Nos últimos anos, vimos a tokenização sair do campo experimental para se tornar uma realidade concreta no Brasil.
O mercado já não fala mais de hipóteses: são emissões bilionárias, operações complexas e investidores institucionais olhando com seriedade para essa nova infraestrutura financeira.
Mas esse crescimento trouxe também uma constatação inevitável: o modelo regulatório que nos serviu até aqui, baseado na Resolução 88 da CVM, começa a mostrar sinais de cansaço.
O painel de abertura do Token Summit Brasil deixou isso claro. Reguladores, advogados e representantes do mercado convergiram em um diagnóstico: o chassi atual foi importante para dar segurança na largada, mas precisa ser atualizado se quisermos acelerar.
A pergunta, agora, é como reformar esse arcabouço regulatório sem perder o equilíbrio entre inovação e proteção ao investidor.
O chassi da 88 e seus limites
A Resolução 88 nasceu para regular o crowdfunding de startups, com limites de volume, regras de transparência e um regime informacional simplificado.
Foi nesse espaço que a tokenização encontrou terreno fértil para crescer. Foi como colocar um motor elétrico em cima de um carro a combustão: funcionou, mas não entrega todo o potencial de eficiência.
O resultado é visível: passamos de emissões inferiores a R$ 100 milhões para operações que já somam mais de R$ 1 bilhão em pouco tempo.
Só que, quanto maiores e mais sofisticadas ficam as ofertas, mais evidente se torna que esse arcabouço não foi desenhado para tokens.
A reforma em discussão pela CVM pode incluir o aumento dos limites de emissão, ajustes no regime informacional e a flexibilização dos canais de distribuição. Mais do que mudanças técnicas, trata-se de preparar o terreno para que o mercado avance de forma sustentável.
O gargalo da liquidez
Nenhum mercado floresce sem liquidez. No caso da tokenização, esse é um dos principais entraves.
Hoje, os tokens emitidos no escopo da 88 ficam restritos a um ambiente quase fechado, com negociações subsequentes que mal se aproximam do conceito de mercado secundário.
Isso limita o interesse de investidores, especialmente institucionais, que precisam de opções de saída para alocar capital em larga escala.
A revisão da Resolução 135, apelidada de 135 light, pode ser um divisor de águas.
Ao modernizar as regras para negociação em balcão organizado e permitir maior circulação dos tokens, abre-se espaço para um ciclo virtuoso: mais liquidez atrai mais investidores, que por sua vez estimulam novas emissões.
Esse movimento é essencial para que a tokenização deixe de ser um nicho e passe a ocupar um papel central no mercado de capitais brasileiro.
Intermediários em transformação
Outro ponto quente em discussão no Token Summit Brasil foi o papel dos intermediários.
Há quem veja na blockchain a promessa de eliminá-los por completo, mas essa é uma visão simplista.
Como destacou um dos participantes, figuras como o agente fiduciário surgiram para resolver problemas concretos de governança, confiança e coordenação entre investidores. Esses problemas continuam existindo.
O que muda é a forma de exercer essas funções. A tecnologia permite que certas atividades sejam automatizadas por smart contracts, outras integradas em um único prestador de serviço, reduzindo custos e conflitos.
Em alguns casos, pode até haver funções que perdem sentido, como o carteiro diante da invenção do e-mail.
Mas a tendência não é de extinção em massa, e sim de ressignificação dos papéis. Intermediários que souberem incorporar tecnologia ao seu modelo de negócio continuarão relevantes, talvez mais do que nunca.
Regulação como trampolim, não como freio
Muitas vezes, regulação é vista como sinônimo de entrave.
Mas o que se viu no debate foi a percepção de que o Brasil pode transformar esse processo em diferencial competitivo.
A CVM tem mantido uma postura de neutralidade ideológica e diálogo constante com o mercado, diferente de jurisdições que trataram a inovação como ameaça. O Banco Central também adota uma abordagem gradualista, mas aberta a experimentos.
Essa combinação pode ser a chave para que o país se torne referência global em tokenização.
Se a atualização da 88 e da 135 vier na direção certa, teremos um ecossistema regulado, mas flexível, capaz de atrair tanto investidores institucionais quanto o público de varejo.
A tokenização tem potencial para democratizar o acesso, reduzir custos e ampliar a eficiência do mercado de capitais. Mas, para isso, precisa de regras que funcionem como trampolim e não como freio.
Estamos diante de uma oportunidade única.
O Brasil já saiu na frente em termos de adoção e experimentação. Agora, o desafio é ajustar o chassi regulatório para que o motor da inovação possa rodar em sua plenitude.
Se conseguirmos fazer essa transição, a tokenização brasileira não será apenas um caso de sucesso local, mas um referencial internacional de como equilibrar tecnologia, regulação e desenvolvimento de mercado.
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