiciais buscam indenizações corrigidas pela inflação. Em 2023, o STF reconheceu a obrigação de atualizar os valores, mas a morosidade da Justiça e a complexidade dos cálculos deixam milhares de afetados sem reparação. Para muitos, a justiça tardia não apaga a sensação de violação.

"O governo nos roubou duas vezes: primeiro, levando nosso dinheiro; depois, devolvendo uma migalha sem valor", desabafa o aposentado João Silva, 68 anos, do Rio de Janeiro.

O confisco da poupança segue como um alerta sobre os custos humanos de decisões autoritárias e a importância de proteger a confiança pública. Em um país ainda marcado por desigualdades e crises cíclicas, a lição de 1990 ecoa sempre que a inflação reaparece no horizonte: sem diálogo e respeito aos direitos dos cidadãos, nenhum plano econômico é sustentável.

Nesse contexto, o Bitcoin e as criptomoedas emergem como ferramentas oferecendo uma alternativa descentralizada contra a ingerência estatal. Ao permitir que indivíduos custodiem seus próprios recursos sem intermediários, a tecnologia blockchain desafia mecanismos de confisco e controle monetário centralizado, características que, décadas atrás, teriam oferecido uma barreira contra medidas como as do Plano Collor.

Enquanto governos mantêm o poder de congelar poupanças ou desvalorizar moedas, o Bitcoin, com seu suprimento limitado e rede global imune a intervenções unilaterais, simboliza uma busca por soberania financeira em um mundo onde a desconfiança nas instituições tradicionais ainda é uma herança dolorosa.

Do plano Collor ao Drex

Desde o confisco da poupança no Plano Collor, em 1990, o sistema financeiro brasileiro passou por uma revolução tecnológica. De um período marcado pela insegurança econômica e desconfiança no sistema bancário, o Brasil evoluiu para uma das infraestruturas financeiras mais inovadoras do mundo, com o Pix e o Drex como expoentes dessa transformação.

Após esse episódio, o Banco Central e outras instituições começaram a investir em modernização e transparência para recuperar a credibilidade do sistema financeiro. Ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, iniciativas como a criação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e a implementação da câmara de compensação eletrônica reduziram o tempo das transações bancárias, substituindo processos manuais por sistemas automatizados.

A popularização da internet nos anos 2000 trouxe uma nova onda de modernização. Os bancos passaram a oferecer serviços online, permitindo transferências, pagamentos de contas e investimentos sem a necessidade de ir a uma agência física.

Em 2013, o Banco Central lançou o Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI), um embrião do que viria a ser o Pix. Com essa infraestrutura, a digitalização dos serviços financeiros se tornou um caminho sem volta.

Lançado em novembro de 2020, o Pix revolucionou o mercado de pagamentos no Brasil. O sistema permitiu transferências instantâneas 24 horas por dia, eliminando a necessidade de TEDs e DOCs, que tinham custos e restrições de horário.

A adesão foi massiva: em pouco mais de três anos, o Pix se tornou o principal meio de pagamentos do país, com mais de 155 milhões de usuários e movimentando bilhões de reais diariamente. Pequenos comerciantes, autônomos e até mesmo governos passaram a utilizar a ferramenta para pagamentos e recebimentos de tributos.

Agora, o Drex, a moeda digital do Banco Central, promete ser o próximo grande passo na modernização financeira. Previsto para ser lançado oficialmente em 2025, o Drex será uma versão digital do real, operando em uma rede baseada na tecnologia blockchain.

Diferente do Pix, que apenas facilita transações, o Drex permitirá contratos inteligentes, pagamentos automáticos programáveis e um ambiente mais seguro para transações de alto valor. O Banco Central garante que o Drex não substituirá o dinheiro físico, mas sim oferecerá mais possibilidades para empresas e consumidores.

Apesar da inovação, Drex gera medo de "Collor 2"

Apesar do avanço da tecnologia do sistema finaceiro do Brasil, o avanço do Drex, também tem gerado debates acalorados no Congresso Nacional. Deputados federais manifestam preocupações sobre possíveis impactos na privacidade dos cidadãos, controle governamental e inclusão financeira, temendo um possível cenário "Collor 2".

Em 5 de fevereiro de 2025, o deputado Allan Garcês (PP-MA) protocolou um requerimento solicitando ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esclarecimentos sobre a implementação do Drex. Garcês questiona o cronograma do projeto, a base legal para sua criação e como a nova moeda coexistirá com o papel-moeda e o Pix. Ele destaca a necessidade de garantir que o Drex não substitua o dinheiro físico, o que poderia afetar negativamente a população mais vulnerável. ​

Além disso, o deputado expressa preocupações sobre a possibilidade de o Drex ser utilizado como ferramenta de vigilância estatal, semelhante ao sistema de moeda digital da China. Ele alerta para riscos à liberdade econômica e à privacidade dos cidadãos, caso o governo tenha acesso irrestrito às transações financeiras individuais. ​

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) também se posiciona contra a implementação do Drex sem um debate mais amplo. Ela está mobilizando esforços na Câmara dos Deputados para evitar a substituição completa do dinheiro físico pela moeda digital e para regulamentar o Drex. Zanatta propôs uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa assegurar que qualquer ação do Banco Central para implementar moedas digitais ou eliminar o uso de papel-moeda só seja aprovada com uma maioria qualificada no Congresso. ​

Em resposta às preocupações, o Banco Central tem enfatizado que o Drex será apenas uma versão digital do real, sem a intenção de substituir o dinheiro físico. O BC afirma que o projeto está em fase de testes para garantir a privacidade e a segurança dos usuários, assegurando que as operações realizadas com a nova moeda respeitarão princípios como sigilo bancário e conformidade com a Lei.