Após o sucesso do Pix e do Open Finance, que geraram ‘ciumeira’ das empresas e big-techs dos EUA, o Banco Central do Brasil está à frente de mais uma transformação significativa no mercado de crédito, com a implementação e ampliação do uso da duplicata escritural.
Essa iniciativa visa modernizar e formalizar um dos principais instrumentos de crédito no país, com o potencial de destravar um volume considerável de recursos e ampliar o acesso a financiamentos, especialmente para pequenas e médias empresas.
De acordo com dados do Banco Central, a estimativa é que este novo mercado pode liberar até R$ 10 trilhões por ano em liquidez para o mercado, favorecendo desde grandes investidores e produtores, até pequenos produtores, comerciantes, entre outros.
A duplicata escritural, conforme explicado por Chander Masson, gerente de negócios da Núclea, durante um evento realizado nesta quinta 17, na sede da empresa em São Paulo, é uma versão digital da duplicata, emitida e registrada eletronicamente em sistemas autorizados pelo Banco Central, eliminando a necessidade de emissão física.
Esta digitalização promete trazer organização, padronização, segurança, rastreabilidade e unicidade para o processo, substituindo o modelo descentralizado e sem padronização que prevalece atualmente.
César Kobayashi, Superintendente de Tokenização e Ativos Digitais da Núclea, aponta que este mercado de duplicata escritural tem total ‘match’ com blockchain e tokenização na medida em que o mercado de tokenização no Brasil já avançado.
“A Nuclea já começou a operar com duplicatas tokenizadas e já atingimos R$ 300 milhões em volume financeiro tokenizado por meio dessa funcionalidade. A duplicata escritural também se encaixa nesse movimento e tem potencial para se tornar um ambiente natural para operações com tokenização. A expectativa da Nuclea é integrar a funcionalidade de tokenização ao sistema de escrituração ao longo do próximo ano”, disse.
Kobayashi aponta que o mercado de tokenização deve movimentar, juntando as ofertas tokenizadas dentro da resolução 88 da CVM e fora dela, deve movimentar mais de R$ 8 bilhões.
“Por isso, embora a tokenização em 2024 tenha movimentado R$ 2,5 bilhões, a expectativa para 2025 não é apenas um crescimento para R$ 4,2 bilhões — é possível que o volume supere esse valor com folga, mais do que dobrando, especialmente se considerarmos os dois ambientes: público e privado.”, afirmou.
O papel fundamental da duplicata no crédito nacional
Historicamente, a duplicata era um documento físico, emitido junto com a nota fiscal, que exigia assinatura do sacado – a chamada duplicata cartular. No entanto, com a digitalização da economia, esse modelo perdeu espaço. Hoje, a duplicata pode ser representada pela própria Nota Fiscal ou pelo Boleto Bancário.
E agora, a mudança para o modelo escritural traz mais eficiência, padronização e segurança, e tem um papel crucial na expansão do crédito no Brasil.
Basicamente o que muda era que antes não havia um sistema para garantir que o cliente não havia emitido uma duplicata como garantia em diferentes instituições, ou seja, ele tinha um pagamento para receber de R$ 100 mil, ele poderia pegar esse pagamento, emitir uma duplicata para antecipar esse recebimento e ‘vender’ essa duplicata no banco X e depois no banco Y, pegando, em tese, dois empréstimos usando a mesma garantia.
Agora com a Duplicata Escritural isso não será mais possível e, portanto, diminui o custo de risco para que cede o empréstimo e cria um mercado único que favorece tanto quem precisa antecipar os recebíveis como para quem cede o valor.
"A formalização é um ponto essencial, porque a duplicata está diretamente relacionada ao crédito", explica Chander Masson. "As empresas utilizam duplicatas como títulos de crédito para antecipação de recebíveis, conseguindo recursos para, por exemplo, pagar fornecedores ou a folha de pagamento — especialmente no caso das pequenas empresas".
Portanto, a ampliação do uso da duplicata escritural está alinhada à agenda do Banco Central de aumentar a competitividade e a segurança das operações de crédito.
Um ecossistema em evolução
Masson explica que o mercado de duplicatas é majoritariamente B2B (entre empresas), organizando as compras a prazo dentro da cadeia produtiva. Estima-se que cerca de 2 milhões de empresas emitem duplicatas, e aproximadamente 20 milhões de empresas ou entidades podem atuar como sacados (pagadores).
Os principais atores desse ecossistema incluem:
Sacador: Quem emite a duplicata, ou seja, o vendedor ou prestador de serviço. Também conhecido como cedente.
Sacado: O comprador ou quem contrata o serviço, responsável pelo pagamento da duplicata.
Financiadores: Bancos, cooperativas, FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), securitizadoras, fintechs e marketplaces, que utilizam a duplicata escritural como instrumento em suas operações financeiras, ampliando o acesso ao crédito com maior transparência e controle.
Um novo ator fundamental nesse cenário é o Sistema de Escrituração e Registro, operado por empresas como a Núclea. Esse sistema possui duas funções distintas e integradas:
Escrituradora: Responsável por emitir e acompanhar todo o ciclo de vida da duplicata, notificando o sacado, coletando o aceite, controlando a titularidade do crédito e mantendo as informações atualizadas. Funciona como um "livro de duplicatas" digital.
Registradora: Atua como um "cartório digital", registrando as operações de crédito. Sua função é assegurar a transparência, integridade e autenticidade dos dados, além de garantir a publicidade do ativo, evitando fraudes e duplicidade de vendas.
Quando começa a duplicata escritural?
De acordo com o Banco Central, atualmente esta mudança para a duplicata escritural está em fase de testes e deve ser lançado, de modo faseado, entre novembro de 2025 e março de 2026, com adesão voluntário entre os bancos e demais participantes do sistema financeiro nacional.
Depois de todo o processo de estruturação, os sistemas passarão por fases de testes. Cada participante poderá escolher qual sistema contratar, conforme suas necessidades. Após os testes, haverá um processo interno de aprovação no Banco Central.
Durante o período inicial, o sacador só poderá emitir duplicatas contra sacados que já tenham sido previamente embarcados no sistema. Isso significa que o sacado precisa estar registrado em algum sistema de escrituração, o que possibilita que ele receba a notificação da duplicata de forma adequada.
Nessa etapa, o sacado embarcado terá acesso a uma interface onde poderá visualizar duplicatas emitidas em seu nome, bem como os instrumentos disponíveis para pagamento. Uma vez encerrada a produção assistida, entra-se no faseamento de seis meses para a implementação total do sistema.
“No entanto, é importante deixar claro: a obrigatoriedade recairá apenas sobre os bancos, não sobre os sacadores ou sacados. Pequenos emissores, por exemplo, poderão aderir ao ecossistema de forma voluntária desde o início”, afirmou o BC.
Em um evento recente realizado na ABBC, Ricardo Vieira, chefe do departamento de regulação do BC, apontou que entre os benefícios esperados da duplicata escritural estão a redução de spreads e ampliar significativamente a oferta de crédito. De acordo com ele, este mercado tem o potencial de negociar R$ 10 trilhões.
“Agora será possível contar com uma garantia muito mais robusta, rastreável e confiável. A duplicata escritural traz governança, padronização e segurança, o que pode inserir milhares de empresas no mercado formal de crédito, especialmente aquelas que antes enfrentavam dificuldades por não conseguirem estruturar ou comprovar adequadamente seus recebíveis” afirmou.