Em 2022, mais de 30 milhões de cidadãos brasileiros não são bancarizados e nem têm acesso a cartão de crédito ou débito. O que há de errado?

Por cerca de uma década, o Brasil vem aprovando mudanças na legislação para mudar esta situação. No entanto, os resultados ainda estão aquém das expectativas. Para entender melhor os motivos, vamos dar um passo atrás para olhar para uma perspectiva histórica.

O setor bancário brasileiro sempre foi extremamente concentrado, devido à volatilidade macroeconômica do país, ao legado tecnológico dos bancos e à rigorosa regulação. Em determinado momento, o regulador precisou de alguns “baluartes” confiáveis para construir o sistema financeiro local e lidar com a escalabilidade. A concentração era um outro lado inevitável dessa estratégia.

No entanto, nos últimos anos, o equilíbrio de forças começou a mudar, com os reguladores fomentando a concorrência por meio de novas legislações em sintonia com as tendências tecnológicas disruptivas, com controles mais inteligentes e um melhor ambiente macroeconômico. Esse processo, combinado com o fenômeno de “softwares dominando o mundo”, contribuiu muito para criar um ambiente prolífico para o boom das fintechs.

Em 2020, o Banco Central do Brasil lançou o PIX, uma infraestrutura de pagamentos instantâneos que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana e cuja adoção foi notável. Hoje o PIX tem mais de 122 milhões de usuários ativos, ou 57% da população brasileira. Graças a essa inovação, 40% dos usuários fizeram sua primeira transferência eletrônica, o que denota o enorme potencial da tecnologia para inclusão financeira. Dado seu sucesso absoluto, o PIX rapidamente se tornou uma referência para muitos países e foi elogiado pelo Banco de Compensações Internacionais.

O programa Open Finance foi mais um passo importante para avançar na agenda de inclusão financeira e concorrência, pois permitiu a portabilidade de dados de clientes entre instituições financeiras, permitindo ofertas de produtos mais customizadas aos clientes. O programa entrou no ar em 2021 e já conta com mais de 800 instituições financeiras participantes e mais de 9,6 milhões de clientes que consentiram no compartilhamento de informações.

Através dos esforços para estimular a inovação, endossados pelo Banco Central do Brasil, há também revolução provocada pelas criptomoedas e blockchain, que foi a próxima fronteira capaz de destravar o acesso a produtos financeiros para uma parcela maior da população por meio de a tokenização da moeda brasileira — o real digital. Os argumentos de apoio para essa iniciativa vêm de uma análise de custo. Como proxy, estima-se que os custos dos pagamentos de varejo nos Estados Unidos representam cerca de 0,5% a 0,9% do PIB — valor que, dependendo da solução on-chain, pode ser reduzido a praticamente zero.

A partir da demanda para criar uma moeda digital on-chain cuja emissão é garantida por um órgão regulador, os Bancos Centrais de muitos países começaram a projetar as moedas digitais do banco central (CBDC). O conceito foi concebido em um esforço para liberar o potencial da tecnologia blockchain dentro de um contexto regulado, de acordo com as políticas monetárias de cada país, permitindo inúmeros casos de uso em crédito, KYC/AML, tokenização de ativos digitais e físicos, dinheiro programável e assim por diante. Espera-se que a CBDC brasileira seja totalmente implementada em 2024. O PIX e o Open Finance nos dão motivos para olhar para essa previsão com otimismo.

Países como Reino Unido, China e Estados Unidos têm suas próprias agendas quando se trata de soluções financeiras. A China possui um sistema de pagamento extremamente ágil por meio de carteiras digitais utilizadas mensalmente por quase um bilhão de chineses. O Reino Unido, além do sistema de pagamentos instantâneos, também conta com o sistema Open Finance desde 2018, que serve de referência para diversos outros países, inclusive o Brasil.

Nenhuma dessas inovações, porém, encontra nesses países um paradigma de inclusão financeira como a América Latina. Em 2021, os cidadãos latino-americanos com contas bancárias totalizaram 73,7%, contra 88,7% na China, 95,0% nos EUA e 99,8% no Reino Unido. Esses números representam cerca de 200 milhões de pessoas, com outros milhões de pessoas carentes de produtos financeiros tradicionais na região. No entanto, nenhum outro país da América Latina avançou tão rapidamente em uma agenda regulatória progressiva quanto o Brasil.

Combine reguladores brasileiros comprometidos em criar soluções financeiras de ponta com uma população desbancarizada e você terá um terreno fértil para essas inovações, que não apenas garantirão mais agilidade e rastreabilidade, mas também cumprirão seu primeiro e mais nobre propósito: incluir mais pessoas e pequenas empresas no sistema financeiro.

Renato Valente é sócio geral da Iporanga Ventures. Atuou como fundador da Ocapi, uma start-up de ad-tech vendida em 2015. Ele também atuou como Country Manager do Brasil na Telefonica Open Innovation e como chefe da Wayra Brasil, onde liderou mais de 30 investimentos em startups. ups, incluindo Gupy, Teravoz e Monkey. Antes disso, trabalhou na IBM. É bacharel em administração de empresas pela FAAP com especializações em gestão global pela IESE (Barcelona) e Venture Capital pela UC Berkeley.
Leonardo Teixeira é sócio da Iporanga Ventures e atuou como investidor em mais de 50 empresas de tecnologia desde 2013. Anteriormente, trabalhou no Macquarie Group e no Barclays PLC em São Paulo, Londres e Nova York. É formado em engenharia de produção pela Poli-USP e MBA em finanças pelo Insper.

Este artigo é para fins de informação geral e não pretende ser e não deve ser considerado um conselho legal ou de investimento. As visões, pensamentos e opiniões expressas aqui são exclusivas do autor e não necessariamente refletem ou representam as visões e opiniões do Cointelegraph.