Passado quase um ano desde o início das operações da B4 – primeira bolsa brasileira de ativos relacionados ao clima e ao meio ambiente –, ainda não há nenhum produto de crédito de carbono disponível para negociação.
Nesse período, a B4 recebeu 180 aplicações de empresas interessadas em oferecer produtos financeiros de compensação ambiental, mas apenas 86 foram aprovadas para avaliação após análise preliminar. Atualmente, restam 37 candidatos e apenas um foi chancelado para negociação. Ainda assim, trata-se de um produto da ONG SOS Vida Silvestre que oferece créditos de biodiversidade – e não de carbono.
A falsificação de títulos de propriedade de terra e a ausência de regulação do setor abrem brechas para fraudes e compromete o futuro de um mercado que pode movimentar US$ 120 bilhões (R$ 580 bilhões) até 2030, segundo estimativas da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil).
Especialistas do mercado de capitais e do setor jurídico sugerem que a adoção da tecnologia blockchain e a tokenização de ativos do mundo real (RWA) podem tornar o mercado de créditos de carbono brasileiro mais seguro e transparente.
Lançada em 16 de agosto de 2023, com a perspectiva de movimentar até R$ 12 bilhões em negociações em seu primeiro ano de operação, a B4 não deve alcançar tal meta. Sem revelar números, Odair Rodrigues, fundador e CEO da bolsa de compensações ambientais, afirmou em reportagem do NeoFeed que o mercado de créditos de carbono ainda está pouco maduro no Brasil devido à suscetibilidade a fraudes e à insegurança jurídica:
"Estamos dando mais valor em aprovar créditos de biodiversidade e energia renovável do que créditos de carbono, por causa de fraudes de títulos de terra da área a ser compensada e do custo elevado de gerar esses créditos, que exigem extensa rechecagem dos dados."
Em 5 de junho, Dia Internacional do Meio Ambiente, a Polícia Federal deflagrou a Operação Greenwashing para desarticular uma organização criminosa suspeita de vender R$ 180 milhões em créditos de carbono sem lastro, vinculados a duas áreas griladas pertencentes à União.
A ação da PF teve desdobramentos em cinco estados – Rondônia, Amazonas, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Ceará – e revelou um esquema de suborno a agentes públicos e privados para falsificação de títulos de propriedade. Esse tipo de fraude tem se tornado comum no mercado de créditos de carbono e já afetou empresas multinacionais e brasileiras como Gol, Nestlé, Toshiba e Boeing.
As duas áreas de 500 mil hectares localizadas no Amazonas foram incorporadas pela Stoppe LTDA, que as utilizou para emitir Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A gestora de investimentos AZ Quest incorporou cerca de R$ 50 milhões desse CRA em dois de seus fundos de investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Um deles caiu 14,6% no dia em que foi deflagrada a operação da PF.
As fraudes no setor ganharam impulso a partir da decisão do governo federal de alterar as normas para emissão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) , segundo Bruno Ferraz de Camargo, sócio do escritório especializado em bioeconomia Ximenes, Camargo Advogados.
O registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis localizados em zonas rurais, tornou-se autodeclaratório, facilitando a falsificação de comprovação de titularidade de terras e beneficiando os criminosos.
Tokens RWA oferecem mais segurança e transparência ao mercado
Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 182/2024 prevê a criação de produtos financeiros sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) negociados como tokens vinculados a ativos do mundo real.
O próprio modelo de negócios da B4 baseia-se em ativos tokenizados. Segundo Camargo, a utilização da tecnologia blockchain e de tokens RWA é a melhor solução para mitigar as fraudes e destravar um mercado que, somente em 2020, movimentou US$ 245 bilhões, segundo a Refinitiv Financial Solutions:
"Em vez de vender o crédito de carbono como título em papel, é possível criar um token baseado em blockchain, gerando um ativo seguro, rastreável e interessante."
A tecnologia blockchain torna a emissão e a negociação de créditos de carbono mais seguras e transparentes, segundo Rodrigues. Os tokens RWA garantem que cada crédito seja único e rastreável, reduzindo significativamente o risco de duplicação e falsificação.
Entre os exemplos bem-sucedidos do uso de blockchain e tokens RWA no mercado de créditos de carbono destaca-se a re.green, uma startup de reflorestamento que tem a família Moreira Salles, o ex-Ministro da Fazendal Armínio Fraga e o fundador da Natura, Guilherme Leal, entre seus acionistas.
Fundada há dois anos, a re.green já possui 13 mil hectares de terras disponíveis e está em processo de adquirir mais 3 mil hectares para cumprir um acordo de fornecimento de créditos de carbono fechado com a Microsoft. A gigante da tecnologia comprou 3 milhões de toneladas de créditos de remoção ao longo de 15 anos.
Os créditos de carbono gerados pela re.green são provenientes do plantio de espécies nativas em terras que já fizeram parte da Amazônia e da Mata Atlântica, garantindo a autenticidade e a sustentabilidade de suas operações.
Conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil recentemente, o Banco Central, a CVM e mais 27 entidades criaram um comitê para impulsionar a adoção de tokens RWA no mercado brasileiro de créditos de carbono.