No universo das criptomoedas, "o código é a lei". Mas isso não significa que se trate de um sistema financeiro imune a falhas. Eventualmente, por conta de erros de sistemas centralizados de compra e venda das exchanges de criptomoedas, transações que variam entre milhões e até trilhões de dólares podem ser efetuadas, ao final sendo validadas ou não.

Até que os administradores notem as transições suspeitas ou problemáticas e as anulem antes que sejam registrados na blockchain e se tornem irreversíveis, alguns usuários podem ter a  fugaz sensação de fazer fortuna operando criptomoedas, algo que não é incomum na história desta classe emergente de ativos, mas ao mesmo tempo não acontece a todo dia e a toda hora.

Abaixo, o Cointelegraph Brasil relembra alguns casos clássicos de bugs que criaram fortunas do nada – e que evaporaram após a revisão de algumas linhas de programação – e alguns casos em que clientes afortunados conseguiram se beneficiar de falhas nos sistemas de negociação.

US$ 20 trilhões em Bitcoin

Em fevereiro de 2018, o Bitcoin (BTC) enfrentava um forte período de correção após o recorde histórico de preço registrado apenas dois meses antes e fortunas milionárias construídas durante o recém encerrado ciclo de alta eram reduzidas à casa dos milhares.

No entanto, graças a um erro no sistema de compra e venda da Zaif, permitiu que clientes da exchange de criptomoedas japonesa acumulassem Bitcoins sem ter que desembolsar qualquer quantia para tal. Na época, o site local The Asahi Shimbun relatou que o bug teve apenas 18 minutos de duração, mas foi o suficiente para que um usuário extremamente ganancioso realizasse uma transação para adquirir US$ 20 trilhões em Bitcoin.

Segundo a reportagem, no curto período, sete pessoas tentaram adquirir qualquer quantia da criptomoeda gratuitamente. Uma dessas pessoas tentou adquirir uma quantia equivalente a nada menos do que US$ 20 trilhões (2.200 trilhões de ienes) e conseguiu.

A ilusão durou pouco, no entanto. Logo após a identificação da falha, as negociações foram invalidadas pela Tech Bureau Corp, a empresa responsável pela exchange, e ninguém saiu lucrando com elas.

A companhia se desculpou com os clientes pelo problema e prometeu incrementar a infraestrutura de seus serviços para que erros da mesma natureza não voltassem a acontecer. De qualquer forma, à época, a empresa entrou na mira das autoridades financeiras do Japão e foi alvo de uma investigação para apurar a conduta da empresa em relação às suas práticas comerciais.

Arbitragem generosa

Ainda durante o inverno cripto de 2018-2019, clientes da Kraken foram beneficiados por uma falha que permitiu a realização de operações de arbitragem de compra e venda de Bitcoin com um spread de até US$ 4.000.

Em setembro de 2019, quando o Bitcoin era negociado na faixa de US$ 10.300, a versão de testes de um livro de ordens avançado possibilitou a alguns clientes comprar BTC por US$ 8.000 para em seguida revendê-lo por US$ 12.000, conforme admitiu a exchange na ocasião em uma publicação no Twitter.

A publicação explicou que o bug levou a uma execução em ambos os lados do spread de US$ 8.000 a US$ 12.000, enquanto houve liquidez. A exchange afirmou que as ordens de stop market foram preenchidas corretamente a preço de mercado e sugeriu que os clientes afetados enviassem um tíquete ao suporte ao cliente da exchange.

Na época, o CEO da Kraken, Jesse Powell defendeu-se das falhas afirmando que o recurso havia sido testado diversas vezes por sistemas automatizados e humanos sem apresentar problemas. "É impossível identificar todas as falhas a qualquer momento."

Na época, a Kraken era apenas a 56ª maior exchange do mercado em volume de negociação. O acontecimento inesperado não barrou o crescimento da empresa, que hoje ocupa a 15ª posição no ranking, de acordo com dados do CoinGecko.

Coinbase segura o preço do BTC

Em janeiro de 2021, o mercado passava por uma fase de euforia motivada pela renovação da máxima histórica de 2017 após mais de dois anos de um rigoroso inverno cripto. Uma falha na efetivação de transações de compra e venda de Bitcoin na Coinbase, a maior exchange de criptomoedas dos EUA, pode ter sido responsável por fazer o Bitcoin entrar em correção.

A falha no sistema da Coinbase fez com que as transações de alguns clientes ficassem em aberto, congestionando o sistema e gerando uma série de ordens duplicadas. Estas, por sua vez, geravam mais sobrecarga sobre o sistema, provocando um círcUlo vicioso.

O problema criou uma defasagem de até US$ 350 entre o preço do Bitcoin na Coinbase em comparação com o restante das exchanges de criptomoedas, impactando indiretamente o mercado de derivativos de Bitcoin e, especialmente, enganando bots programados para realizar operações de compra e venda, beneficiando-se das flutuações do mercado.

Na ocasião, o trader e analista de dados on-chain WIlly Woo sugeriu em um thread no Twitter que o problema da Coinbase estava criando uma distorção no mercado. A tese do analista sugeria que o preço descontado do Bitcoin na Coinbase enganou os bots, impedindo a compra de BTC por investidores que queriam aproveitar a queda do preço do criptoativo.

Por outro lado, à medida que os algoritmos identificavam o baixo apetite de compra como um sinal de baixa, eles criavam novas ordens de venda, pressionando ainda mais o preço do BTC no mercado à vista.

Logo depois que a Coinbase anunciou a resolução do problema, o Bitcoin registrou uma alta de 7%, saltando de cerca de US$ 30.800 para a casa dos US$ 33.000.

Bitcoin registra queda relâmpago de 87% na Binance US

bug em um algoritmo de negociação de um clientes da Binance U.S. provocou uma queda relâmpago de 87% no preço do BTC. Por um minuto, o Bitcoin caiu de US$ 65.000 para US$ 8.000, mas apenas no sistema da exchange.

Tudo não passou de um susto, e assim como havia despencado, em uma fração de segundos o preço do Bitcoin voltou ao patamar anterior correspondente ao seu valor real de mercado. Segundo informou a exchange na ocasião, tudo não passou de um grande erro causado por um pequeno bug.

“Um de nossos traders institucionais nos indicou que havia um bug em seu algoritmo de negociação, o que parece ter causado a liquidação”, informou a Binance.U.S. em um comunicado oficial.

No caso, teria ocorrido uma operação errada envolvendo um grande volume de negociação, provocando uma sobrecarga no livro de ordens da Binance U.S. A queda relâmpago derrubou não apenas o preço do Bitcoin, mas também o suprimento do ativo na exchange.

De acordo com dados disponibilIzados pela exchange, o volume de Bitcoin armazenado em sua carteira foi reduzido a 592,8 BTC durante a falha. Apenas US$ 40 milhões na cotação do par BTC/USD na ocasião – uma quantidade ínfima para uma exchange que movimenta grandes volumes de negociação de Bitcoin diariamente.

Bitcoin cotado a US$ 814 bilhões no CoinMarketCap

Nem o mais otimista dos Bitcoiners seria capaz de projetar que o preço do Bitcoin atingiria US$ 814 bilhões durante o mais recente ciclo de alta do mercado. Pois foi o que aconteceu no dia 14 de dezembro do ano passado. 

No entanto, o valor inimaginável foi uma miragem exclusiva dos usuários do site de monitoramento de dados do mercado CoinMarketCap e não teve implicações diretas sobre o preço do BTC no mercado à vista.

O "sonho" durou aproximadamente uma hora e acabou virando tema de piada para os próprios administradores do site, como revela a postagem abaixo publicada no Twitter algumas horas após a ocorrência.

"Qual foi o sentimento de se tornar um trilionário por algumas horas?

— CoinMarketCap (@CoinMarketCap)

Nesse caso, a falha não se resumiu exclusivamente ao Bitcoin, mas afetou a cotação de todas os criptoativos monitoradas pelo CoinMarketCap.

Até hoje, este foi ao mesmo tempo o erro mais inofensivo e mais democrático da história do mercado de criptomoedas.

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