Nos últimos dias, nos deparamos com a notícia de que a Austrália mapeará tokens de criptoativos para conhecer melhor o segmento no país e propor uma regulação para o setor. Para isso, o país prepara consulta pública buscando lacunas nas estruturas regulatórias e de licenciamento. O objetivo é garantir que os clientes sejam adequadamente informados e protegidos.
Enquanto isso, no Brasil, a regulamentação dos criptoativos patina no Congresso Nacional. As idas e vindas de textos entre as casas parlamentares dificultam a regulação que poderia colocar o país na vanguarda dos ativos digitais.
A tokenização – que consiste no emprego da tecnologia DLT/Blockchain – possibilita a representação digital dos mais variados ativos, de grãos a pedras preciosas. Isso permite o fracionamento desses ativos e sua distribuição com aumento de liquidez, inclusão financeira e compartilhamento da propriedade. Outra vantagem é a redução de custos e de intermediários na cadeia.
Essa maior eficiência operacional permite ainda a automação de processos de compliance (sistemas preventivos de segurança, como à lavagem de dinheiro, por exemplo) e a facilidade de câmbio entre diferentes ativos. Isso significa trazer à realidade o desenvolvimento de novos produtos e a criação de mercados secundários antes inimaginados, resultando na facilidade de acesso por parte dos investidores.
Diversas empresas no Brasil vêm desenvolvendo produtos interessantes pautados na mecânica da tokenização, como cotas de consórcio, direitos creditórios, fan tokens, entre outros.
Nossos reguladores do setor financeiro, em especial a CVM e o Banco Central adotam postura de colaboração com o mercado, desde a criação de laboratórios que permitem a incubação e apoio a projetos como o LIFT (Bacen) e LAB (CVM), até a criação do Sandbox regulatório, permitindo um maior contato com essas novas tecnologias e modelos de negócio.
O Sandbox regulatório trata-se de um ambiente experimental com o propósito de fomentar o desenvolvimento de novos produtos e serviços, sob sua supervisão e controle, a fim de viabilizar a execução de testes de modelos de negócios inovadores, com redução das exigências regulatórias.
Os projetos aprovados para participar do Sandbox trazem iniciativas com novas roupagens para os ativos digitais com natureza de valor mobiliário, o que possibilitará eventuais atualizações da regulação para o aproveitamento completo desse novo padrão tecnológico.
Dessa forma, o regulador apresenta uma visão estratégica, a longo prazo, no intuito de assegurar aumento da concorrência, melhoria dos produtos e desenvolvimento do mercado. Mas, apesar dos avanços por parte dos reguladores financeiros e de projetos de lei em tramitação, o Brasil ainda carece de uma efetiva regulação específica para que os ativos digitais permitam a utilização de todo potencial trazido pelo uso da tokenização.
Seguindo o princípio da legalidade previsto no artigo 5º da nossa Constituição, não havendo vedação expressa em lei para oferta de ativos digitais, em tese, a oferta é livre, razão pela qual temos diversas empresas e produtos em operação de forma regular no país, oferecendo, como disse acima, ativos digitais de quotas de consórcios e crédito carbono a tokens de clubes de futebol.
Mas, a ausência de vedação expressa e/ou regulação específica não significa a oferta livre de todo e qualquer ativo digital, sendo necessária a análise das normas já existentes que possam impactar a oferta pretendida. Assim, a tokenização no Brasil esbarra na dependência da análise da natureza jurídica do ativo a ser ofertado, o que poderá exigir a observância de toda uma regulação própria do mercado de capitais.
A CVM tem como atribuição a regulamentação e fiscalização do mercado de valores mobiliários. Com isso, a análise da sujeição de qualquer atividade à competência da CVM e, consequentemente, à sua regulamentação, aprovação e fiscalização, passa necessariamente pelo exame do objeto dessa atividade e sua qualificação como valor mobiliário. Não é todo ativo digital que deve estar sob o controle e fiscalização da CVM, mas apenas aqueles caracterizados como valor mobiliário.
Realizada a análise do caso e determinado que o ativo digital possui natureza de valor mobiliário, deverá o emissor submeter sua oferta às regras do mercado de capitais brasileiro.
Qualquer oferta de valor mobiliário no Brasil, independentemente do formato, seja por meio de ativos digitais ou pela tokenização de ativos tradicionais, somente poderá ser colocada publicamente a mercado se observados critérios, limites e regramentos previstos nas instruções da CVM, seja por meio de registro da oferta ou de seu emissor.
Por todas essas razões, o mercado brasileiro apresenta-se com um grande potencial para o desenvolvimento e ampliação das ofertas de ativos digitais, pendente apenas um avanço de cunho regulatório em relação à possível oferta de valores mobiliários na forma de tokens em DLT/Blockchain, para que tenhamos a adoção institucional dos ativos digitais.
Apesar da ausência de regulação representar um desafio à implementação institucional dos ativos digitais, por outro lado, ela pode ser uma grande oportunidade para que os players possam se aventurar nesse ambiente e estruturarem seu modelo de negócio — observadas as eventuais limitações existentes — de forma que no momento de uma eventual alteração legislativa já estarão à frente de seus competidores, com modelo de negócio já validado pelo mercado.
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