O lado obscuro e as questões éticas que envolvem a utilização de novas tecnologias é um tema recorrente na obra da novelista Glória Perez. Ainda na década de 1990, a autora abordou os dramas de uma mãe separada do filho gerado por inseminação artificial em "Barriga de Aluguel". Instigada pela replicação em laboratório da ovelha Dolly na virada do século 21, Perez escreveu "O Clone".

Agora, em "Travessia", que estreou ontem no horário nobre da Globo, a novelista vai explorar universos virtuais e realidades paralelas em uma trama centrada em crimes cibernéticos que terá um núcleo que se desenrola no metaverso – ambientes virtuais interativos que ganharam atenção depois que o Facebook repaginou sua marca, agora chamada Meta, para investir na construção destes novos espaços de socialização digital futurista.

Em um Brasil em que cada vez mais a realidade é colocada à prova, inclusive por autoridades dos poderes executivo e legislativo, a nova novela de Perez terá como disparador um caso de deepfake – uma técnica que modifica vídeos de forma extremamente realista para criar situações que na realidade jamais aconteceram de fato.

Uma das protagonistas de "Travessia", interpretada pela atriz Lucy Alves, Brisa terá seu rosto inserido no lugar da verdadeira face de uma criminosa e se tornará alvo de uma perseguição implacável que a obrigará a abandonar São Luis, sua cidade natal, rumo ao Rio de Janeiro.

Conforme Perez declarou em uma entrevista coletiva concedida durante a apresentação de "Travessia" à imprensa, este é só o ponto de partida para abordar toda uma gama de novas modalidades de crimes viabilizados pelos mais recentes avanços tecnológicos:

"Não para por aí. Vamos mostrar todo um universo de crimes cibernéticos. Vamos falar desse mundo que está surgindo, dessa tecnologia que pode aproximar todas as pessoas do mundo, mas também dessa possibilidade de que alguém no Japão possa fazer uma maldade com alguém que está no Rio, mostrando que algumas pessoas podem fazer mal uso disso."

Um dos vilões da trama é o hacker Oto, interpretado por Rômulo Estrela. Enquanto a investigação dos crimes virtuais caberá a delegada Helô, personagem vivido por Giovanna Antonelli.

Sem oferecer detalhes adicionais, a novelista mencionou que a novela vai retratar um caso de estupro no metaverso inspirado em um caso real. Provavelmente em uma alusão direta ao caso relatado pela britânica Nina Jane Patel. A psicóloga conta que estava explorando a plataforma de realidade virtual da Meta, Horizon Worlds, quando foi vítima de abuso sexual. Patel conta que embora não tenha sido fisicamente violentada, psicologicamente o ataque teve um efeito igualmente devastador.

O núcleo que terá o metaverso como cenário gira em torno de Talita, uma executiva do setor imobiliário interpretada por Dandara Mariana, que estará à frente de um projeto de construção de um shopping center virtual.

Dependência das novas tecnologias

Perez também vai abordar em "Travessia" a dependência muitas vezes patológicas que algumas pessoas desenvolvem em torno de ferramentas e recursos que em tese foram criados para fortalecer laços de amizade e interação, como as redes sociais, e oferecer auxílio e suporte em atividades cotidianas corriqueiras, como assistentes virtuais baseados em inteligência artifical (IA).

Quanto às fake news, Perez discorda de que elas sejam fruto dos avanços tecnológicos, embora reconheça que a disseminação instantânea de conteúdos falsos em texto, áudio e vídeo seja potencializada por redes sociais e aplicativos de troca de mensagens.

Para a autora, as fake news são apenas uma versão atualizada da velha fofoca. A tendência de promover intrigas e se intrometer na vida alheia é algo tão antigo quanto a própria humanidade, afirmou. Por isso, este tema específico passará ao largo da trama.

Embora o metaverso vá estar em evidência no espaço mais nobre da televisão brasileira ao longo dos próximos meses, a adesão de usuários a plataformas descentralizadas interativas como Decentraland e The Sandbox está em baixa diante da precariedade das experiências oferecidas, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente.

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