Recentemente, o gerente de projetos da Receita, Marcos Hübner Flores, revelou que o regulador já estabeleceu uma data para implementar o split payment, sistema que vai cobrar direto na fonte o imposto para pagamentos digitais e demais operações.

De acordo com ele, a partir de 2027, começa a implantação do sistema. Inicialmente o modelo estará disponível apenas para empresas que operam no formato business to business (B2B). Nessas transações, quem aderir poderá garantir créditos fiscais com ajuda de instituições financeiras habilitadas.

A medida, aprovada junto com a reforma tributária, vai começar de forma facultativa e gradual e permitirá o recolhimento automático dos tributos no exato momento da transação eletrônica, ou seja, ao comprar um produto e pagar (usando um gateway ou serviço de terceiro) com Pix, cartões e até criptomoedas, o imposto será cobrado automaticamente e repassado para a Receita Federal.

Isso quer dizer que não importa se você use um cartão com criptomoedas que ‘“não cobra IOF” ou use aquele seu saldo de Meli Dólar no Mercado Livre, no ato da compra, se usar um prestador de serviço de pagamentos, haverá a retenção de imposto no ato e transferido direto para a conta da Receita Federal.

No entanto, e acordo com o advogado criminalista Eduardo Maurício, a medida pode acabar sendo um ‘tiro no pé’ e incentivar o uso de métodos de pagamentos direto ao vendedor, como um PIX direto na conta do empreendedor, Bitcoin e USDT via p2p e até mesmo a ‘volta’ do dinheiro físico.

“A implementação do split payment tende a impulsionar diretamente o uso de criptomoedas no modelo P2P. A lógica é simples: a nova regra atua sobre o mecanismo de cobrança, não sobre a existência do imposto”, disse.

Brasileiros já se ‘revoltaram’ com medidas similares da Receita Federal

Os brasileiros já seguiram um caminho similar quando, no início do ano, o regulador se viu em problemas com o caso do “Pix de R$ 5 mil”,  norma da Receita Federal que ampliava a fiscalização sobre transações financeiras, incluindo operações via Pix, acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas.

Na época uma onda de fake news, aliada a algumas declarações da Receita Federal de que a medida seria usada para cruzar informações e aumentar a fiscalização contra sonegadores de impostos, gerou indignação da população e a adoção de medida para facilitar pagamentos que ficavam de fora do rastreio do regulador, como Bitcoin e dinheiro em espécie.

Agora, com a nova determinação da Receita, Eduardo Maurício acredita que o episódio pode se repetir. Segundo ele, ao automatizar a retenção tributária em transações intermediadas por plataformas (como marketplaces, bancos e gateways), o sistema cria, na prática, dois mundos digitais: um, com recolhimento imediato e compulsório; outro, o P2P, que mantém o modelo tradicional de recolhimento posterior e declaratório.

“Esta distinção é o fator decisivo. A atratividade do P2P envolve a liquidez e autonomia gerencial. O recebedor mantém o total do valor transacionado em seu poder, gerenciando seu fluxo de caixa sem a dedução imediata do tributo. Ele troca a conveniência das plataformas pelo controle sobre o momento e a forma de cumprir suas obrigações fiscais. É essa diferença fundamental na mecânica da arrecadação que poderá tornar a transação direta com criptoativos uma alternativa estratégica para indivíduos e empresas”, disse.

A ‘volta’ dos que não foram: o dinheiro em papel

Maurício explica ainda que até mesmo o dinheiro físico, que vem caindo em desuso, pode ganhar força novamente como método de pagamento. Ele argumenta que o princípio que fortalece o P2P digital se aplica de forma ainda mais categórica ao dinheiro em espécie.

O advogado explica que o sistema de split payment é uma inovação digital, que depende de um intermediário eletrônico para funcionar, já o papel-moeda, por sua natureza física e transação direta entre as partes, opera fora desse ecossistema e é, portanto, imune a este mecanismo específico de retenção automática.

“Ele se firma como a rota de escape definitiva da cobrança instantânea. Contudo, é preciso ponderar a escala desse incentivo. Particularmente, acredito que não assistiremos uma reversão completa da digitalização, pois a economia moderna depende da eficiência dos pagamentos eletrônicos para o e-commerce e transações de maior vulto. O que devemos esperar é um fortalecimento do dinheiro em espécie em seu nicho tradicional: o pequeno comércio, os serviços presenciais e a economia informal. Nesses setores, a escolha entre a conveniência do PIX com retenção imediata e a liquidez total do dinheiro vivo penderá, para muitos, a favor da segunda opção, como uma reação natural à cobrança imediatamente sentida nas referidas transações digitais”, finalizou.