Enquanto alguns especialistas afirmam que o metaverso ainda não existe e outros defendem que se trata de uma tendência irreversível, as principais plataformas descentralizadas focadas na criação de ambientes virtuais imersivos estão enfrentando dificuldades para conquistar e reter usuários.
Em 2022, os principais metaversos em termos de capitalização de mercado de seus tokens nativos registraram uma debandada considerável de usuários. Dados disponibilizados pela Sky Mavis, a desenvolvedora do Axie Infinity (AXS), revelam que o mais popular jogo play-to-earn do mercado registrou uma queda de 45% do número de jogadores ativos diários em relação ao recorde de 2,7 milhões alcançado em novembro do ano passado.
Em 28 de março, o Axie Infinity contabilizava 1,48 milhão de usuários diários ativos. Divulgado antes da revelação do ataque hacker que desviou mais de US$ 600 milhões da Ronin, side-chain que hospeda o game, a cifra não contabiliza o impacto negativo da notícia.
Mas não é apenas o Axie Infinity que vem registrando dificuldades de retenção de usuários. Os metaversos Decentraland (MANA) e The Sandbox (SAND), cujas propostas são similiares e se baseiam na venda de terrenos virtuais para que usuários e marcas construam experiências coletivas acessíveis a todos, também observaram uma debandada geral de usuários.
De acordo com dados do Dapp Radar, o The Sandbox perdeu 30% de usuários diários ativos nos últimos trinta dias; enquanto em Decentraland a queda foi de 14%. Nesse período, ambas as plataformas realizaram eventos importantes, que supostamente deveriam ter servido como iniciativos para atração e retenção de usuários.
The Sandbox realizou a segunda temporada do Alpha, uma série de 35 eventos que contou com sorteios de convites e distribuição de recompensas em SAND. Embora tenha registrado um pico de atividade por volta de 11 de março, o interesse dos usuários logo arrefeceu.
Decentraland sediou a primeira Fashion Week do metaverso, com marcas de alta costura como Dolce & Gabbana e Tommy Hilfiiger. No entanto, os relatos de quem esteve virtualmente presente ao evento indicam que não se tratou de um acontecimento grandioso. Pelo contrário, além de bugs de som e imagem, grande parte da interação entre os presentes ficou restrita à circulação de avatares e à troca de mensagens através de um chat integrado à plataforma.
Até aqui o que tem motivado e garantido a retenção dos usuários têm sido o nível das recompensas oferecidas pelas plataformas. No caso de Decentraland e The Sandbox ainda não há um mecanismo que ofereça rendimentos recorrentes aos usuários, daí talvez o desinteresse do público.
Já no caso do Axie Infinity, a dinâmica econômica nunca deixou de ser lucrativa para os usuários. A queda do número de jogadores, hack da Ronin à parte, pode ter sido em parte motivada pelo tempo que os usuários levam para recuperar o investimento inicial necessário para entrar no jogo, afirmou Jefferson Santos, líder do Núcleo de Pesquisa da SP4CE, à reportagem do Cointelegraph Brasil:
"Durante um tempo, estimamos que o payback [do Axie Infinity] demoraria em torno de 6 meses, em média, o que é muito se pensarmos como um investidor de mercado financeiro tradicional ou até mesmo um empreendedor abrindo seu próprio negócio. Afinal, um payback de 6 meses significa 200% ao ano. Porém, o que os usuários queriam era um payback de um mês ou 15 dias, como já chegou a ocorrer. Quando o projeto parou de entregar isso, houve uma perda de interesse de alguns investidores e jogadores."
Santos fez questão de ressaltar que uma melhor jogabilidade com certeza poderia contribuir para a manutenção ou a ampliação da base de usuários de jogos e plataformas. Mas a indústria de games em blockchain ainda está em seus estágios iniciais e a grande maioria dos projetos encontra-se em fase experimental:
"Ter jogos bem feitos para que as pessoas gostem de jogar mesmo sem possibilidade de lucro, claro que seria o ideal. Nesse caso a possibilidade de lucro viria como um bônus (o play “and” earn ao invés do play “to” earn, como alguns têm dito). Mas devemos lembrar que todos esses jogos ainda estão em versão alpha ou beta, nenhuma empresa entregou seu jogo completo, nem seu metaverso ainda. Acredito que estamos ainda na ponta do iceberg em relação a qualidade de entretenimento, no caso de jogos, e das ferramentas para uso cotidiano, no caso dos metaversos, que esses projetos poderão nos entregar."
Tokens em queda
A dificuldade de retenção de usuários tem se refletido no preço dos tokens desde o início deste ano. Além de AXS, MANA e SAND, outros tokens de protocolos ligados ao metaverso como Enjin Coin (ENJ), Gala Games (GALA) e Mbox (MBOX) vêm apresentando um desempenho bastante inferior ao do Bitcoin (BTC), a maior criptomoeda do mercado.
Santos aponta que a perda de usuários por um jogo ou plataforma normalmente está relacionada à desvalorização dos respectivos tokens. No entanto, o pesquisador ressalta que o efeito tende a ser pontual – e não necessariamente duradouro:
"Com certeza a saída de jogadores tem reflexo na queda do token da plataforma por um motivo bem específico: quando as pessoas saem de um projeto, elas vendem seus tokens para realizar o lucro ou prejuízo que tiveram. Com um número grande de pessoas saindo, espera-se um volume maior de vendas. Porém, esse volume é pontual, uma vez que depois de realizado essas pessoas não retiram mais nada do projeto. Logo o projeto deve se reequilibrar com os usuários que continuam ativos, e se o projeto tiver sido bem pensado para ser sustentável a longo prazo, ele irá se estabilizar independentemente da quantidade momentânea de jogadores."
Até agora, as maiores perdas foram registradas pelo token da Gala Games, um ecossistema completo para criadores e usuários de games em blockchain. O GALA caiu 51% desde o início do ano, seguido de perto pelo SAND, cuja desvalorização até aqui é de 49%. O terceiro da lista é o AXS, que acumula perdas de 42%.
O MBOX e o ENJ apresentam desempenho idêntico até aqui, com desvalorização de 39%. O primeiro é uma plataforma que combina instrumentos DeFi a games que utilizam NFTs, criando um ecossistema completo para desenvolvedores e usuários de jogos no modelo play-to-earn ou gratuito. O segundo é uma plataforma baseada na rede Ethereum que oferece recuros para que os usuários desenvolvam, tokenizem, monetizem, e comercializem itens de jogos para blockchain.
As menores perdas foram registradas pelo MANA, cuja queda desde o início do ano é de 28%. A título de comparação, o Bitcoin registra uma variação negativa de 8% em 2022. Os dados são do CoinMarketCap.
Desempenho dos principais tokens do metaverso em comparação com o Bitcoin em 2022. Fonte: Trading View
Por fim, Santos conclui que, no longo prazo, a quantidade total de usuários de um jogo ou plataforma não é determinante para a ação de preço de um ativo. A questão fundamental é a utilidade do ativo no contexto do ecossistema em que está inserido. Tokens cujo caso de uso tragam benefícios aos seus detentores, naturalmente tendem a se valorizar ao longo do tempo, diz o pesquisador:
"Ter menos jogadores não faz o token diminuir de valor. A diminuição do interesse sobre o token é o que faz o valor dele cair. Se tivermos mais mecânicas de queima do token e mais investidores interessados em comprá-lo para usar esses tokens de uma forma que os beneficie, ao invés de simplesmente vendê-lo no mercado à vista, podemos ver o token subir de valor mesmo com o número de jogadores se mantendo estável. Aqueles que estão de fora seriam tomados pelo FOMO (Fear of missing out) e acabariam sendo motivados a investir no projeto, enquanto aqueles que já estão investidos teriam incentivos para investir ainda mais. Tendo um planejamento equilibrado, aí sim é possível gerar um círculo virtuoso de altas e quedas pontuais, mas de uma forma estável e saudável para o projeto."
Apesar da decepção com o desenvolvimento do metaverso por parte dos usuários, a Meta estaria considerando a introdução de tokens e serviços de empréstimo em seu projeto privado de metaverso, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.
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