O avanço da regulação sobre criptomoedas no Brasil, somado ao medo de impostos mais severos, provocou um freio no apetite dos brasileiros pelo Bitcoin e outros ativos digitais. Dados do Banco Central mostram que o interesse dos investidores locais caiu 30% só no início de 2025, refletindo uma onda de insegurança jurídica e econômica.
Ao mesmo tempo, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva acelera discussões para enquadrar o mercado cripto em modelos tributários mais rigorosos, como a nova MP que pede um imposto de 17,5% para todos os trades com Bitcoin e criptomoedas. Isso gera incerteza entre usuários, que temem um aumento nos custos operacionais e na burocracia.
De um lado, as exchanges e plataformas financeiras aceleram a adaptação às regras. Em uma conversa com o Cointelegraph Brasil, durante o Febraban Tech, Georgia Sanches, Business Development Manager da Sumsub, comentou que o cenário de regulação mais firme trouxe avanços relevantes em segurança.
“Observamos um amadurecimento dos processos de KYC e AML, com monitoramento em tempo real, verificação biométrica e inteligência artificial contra fraudes”, explica.
A Sumsub, que atende 8 das 10 maiores exchanges do mundo, afirma que empresas no Brasil passaram a tratar compliance não como custo, mas como vantagem competitiva. Mesmo assim, a desconfiança sobre como a Receita Federal vai tributar ganhos, somada à falta de clareza sobre stablecoins, esfriou o mercado.
Além disso, o avanço do Drex, traz dúvidas. Embora a iniciativa do Banco Central prometa eficiência e digitalização, sua natureza centralizada assusta parte da comunidade cripto, que prioriza privacidade e autonomia.
“Se por um lado o Drex melhora a segurança e reduz fraudes, por outro limita a privacidade, já que funciona em uma blockchain permissionada, acessível só às autoridades”, alerta Georgia.
Stablecoins e impostos: o novo desafio do mercado cripto
Outro ponto de tensão envolve a proposta do governo de enquadrar stablecoins no mercado de câmbio. Para Georgia, essa medida pode conter crimes financeiros, mas também aumenta a burocracia para quem busca praticidade nas transações digitais.
A Travel Rule, já adotada em outros países, obriga as exchanges a informarem dados de origem e destino nas transações. A Sumsub, pioneira no desenvolvimento de ferramentas para essa regra, alerta que a exigência precisa ser acompanhada de clareza legal.
“Sem uma lei bem definida e alinhada aos padrões globais, o mercado não vai evoluir com segurança”, defende.
Apesar das incertezas, a Sumsub acredita no potencial do Brasil como polo de inovação no setor. A empresa planeja expandir suas operações no país, fechando novas parcerias com fintechs e empresas de blockchain. Seu foco está em oferecer uma plataforma de compliance que una KYC, AML e monitoramento de transações em um único sistema, facilitando a vida das empresas.
Confira a entrevista completa
KYC e AML
Cointelegraph Brasil (CTBR): A Sumsub atua com verificação de identidade e compliance em diversas exchanges. Que mudanças práticas você observa nos processos de KYC e AML no Brasil após o início das discussões regulatórias?
Georgia Sanches (GS): Sim, a Sumsub está fornecendo serviços de verificação para 8 das 10 principais exchanges globais de criptomoedas. Com o avanço das discussões regulatórias no Brasil, observamos um amadurecimento significativo nos processos de KYC e AML.
Exchanges e empresas de ativos digitais estão adotando padrões mais robustos de verificação de identidade, monitoramento em tempo real e validação contínua de usuários. Há uma demanda crescente por soluções mais adaptáveis e automatizadas, que também levem em conta a experiência do usuário.
Isso inclui processos de onboarding com verificação biométrica, validação documental em múltiplas etapas e o uso de inteligência artificial para detecção de fraudes.
A regulação tem funcionado de maneira positiva. Empresas que antes viam o compliance como um custo passaram a tratá-lo como um diferencial competitivo e um requisito estratégico para operar com legitimidade no mercado nacional.
Com a entrada em vigor de normas mais específicas, a expectativa é de que esse movimento se intensifique ainda mais, elevando o nível de segurança, confiança e transparência em todo o ecossistema cripto no Brasil.
Drex
CTBR: O Brasil vive um momento de euforia com tokenização, stablecoins e pagamentos instantâneos. Como a Sumsub vê a integração desses recursos em ambientes regulados, como o Drex?
GS: Nós enxergamos com otimismo a integração desses recursos ao ambiente regulado que o Drex propõe, principalmente em relação à adoção em massa de tecnologia, algo tão esperado pelo mercado cripto como um todo.
Esse processo deve acompanhar a utilização da infraestrutura de blockchain e criptoativos para substituir estruturas básicas do mercado financeiro tradicional, que ainda são pouco tecnológicas, seguras e rastreáveis. Esperamos ver tais movimentos, principalmente, no mercado de capitais e operações cambiais, estruturando um ecossistema mais confiável.
Nesse cenário, nossa atuação envolve oferecer soluções de verificação de identidade e monitoramento de transações que possam ser facilmente integradas a plataformas tokenizadas e sistemas de pagamentos digitais, respeitando os requisitos regulatórios sem comprometer a experiência do usuário.
CTBR: Acredita que o DREX pode impulsionar ainda mais o mercado cripto, ou ele se tornará um concorrente?
O Real Digital pode coexistir com o mercado cripto, servindo como uma ponte entre o sistema financeiro tradicional e as inovações digitais. Como se trata de uma moeda emitida pelo Banco Central, a estabilidade e regulamentação podem atrair usuários que buscam praticidade, mas sem abrir mão da solidez.
A tokenização de ativos também deve ser levada em conta como uma possibilidade positiva, ampliando o acesso a investimentos, reduzindo custos operacionais e tornando o mercado financeiro mais eficiente.
Por outro lado, sua natureza centralizada pode afastar quem já adota outras criptomoedas, que operam em redes abertas e com maior transparência, mas sem abrir mão da privacidade sobre a realização de transações. Por isso, o equilíbrio entre regulamentação e inovação é essencial.
Privacidade no Drex
CTBR: Em relação ao Drex, como você avalia o modelo proposto até agora pelo Banco Central? Você enxerga riscos ou gargalos em termos de privacidade e interoperabilidade com o mercado cripto?
GS: O Drex representa um avanço na digitalização financeira, mas o grande desafio é garantir uma solução que atenda tanto ao mercado tradicional quanto ao ecossistema cripto, operando não apenas com privacidade e transparência, mas também com interoperabilidade.
O Drex trabalha com um sistema permissionado, onde a blockchain é acessível apenas às autoridades e instituições que possuem autorização. Isso garante maior controle regulatório, mas também limita a transparência e impõe obstáculos à privacidade dos usuários, elementos que podem dificultar a adoção do Real Digital por empresas e usuários já adeptos do mercado cripto.
Por outro lado, o Drex tem potencial para transformar o sistema financeiro, aumentando a eficiência e segurança das transações digitais, reduzindo riscos de fraudes e lavagem de dinheiro.
Futuro do mercado cripto
CTBR: Em termos de futuro, qual é a sua perspectiva para o mercado brasileiro de criptoativos nos próximos 12 a 18 meses? Você vê o país como um polo de inovação ou a insegurança jurídica ainda limita essa ambição?
GS: O mercado brasileiro de criptoativos tem mostrado avanços significativos, impulsionado por regulamentações mais claras e maior adoção institucional. Do lado dos usuários, há também grande adoção de serviços financeiros e um entusiasmo diante das novas tecnologias. A implementação do Drex e o fortalecimento das regulamentações sobre criptomoedas sinalizam um ambiente ainda mais estruturado para a inovação.
No entanto, desafios como tributação e insegurança jurídica ainda podem limitar o crescimento do setor. Dados do Banco Central mostram que o interesse dos brasileiros por criptomoedas recuou 30% no início de 2025, refletindo um cenário econômico mais cauteloso.
Ainda consideramos o país como amigável aos criptoativos, e se o Brasil continuar aprimorando sua regulação e incentivando a inovação, há potencial para se tornar um polo relevante no cenário global do setor.
CTBR: Que papel a Sumsub pretende exercer no Brasil com o amadurecimento da regulação e avanço do Drex? Há planos de expansão ou parcerias estratégicas com players locais?
GS: Nesta nova fase, procedimentos de KYC e mecanismos de combate à lavagem de dinheiro (AML) devem se tornar ainda mais centrais para a adequação às novas regras.
Analisar detalhadamente as identidades de usuários e monitorar transações suspeitas devem ser as prioridades dos times de compliance, que podem contar com a tecnologia da Sumsub, já adequada às regulamentações brasileiras, para garantir a conformidade.
Esses aspectos valem tanto para o segmento de criptoativos, cujas normas devem se tornar mais claras e rígidas, quanto para o Drex, que funciona em uma plataforma de contratos inteligentes que requer a garantia de que somente usuários autenticados poderão realizar transações.
Com isso, as empresas financeiras terão de adaptar seus sistemas para que sejam compatíveis, seguros e interoperáveis.
Para a Sumsub, o Brasil é um dos principais mercados de foco, e definitivamente temos planos de expandir aqui e formar mais parcerias estratégicas nos setores de criptomoedas e fintech em um futuro próximo.
Ressaltamos ainda a disponibilização de uma solução completa de compliance em um único produto, algo essencial em cenários complexos de regulamentação, facilitando o trabalho operacional e o controle pelos times de conformidade, já que todas as informações e processos de tomada de decisão ficam concentrados em uma plataforma única.
Stablecoins no mercado de câmbio
CTBR: Como a empresa vê a proposta do BC de enquadrar stablecoins dentro do mercado de câmbio no Brasil e como os governos podem agir para evitar o uso de stablecoins para atividades ilícitas?
GS: A proposta do Banco Central é um passo importante, contribuindo significativamente para a prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, fraudes e outras atividades ilícitas que eram exploradas no Brasil devido ao regime regulatório brando.
No que tange à especialidade da Sumsub, exigências robustas de verificação de identidade (KYC), monitoramento contínuo (AML/CFT) e relatórios de atividades suspeitas são fundamentais para mitigar o uso de stablecoins para atividades ilícitas.
É fundamental que o governo formalize a lei de forma clara, bem definida e harmonizada com as normas globais de cripto.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Travel Rule, que obriga as instituições a informarem detalhes de origem e destino das transações com criptomoedas e já é uma exigência do mercado brasileiro, garantindo maior transparência nas transações.
A Sumsub é pioneira no desenvolvimento de ferramentas de conformidade ao Travel Rule e uma das únicas operadoras do mercado a oferecer soluções destinadas à regra. Acima disso, entendemos nosso papel como um agente de educação para o mercado, já que a norma também é uma realidade em diferentes países.
Enquanto o Brasil segue em uma etapa de discussões regulatórias e tendências de normatização, a empresa já atua na prática e pode ajudar os players do mercado a se adequarem e entenderem as leis do segmento, tanto localmente quanto de acordo com padrões internacionais.