O PL 4173/2023, comumente denominado “taxação dos Super Ricos" pelos meios de comunicação, introduz alterações importantes na tributação de ativos mantidos fora do país por residentes fiscais no Brasil. Essas mudanças focam especialmente na alíquota do imposto de renda aplicável aos rendimentos oriundos de investimentos financeiros no exterior. Além disso, o projeto estabelece a necessidade de tributar os ganhos realizados por entidades controladas, mesmo sem a distribuição efetiva desses lucros para o indivíduo no Brasil.
Especificamente no contexto da criptoeconomia, o impacto reside na inclusão de “ativos virtuais”, termo também empregado no Marco Legal dos Criptoativos, Lei nº 14.478/2022, como aplicações financeiras no exterior.
Além disso, define, de forma exemplificativa, os rendimentos oriundos dessas aplicações, incluindo a variação da criptomoeda (sim, a mesma proposta de lei se refere tanto a “ativos virtuais” quanto a “criptomoeda”) em relação à moeda nacional.
De acordo com o projeto, esses rendimentos serão tributados a uma alíquota fixa de 15% somente quando efetivamente percebidos. Isso implica que a incidência tributária se dará somente na ocasião da venda, resgate, permuta, alienação, entre outros.
É importante salientar que o ganho de capital obtido na venda de qualquer outro bem, seja ele no Brasil ou no exterior, que não se caracterize como investimento no exterior conforme descrito no Projeto de Lei, permanecerá submetido às normativas gerais de tributação sobre ganhos de capital, com alíquotas que variam de 15% a 22,5%.
Em outras palavras, o Projeto de Lei, na prática, favorece aqueles que possuem ativos fora do país, visto que a alíquota se mantém constante em 15%, independente do montante vendido. Por outro lado, no Brasil, para montantes superiores a 5 milhões de reais, a alíquota já sobe para 17,5%, podendo alcançar até 22,5%.
Por outro lado, surgem questionamentos sobre o que caracteriza um criptoativo como aplicação no exterior. Será que seria apenas ao efetuar transações de compra, venda ou troca em plataformas sediadas fora do país que se enquadraria nessa definição? E quanto a manter criptoativos em uma carteira digital desenvolvida por uma entidade estrangeira ou guardar as chaves privadas em um cofre fora do país? E ao realizar operações em exchanges descentralizadas? Seriam estas consideradas aplicações no exterior?
A grande questão é que os criptoativos representam um fenômeno financeiro que transcende as fronteiras geográficas convencionais. Ao contrário das moedas tradicionais, que estão intrinsecamente ligadas a um país ou bloco econômico específico, os criptoativos operam em uma rede descentralizada e global.
O Bitcoin, por exemplo, não reside em um local físico ou jurisdição específica. Sua existência está na rede, um espaço virtual que não se confina aos limites de um país. Quando alguém compra, vende ou transfere Bitcoin, o que está se movendo não é uma entidade física, mas sim uma informação digital que existe na blockchain, um grande livro-razão distribuído que registra todas as transações.
Ademais, além dos ativos virtuais como o Bitcoin, existem outros tipos de criptoativos com naturezas jurídicas distintas. Os tokens, por exemplo, podem representar uma ampla variedade de ativos e direitos. Alguns tokens são lastreados em ativos tangíveis ou intangíveis, como ouro, imóveis ou royalties de músicas.
É vital entender que, devido à variedade de naturezas jurídicas e funções dos criptoativos, a regulamentação, interpretação legal e tributação podem variar consideravelmente.
De qualquer maneira, o PL estabelece que o enquadramento de “ativos virtuais” como aplicações financeiras no exterior será detalhado em posterior regulamentação a ser determinado pela Secretaria Especial da Receita Federal.
Em conclusão, o projeto de lei, ao tentar especificar a tributação dos criptoativos com base em sua localização geográfica, parece não considerar adequadamente a natureza intrínseca desses ativos. A atual sistemática de tributação já engloba as operações realizadas tanto em empresas domiciliadas Brasil quanto no exterior. Atualmente, independentemente de se usar uma exchange nacional ou estrangeira, já há a obrigatoriedade de declarar as operações, conforme estabelecido pela IN RFB 1888/2019, e de calcular o ganho de capital nas alienações. Assim, introduzir distinções geográficas para criptoativos, que são, por definição, descentralizados e globais, parece desalinhado com a realidade e a prática do mercado.
Rafael Steinfeld, advogado e empresário do mercado de criptoativos, é fundador da Steinfeld Advocacia, MyKYC e Fiscochain.