Faruk Fatih Özer foi encontrado morto em sua cela em 1º de novembro. O ex-CEO da extinta exchange de criptomoedas Thodex cumpria uma pena de 11.000 anos por comandar um dos maiores golpes de criptomoedas da história.
Sua morte marca o mais recente capítulo da saga Thodex, com efeitos tão significativos que chegaram a alterar as leis de criptomoedas na Turquia.
Os detalhes iniciais sobre a morte de Özer apontam para suicídio, mas a investigação ainda está em andamento. O caso trouxe novamente a Thodex aos holofotes.
A seguir, uma retrospectiva sobre a história de Özer, como a exchange impactou a legislação turca e de que forma o caso pode ter contribuído para o aumento da adoção de criptomoedas no país.
Golpe de US$ 2 bilhões da Thodex envolve operações policiais, prisões e fuga do CEO
Em 21 de abril de 2021, a exchange de criptomoedas Thodex suspendeu repentinamente as negociações e os saques. O anúncio inicial informava que isso poderia durar de quatro a cinco dias. Conforme relatado pelo Cointelegraph Turquia na época, a exchange alegou que a pausa visava aprimorar suas operações com a ajuda de “bancos e empresas de investimento de renome mundial”.
No entanto, a mídia local noticiou que Özer havia fugido para a Tailândia com mais de US$ 2 bilhões em fundos, em um golpe de saída. Também surgiram relatos de que a polícia havia realizado uma operação na sede da empresa em Istambul.
O gabinete do procurador-chefe de Istambul confirmou as informações no dia seguinte, anunciando uma investigação sobre a Thodex e a prisão de 62 pessoas supostamente envolvidas no golpe. Özer negou as acusações, afirmando que sua viagem ao exterior tinha como objetivo encontrar investidores estrangeiros.
Em 30 de abril de 2021, um tribunal turco decidiu prender seis suspeitos, incluindo familiares do CEO desaparecido e funcionários seniores da empresa, até o julgamento. A Interpol também emitiu um alerta vermelho para Özer.
“Quando ele for capturado com o alerta vermelho, temos acordos de extradição com grande parte desses países. Se Deus quiser, ele será capturado e retornará”, disse o então ministro do Interior, Süleyman Soylu.
Özer conseguiu fugir por mais de um ano. As autoridades albanesas o prenderam em 30 de agosto de 2022. Ele tentou recorrer da extradição, mas a decisão foi mantida, e Özer estava sob custódia turca em 30 de abril de 2023, dois anos após o início do escândalo.
O caso contra Özer avançou rapidamente. Em julho de 2023, apenas três meses após seu retorno à Turquia, ele foi condenado a sete meses e 15 dias de prisão por não apresentar documentos solicitados pelo Conselho de Inspeção Fiscal durante o julgamento.
Em 8 de setembro de 2023, o 9º Tribunal Criminal Superior da Anatólia condenou Özer e dois de seus irmãos a 11.196 anos, 10 meses e 15 dias de prisão, além de uma multa de US$ 5 milhões.
No tribunal, Özer afirmou que ele e sua família eram alvo de falsas acusações. Disse: “Sou inteligente o suficiente para administrar todas as instituições do mundo. Isso é evidente pela empresa que fundei aos 22 anos. Se eu fosse criar uma organização criminosa, não agiria de forma tão amadora. [...] É claro que os suspeitos neste caso são vítimas há mais de dois anos.”
Özer cumpria sua pena na Prisão de Alta Segurança Tipo F nº 1 de Tekirdağ quando morreu. As prisões do tipo F são instituições de segurança máxima destinadas a presos políticos, membros de organizações criminosas e grupos armados que cumprem prisão perpétua agravada.
Defensores dos direitos humanos levantaram repetidas preocupações sobre as condições nas prisões do tipo F. Em 2007, a Anistia Internacional destacou tratamentos disciplinares “rudes e arbitrários”, além de isolamento.
Turquia muda suas leis para proteger investidores
O escândalo da Thodex e suas consequências foram tão significativos que levaram o governo turco a alterar suas políticas sobre criptomoedas.
Logo após a notícia da fuga de Özer, o Banco Central da República da Turquia proibiu pagamentos com criptomoedas e impediu que provedores de pagamento oferecessem rampas fiduciárias para exchanges. O comunicado oficial proibiu “qualquer uso direto ou indireto de criptoativos em serviços de pagamento e emissão de moeda eletrônica”. Curiosamente, a proibição não incluiu os bancos, o que permite que usuários ainda depositem liras em exchanges por meio de transferências bancárias.
A proibição visava garantir a estabilidade financeira, enquanto outras agências, como o Conselho de Mercados de Capitais (CMB) e a Unidade de Investigação de Crimes Financeiros (MASAK), buscaram legitimar as atividades de negociação. Em maio de 2021, a MASAK alterou as leis de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo para incluir disposições específicas sobre criptomoedas.
Em 2024, a Lei de Alterações à Lei dos Mercados de Capitais entrou em vigor, expandindo as mudanças iniciadas em 2021. A nova legislação incluiu amplas medidas de proteção ao consumidor, além de regras de licenciamento e relatórios obrigatórios.
Essas novas medidas, que também buscavam retirar a Turquia da “lista cinza” do Grupo de Ação Financeira (GAFI), composta por países com deficiências em medidas contra lavagem de dinheiro, ajudaram a impulsionar a indústria cripto local.
O relatório Geography of Crypto 2025 da Chainalysis apontou que a Turquia lidera o Oriente Médio e o Norte da África em volume de valor recebido em cripto. A atividade de negociação também disparou no último ano.
A longo prazo, o escândalo da Thodex pode ter levado a uma maior adoção de criptomoedas no país, mas apenas depois de abalar profundamente a indústria local e deixar muitos investidores no prejuízo. Ele também resultou na prisão e na morte de seu idealizador e CEO.