Courtnay Guimarães, um dos mais antigos adeptos de soluções em blockchain no Brasil, atualmente atuando como Head of Digital Assets Bradesco, fez uma reflexão pessoal sobre o histórico do mercado de criptomoedas, que nasceu como uma lógica filosófica e se converteu em um instrumento de riquezas.
Durante o Chainalysis Nodes Brasil, Guimarães declarou que o Bitcoin é um carro velho de 2009, que não inovou em seu código desde sua criação, implementando apenas atualizações pontuais que não mudaram seus principais problemas, como escalabilidade.
Além disso, ele apontou que o BTC foi criado com a intenção de transformar o mundo, mas que acabou servindo apenas para enriquecer ‘libertários’.
“A promessa de cripto era mudar o mundo, mas criou milionários desconectados da realidade”, afirmou
A revolução virá da miséria, não da elite
Durante sua fala, Courtnay fez um paralelo contundente entre o mundo dos criptoativos e as reais necessidades de bilhões de pessoas. “Metade da humanidade vive abaixo de um cara que dorme na rua em São Paulo”, disse, ressaltando que quem vive nas grandes metrópoles ao menos tem alguma rede de apoio, como igrejas e organizações sociais. Já no chamado “sub-Saara africano”, a luta diária é pela sobrevivência, com pessoas sem acesso sequer à água potável.
Para Courtnay, a verdadeira transformação virá da absoluta miséria, e não da classe média, que deseja apenas manter seus privilégios. Ele relembrou um antigo projeto na HP, onde mulheres pediam pequenos empréstimos para vender produtos e garantir o sustento de seus filhos.
“Esse é o mundo real: gente que dobra capital para poder alimentar seis filhos. Não é sobre criptoesquemas ou NFTs.”
O executivo criticou a forma como o Bitcoin e outras criptomoedas se desenvolveram, concentrando riqueza e se afastando da função social.
“Quem tem mais de mil bitcoins só quer que o preço vá para um milhão. Por quê? Porque quer ficar ainda mais rico. Já o pobre quer apenas pagar as contas ou receber remessas em dólar, pois vale mais”, explicou.
Criptomoedas se distanciaram da promessa original
Para ele, a evolução das criptomoedas estagnou.
“Bitcoin é um carro velho que não evoluiu. Não melhorou performance, nem segurança, não tem identidade digital, não serve para guardar documentos”, disse.
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Courtnay lamenta que, ao invés de criar sistemas que pudessem ajudar populações vulneráveis, o ecossistema cripto se tornou um campo fértil para golpes, pirâmides e enriquecimento rápido.
“Depois de 2014, todo mundo só quer ficar rico.”
Ao traçar um panorama do mundo atual, ele destacou que há cerca de 1 bilhão de crianças no mundo vivendo em condições extremas, muitas delas sem segurança alimentar, educação ou proteção psicológica.
“Dessa dor vai sair a verdadeira revolução. Não será da classe média preocupada com iPhone e carro elétrico”, afirmou.
Courtnay também reforçou a necessidade de um novo olhar para a tecnologia e a inovação: “Quando a poeira desse oba-oba de ficar rico fácil baixar, a gente vai voltar para as soluções reais, para quem realmente precisa.”
Para ele, o futuro das finanças digitais está em criar mecanismos que reduzam as desigualdades, e não em alimentar bolhas especulativas.
“O discurso libertário do ‘não precisamos de leis’ só serviu para criar psicopatas do lucro rápido. Mas isso vai acabar.”
Exagero libertário ficou para trás
Courtnay também destacou que o verdadeiro desafio das finanças digitais não está nas pirâmides ou nos golpes isolados, mas na explosão descontrolada de informação e capital. Segundo ele, “o problema não é a pirâmide em si, mas o exagero e a falta de propósito na circulação desses recursos”.
O executivo relembrou o auge das ICOs (Ofertas Iniciais de Moedas) em 2017, citando casos em que projetos arrecadavam milhões sem nenhuma garantia. “Teve um cara que fazia um ICO de 50 milhões, mudava de país e fazia de novo. Isso era a fronteira, mas acabou. Hoje, as coisas são reguladas ou serão empurradas para a regulação.”
Para ele, o movimento natural do setor é uma volta ao centro.
“O exagero libertário ficou para trás. Agora, o mundo cripto caminha para um equilíbrio: será orientado por indivíduos, mas regulado”. Courtnay prevê que, a partir de agora, “todo mundo vai ser regulado pelos bancos centrais”. Para ele, o “fim do ‘free banking’” é inevitável e já começa a se concretizar.
Segundo Courtnay, essa mudança pode assustar, mas é necessária: “Mesmo com o fim do sistema bancário livre, com liquidez instantânea e irrestrita, o mercado vai se adaptar. Os bancos centrais não vão mais permitir a infraestrutura caótica de antes. Isso vai devolver a confiança ao sistema.”
Ele acredita que esse novo cenário vai permitir que os recursos fluam para onde realmente importam: “Quando a poeira baixar, os verdadeiros inovadores vão parar de buscar lucro fácil e vão focar em criar soluções reais para quem precisa”.
Courtnay encerrou reforçando a necessidade de olhar para os mais vulneráveis.
“Sem assistência à vida, não há capacidade de pensar ou criar. A prioridade da inovação deve ser garantir que 4 bilhões de pessoas tenham o mínimo: comida, segurança e educação. Eu só estou aqui porque tive escola pública. É isso que precisa entrar na cabeça dos inovadores: sem dignidade, não há futuro.”
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