A proposta do presidente Lula de conectar Brasil e Argentina por meio de uma criptomoeda comum entre as nações, possivelmente uma CBDC comum entre os países, não tem muitos defensores no Banco Central do Brasil. Segundo revelou Fábio Araújo, coordenador do Real Digital no BC, a integração entre CBDCs ainda é como um carro sem estrada.
Durante sua apresentação no LIDE Next_ Economia Digital, Araújo, assim como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu que o Pix pode ser um instrumento muito melhor para transações transfronteiriças, pois já tem uma infraestrutura desenvolvida e amplamente testada.
Além disso, o Pix internacional está em um estágio mais avançado que o Real Digital e deve ser liberado para a população muito antes que a CBDC nacional. O executivo do BC também revelou que não participou de nenhuma conversa sobre moeda digital comum entre as nações.
Ele também afirmou que o debate sobre a unificação de pagamentos transfronteiriços com CBDCs interoperáveis ainda é tema relativamente novo e que o Banco Central do Brasil é um dos principais fomentadores do tema junto aos organismos multilaterais.
Segundo ele, o discurso entre todas as nações é basicamente o mesmo: todos querem agilizar os pagamentos entre os países com CBDCs, mas que antes disso é preciso 'arrumar a casa internamente'. Para exemplificar o caso, ele usou a alegoria de um carro e uma estrada: "Não adianta eu querer ir de carro para a Argentina e não ter estrada lá que suporte o carro".
O desenvolvimento de um padrão para a criação de CBDCs que permita a interoperabilidade entre as moedas digitais de bancos centrais vem sendo discutido, segundo Araújo, nos diferentes fóruns de governança multilateral e, nesta linha, o FMI inclusive já elaborou um paper com o projeto de um Ledger comum para interconectar as CBDCs.
O tema pauta inclusive a integração das stablecoins privadas, como o USDT do Tether, neste Ledger comum entre as nações. No caso nacional, Araújo reforçou que com o lançamento do Real Digital e a definição pelo Decreto presidencial dos reguladores do mercado de criptomoedas no Brasil, as stablecoins privadas devem ganhar tratamentos diferenciados de acordo com sua natureza.
Desse modo, no caso de stablecoin baseadas em moedas fiduciárias, a competência de regulação deve diferir das stablecoins baseadas em fundos e das stablecoin algorítmicas. Além disso, destacou que o foco do Banco Central com o Real Digital é habilitar a economia tokenizada e não necessariamente regular stablecoins privadas.
No Real Digital você que decide o que faz com o seu dinheiro
Questionado sobre a possibilidade do Real Digital permitir usos restritos do dinheiro, o executivo do BC disse que isso vem sendo debatido como uma das possibilidades, dentro do que o BC chamou de Vouchers. Nesta aplicação, um "vale-alimentação" pode se tornar um voucher como um contrato inteligente no Real Digital e o usuário detentor deste voucher só pode gastar ele para um fim específico.
"Há inclusive entre os projetos do LIFT, um que trata especificamente sobre isso. Porém, queremos no BC garantir que a regra seja clara e transparente para o usuário para que ele tenha controle de seu dinheiro e decida o que quer fazer com ele. Salários não podem ser vouchers, pois o empregador pode definir uma regra que o dinheiro não pode ser gasto na concorrência, por exemplo, e isso não pode. O trabalhador é dono de seu dinheiro e tem o poder de decisão sobre ele. Agora um voucher de "vale leite" poder ser usado apenas para comprar leite pode ser uma aplicação válida", definiu.
Presente no evento como um dos palestrantes, Leandro Vilain, Diretor de Inovação, Produtos e Serviços da FEBRABAN, destacou que a rastreabilidade do Real Digital não impedirá que crimes e golpes sejam realizados e que este não é o foco da CBDC nacional. Segundo ele, o foco do Real Digital é promover a inovação no sistema financeiro e a tokenização da economia.
Vilain também afirmou esta linha da transformação da economia é bem perceptível no ecossistema bancário, no qual o PIx já responde por 2 bilhões de transações por mês sem que tenha diminuído consideravelmente outras operações digitais como DOC, TED, cartões de crédito e débito e até mesmo boletos.
"Não houve queda significativa nestas operações, pelo contrário, algumas inclusive tiveram leve alta. O que concluímos e que o uso do dinheiro em espécie é que esta diminuindo", afirmou.
Na mesma linha, Jefrey Santos, cofundador do Capitual, afirmou que o dinheiro digital fortalece a economia global e a inclusão financeira e defendeu a implementação do Real Digital e das CBDCs para oferecer também mais transparência para o sistema financeiro.
"Elas, CBDCs, reduzem o custo das transações financeiras, aumentam a transparência do sistema, além de reduzir os custos e tornar as trocas financeiras mais fáceis e baratas", disse.
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