O futuro do Drex e da infraestrutura digital do Brasil em blockchain passa por uma abordagem descentralizada e interoperável. Essa é a visão defendida por Fernando Marino, gerente de Produtos de Identidade Digital e Inteligência Artificial no CPQD, durante entrevista ao Cointelegraph Brasil sobre a evolução da identidade digital e dos sistemas financeiros no país.

De Marino, o Brasil não deve centralizar todos os serviços públicos em uma única blockchain, mas sim construir uma rede de redes, conectada por padrões abertos de bridges e oráculos.

“Não esperamos uma migração ‘one‑size‑fits‑all’. O caminho viável é justamente uma arquitetura onde diferentes redes públicas e permissionadas conversem com segurança e sem lock-in tecnológico”, afirmou.

O CPQD participa de fóruns internacionais como a Linux Foundation e a Open Wallet Foundation, desenvolvendo código aberto para camadas de interoperabilidade entre blockchains.

O objetivo é permitir que ativos e credenciais trafeguem com garantias criptográficas entre ambientes distintos, como o Drex, que usa a rede Besu, e outras iniciativas como o e-Notariado, baseado em Hyperledger Fabric.

No campo da identidade digital, o CPQD também trabalha com a lógica descentralizada. Em vez de depender de um único identificador estatal, como o Gov.br, Marino defende que o país adote credenciais verificáveis emitidas por múltiplas fontes confiáveis.

“Identidade descentralizada resolve o último centímetro digital. Em vez de selfies e cópias de documentos, o cidadão apresenta dados assinados que só ele controla”, explicou.

Essa abordagem já está em testes dentro do ambiente do Drex. Os contratos inteligentes utilizados nos pilotos consumem credenciais diretamente na lógica on-chain, liberando operações somente se os dados provarem que o signatário é legítimo, não está em listas de lavagem de dinheiro e tem o perfil de investidor exigido.

“Assim, eliminamos o ponto fraco das senhas vazadas e garantimos auditoria imutável”, pontuou.

Para Marino, a tokenização de dados, aliada a esse modelo de identidade, pode criar novos modelos de negócio, inclusive com remuneração de dados. Ele cita como exemplo um banco que emite uma credencial de conta verificada e recebe micropagamentos automáticos toda vez que essa credencial é usada por um terceiro.

“Já operamos com essa lógica embutida em contratos inteligentes prontos para se integrar ao Open Finance e ao Drex”, afirmou.

Na avaliação do executivo, o Drex coloca o Brasil na vanguarda do dinheiro programável.

“O Drex insere lógica dentro do próprio Real. Isso viabiliza liquidação automática de ativos, pagamentos sem intermediários e inclusão financeira real”, concluiu.

Confira a entrevista completa

ID descentralizada

Cointelegraph Brasil (CTBR): O CPQD vem trabalhando em plataformas de ID descentralizada, uma iniciativa que também vem sendo desenvolvida por outros players como Worldcoin. No entanto, o grande desafio é comprovar que aquele ID pertence a um humano real. Como vocês veem isso?

Fernando Marino (FM): A verificação de humanidade depende de três pilares que trabalhamos no CPQD: governança, processo e tecnologia.  Definimos uma metodologia proprietária para criar trust frameworks – com papéis, políticas de risco e métricas de auditoria – que permite avaliar, ponto a ponto, o grau de segurança exigido para emitir uma Credencial Verificável reutilizável.

Assim, em vez de apostar em uma única biometria (como faz o Worldcoin com escaneamento de íris), combinamos múltiplos fatores (biometrias, provas documentais e sinais de comportamento) sob regras de governança mensuráveis, mantendo transparência para reguladores e para o mercado.

CTBR: Dentro desse desafio, como IDs digitais podem ser uma alternativa aos identificadores do governo, no caso nacional o Gov.br, e porque isso é importante? No caso nacional, não seria mais viável a Receita Federal abrir a API do bCadastros, que hoje valida o RG, e ser uma espécie de 'oraculo' de identidade nacional?

FM: O bCadastro já é um avanço importante por disponibilizar APIs que mostram se o documento existe, mas ele não garante que quem consulta é o titular legítimo. Identidade Descentralizada resolve esse “último centímetro” digital: o cidadão recebe, em carteira segura, dados assinados criptograficamente pela Receita Federal ou por outro emissor confiável.

Isso replica o modelo do documento físico original (apenas quem detém a cédula consegue provar a identidade) sem a fricção de selfies ou documentos-cópia a cada acesso. Portanto, em vez de um “oráculo” único, preferimos um ecossistema em que vários emissores (inclusive o governo) distribuem credenciais soberanas que o mercado inteiro pode reutilizar.

Migração de IDs centralizados para descentralizados

CTBR: As diversas aplicações tradicionais, e mesmo na web, foram se 'terceirizando' ao longo do tempo e agregrando novos players. Por exemplo, os bancos migraram de servidores internos para nuvens, de soluções de segurança própria para hardwares de terceiros como da Dinamo.

Acha que o mesmo pode ocorrer com a identificação 'de primeira camada', migrando processo de onboarding atuais para IDs digitais que, depois do onboarding, se integram com os sistemas de AML e KYC dos bancos?

FM: A mesma terceirização já vista em nuvem e HSM tende a ocorrer na “primeira camada” de identidade.

Bancos, seguradoras e utilities podem emitir credenciais KYC/KYB padronizadas, ou aceitar aquelas emitidas por órgãos públicos, para simplificar cadastros B2B e B2C.

Resultado: menos tempo de onboarding, custos regulatórios mais baixos e integração direta com motores de AML/KYC existentes, pois a prova de identidade via credencial já carrega o status de‑vida‑diligência exigido pelos reguladores.

CTBR: O Gov.br iniciou um processo de remuneração de dados, ainda em fase experimental e para um público selecionado. O BC vem defendendo que o passo final da Agenda BC# com Drex e Open Finance também será a remuneração de dados para o usuário. Como o CPQD vê isso e como o ID digital pode ou já está adaptado para esta nova 'fase'?

FM: A tokenização de dados introduzida pelo Gov.br e prevista pelo BC para Open Finance/Drex converge com nosso desenho de mercado: cada vez que uma credencial é apresentada a terceiro, o emissor pode receber micropagamentos automáticos.

Imagine um banco que emite uma “credencial de conta verificada” usada em um marketplace para autorizar compras: a loja reduz fraude, o cliente vive uma jornada sem atrito e o banco ganha uma nova fonte de receita recorrente.

A solução de identidade digital descentralizada iD CPQD já opera com essa lógica embutida em contratos inteligentes, prontos para se conectar tanto ao Open Finance quanto ao Drex.

Drex e o SFN 2.0

CTBR: Como vocês veem o potencial do Drex para o sistema financeiro nacional? O BC vem dizendo que ele será o SFN 2.0....

FM: O Drex insere “lógica programável” no Real, transformando o dinheiro em smart money. Isso possibilita a liquidação automática de compra e venda de ativos (veículos, imóveis, recebíveis) e acelera pagamentos de ponta a ponta.

Na prática, o Drex permite que regras de compliance, garantia e custódia rodem dentro do próprio dinheiro, reduzindo custos operacionais e ampliando a inclusão financeira – algo que o BC tem descrito como a evolução do “SFN 2.0”.

CTBR: Como a iD pode ser integrada no ambiente do Drex? Quais testes foram conduzidos para validar identidade durante transações tokenizadas?

FM: Nos pilotos conduzidos pelo CPQD, os contratos inteligentes do Drex consomem Credenciais Verificáveis diretamente na lógica on‑chain.

O smart contract só executa se a credencial provar, de forma determinística, que o signatário: (i) é o titular legítimo, (ii) não está em listas de AML/CTF e (iii) possui perfil de investidor adequado. Dessa forma, é possível eliminar o ponto fraco comum de senhas vazadas e assegurar uma trilha de auditoria imutável.

CTBR: Cada vez mais aplicações tradicionais estão migrando para blockchain. No entanto, as iniciativas usam blockchains diferentes - o Drex com o Besu, o e-Notoriado com o Fabric, entre outras.

No entanto, para ter um 'Governo e serviços públicos' on-chain será preciso desenvolver bridges e oráculos entre estas redes ou é mais fácil 'migrar' tudo para uma blockchain só? Como o CPQD vê esta migração de sistemas legados para a blockchain?

FM: Não esperamos uma migração “one‑size‑fits‑all” para uma única blockchain. Observamos o uso de Besu no Drex, Fabric no e‑Notariado e outras arquiteturas em serviços estaduais. O caminho viável é uma rede de redes com padrões abertos de bridges e oráculos.

O CPQD participa ativamente desses fóruns técnicos (Linux Foundation, Open Wallet Foundation) e mantém código aberto para camadas de interoperabilidade, permitindo que credenciais e ativos trafeguem com garantia criptográfica entre diferentes cadeias sem lock‑in tecnológico.