Resumo da notícia:
O Banco Central abriu consulta pública para regular operações de câmbio por meios digitais.
As regras propostas equiparam transações internacionais com stablecoins a operações de câmbio tradicionais.
Empresas de criptomoedas são receptivas às propostas do órgão regulador.
O Banco Central do Brasil (BC) abriu a Consulta Pública (CP) nº 124/2025 para atualizar a regulamentação dos serviços de pagamento e transferência internacional por meios digitais, conhecidos como eFX. As novas regras propostas pelo BC impactam diretamente o uso de stablecoins em transações internacionais
Entidades do mercado e advogados ouvidos pelo Cointelegraph Brasil afirmam que a medida representa um esforço do BC para modernizar o arcabouço normativo em resposta à expansão acelerada de soluções financeiras digitais que facilitam a compra de bens, serviços e transferências de recursos com o exterior.
O objetivo da consulta é aprimorar a segurança, a transparência e a integração dos serviços de eFX ao sistema financeiro regulado, eliminando brechas e aumentando a supervisão do BC sobre o mercado de câmbio.
Segundo Anna Lucia Berardinelli, sócia de Ativos Digitais, Blockchain e Web3 do Villemor Amaral Advogados, a proposta visa "mitigar riscos associados à lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e opacidade nos custos das operações".
Principais Propostas da Consulta Pública 124/2025
As mudanças propostas em relação à Resolução BCB nº 277/2022, que atualmente regula os serviços de eFX, são amplas e estabelecem novos padrões de governança, compliance e transparência para esse mercado.
Em primeiro lugar, a prestação de serviços de eFX ficará restrita a instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, como bancos e instituições de pagamento (IPs). Fintechs que hoje operam sem regulação formal deverão "solicitar autorização para funcionamento como instituição de pagamento nas modalidades emissor de moeda eletrônica, emissor de instrumento de pagamento pós-pago ou credenciador."
O edital da consulta questiona se "a prestação de eFX poderia ser realizada por meio da prestação de serviços de BaaS (Banking as a Service), mediante parceria firmada entre o prestador de eFX e instituição autorizada".
Para Anna Lucia, isso pode incentivar uma maior integração entre plataformas de criptoativos e o sistema financeiro tradicional:
“Exchanges, fintechs e tokenizadoras que buscarem autorização como instituições de pagamento ou que operem em parceria com players regulados poderão oferecer serviços de remessa internacional em conformidade com o Banco Central.”
As novas normas também exigem a manutenção de uma conta de depósito exclusiva para as operações de eFX, e fica expressamente vedada a prática de compensar pagamentos entre diferentes clientes (netting). Anna Lucia destaca que essa medida "aumenta a rastreabilidade dos fluxos", pois cada remessa precisará ser liquidada integralmente.
A proposta do BC expande o uso do eFX para permitir investimentos em mercados financeiros e de valores mobiliários no exterior. Essas operações serão limitadas ao valor de US$ 10.000 por transação.
Torna-se obrigatória a apresentação do Valor Efetivo Total (VET) ao cliente, que consolida todos os custos da operação, incluindo taxas e spread cambial. Como aponta o advogado Thiago Amaral dos Santos, essa exigência equipara as transferências internacionais por meio de stablecoins ao câmbio tradicional:
“Na prática, uma plataforma que hoje permite a compra de USDC para transferências ao exterior terá de registrar a operação como eFX, liquidar os reais por meio de câmbio formal, usar a conta exclusiva e entregar ao cliente um extrato com o custo total da transação. O movimento, embora eleve custos de adequação e compliance, coloca fim à chamada “zona cinzenta” e traz segurança jurídica e legitimidade ao setor.”
O BC também pretende estabelecer regras mais rígidas de reporte, “com envio de informações sobre movimentações e saldos das contas exclusivas", afirma Anna Lucia.
O BC prevê a criação de códigos específicos para identificar a finalidade de cada remessa, incluindo um específico para transações envolvendo ativos virtuais. Para Anna Lucia, a decisão representa um “marco” e elimina as “zonas cinzentas” em transações de câmbio com stablecoins:
“Isso permitirá ao regulador distinguir remessas que envolvem criptomoedas ou tokens das demais operações, criando condições para monitorar o fluxo entre o sistema tradicional e o universo cripto. Trata-se de uma sinalização inequívoca de que o Banco Central pretende trazer esse tipo de transação para dentro da mesma lógica de rastreabilidade e supervisão aplicada ao câmbio convencional.”
Conforme a advogada, a mudança tende a fazer com que o "modelo de arbitragem ou 'atalho' regulatório" que até então beneficiava os ativos digitais perca espaço.
Thiago conclui que as propostas da CP 124/2025 estão alinhadas com os termos da Consulta Pública 111/2024, que trata do uso de stablecoins em operações de câmbio. Segundo o advogado, o BC está propondo uma alteração no status das stablecoins:
“Esses ativos não serão mais tratados como simples instrumentos digitais de pagamento, mas como uma representação tokenizada da moeda fiduciária, sujeita às mesmas regras do câmbio tradicional. Usar USDT para enviar recursos ao exterior ou pagar um fornecedor internacional em USDC passará a ser formalmente reconhecido como operação cambial, com os mesmos requisitos aplicáveis às remessas oficiais.”
Empresas do setor são receptivas à regulação do BC
Embora a Consulta Pública 124/2025 não trate exclusivamente de criptoativos, a proposta de reestruturar as regras para operações cambiais foi bem recebida por empresas criptonativas que prestam serviços cambiais.
Leandro Noel, cofundador e CTO da Avenia, afirma que as medidas previstas na consulta “não são meros entraves regulatórios”, mas instrumentos de blindagem do sistema financeiro em um momento em que suas vulnerabilidades têm sido exploradas por criminosos:
“Episódios recentes demonstram que riscos como uso indevido de credenciais, comprometimento de provedores tecnológicos e falha de governança não são hipóteses distantes: são falhas concretas que ameaçam a integridade da infraestrutura nacional.”
Leandro acrescenta que “as medidas criam uma arquitetura de confiança e rastreabilidade indispensável para as operações internacionais em reais.”
João Almada, controller da Transfero, diz que a maior clareza regulatória contribui para a expansão de soluções digitais em pagamentos internacionais:
“Nossa avaliação é de que a proposta do Banco Central vai no sentido de fortalecer a competitividade, ampliar a segurança jurídica e dar maior previsibilidade para o setor. Para empresas que já possuem licença no Brasil como instituição de pagamento, como é o caso da Transfero, o edital representa uma oportunidade de consolidar e expandir a atuação em remessas internacionais, integração com stablecoins e oferta de infraestrutura (BaaS) para outras fintechs.”
Anna Lucia faz uma avaliação semelhante. Para a advogada, as novas normas do BC impõem desafios, mas principalmente oportunidades de expansão da adoção institucional de soluções de câmbio baseadas em stablecoins no Brasil:
“O impacto prático será duplo: de um lado, maior pressão para que exchanges e fintechs se submetam a regimes de autorização e compliance compatíveis com os padrões bancários; de outro, a abertura de um espaço regulado para que plataformas sérias possam oferecer serviços integrados de remessa e investimento internacional com maior segurança jurídica.”
A publicação da CP 124/2025 amplia o processo formal de interseção entre o mercado financeiro tradicional e o ecossistema cripto, sob a supervisão do BC. Os interessados podem encaminhar sugestões e comentários sobre a proposta até o dia 2 de novembro de 2025.
Antes disso, é provável que a autoridade monetária divulgue as regras cambiais para operações com stablecoins no âmbito da regulação do mercado de ativos digitais no Brasil.