O Drex, a moeda digital do Banco Central, representa mais do que apenas a digitalização do Real. Em uma entrevista concedida ao Cointelegraph Brasil, durante o Febraban Tech, Thiago Iglesias, Head da Torq, afirmou que Drex inaugura uma transformação profunda no sistema financeiro nacional, com potencial para revolucionar desde bancos até startups, além de acelerar a digitalização de ativos da economia real.
"O Drex não é só uma moeda digital, é uma plataforma para dinheiro programável capaz de redesenhar o mercado financeiro brasileiro", afirma Iglesias. A partir dele, surgem possibilidades como liquidação instantânea, contratos inteligentes e modelos de negócios que hoje sequer existem.
Iglesias revelou também que apesar de muitas fintechs e startups não fazerem parte dos consórcios que participam dos testes da segunda fase do Drex, o ecossistema não está parado. Pelo contrário. Segundo ele, as empresas mais atentas já trabalham em soluções e infraestrutura para esse novo cenário.
“Startups estão desenvolvendo aplicações que vão consumir o Drex desde o primeiro dia. Estamos falando de pagamentos inteligentes, tokenização de ativos reais, gestão de garantias, além de produtos de crédito e seguros que operam 100% on-chain”, explica.
Além disso, há uma corrida para construir carteiras digitais compatíveis com DLT, ferramentas de identidade descentralizada e soluções robustas de compliance para o ambiente blockchain. E não para por aí. Empresas também investem na criação de oráculos — tecnologias capazes de levar dados do mundo físico para dentro da blockchain — e ferramentas de KYC e prevenção à lavagem de dinheiro específicas para ativos tokenizados.
“Existe um movimento intenso de educação, de construção de parcerias e de desenvolvimento de infraestrutura. O Drex não é um projeto isolado do Banco Central, ele é um catalisador de uma transformação muito maior no mercado”, reforça Iglesias.
Tokenização pode superar o mercado de criptomoedas no Brasil
O fenômeno da tokenização de ativos reais (RWA) vem ganhando força no Brasil, e, segundo o Head da Torq, seu impacto será ainda maior do que o das criptomoedas tradicionais.
“A tokenização tem potencial para ser muito maior do que o mercado de cripto. Porque ela não lida só com ativos digitais especulativos, mas com a própria economia real.”, afirma.
Setores como imobiliário, agronegócio, crédito e precatórios já estão sendo profundamente transformados. Empresas tokenizam imóveis para permitir que pequenos investidores comprem frações. No agronegócio, commodities agrícolas são transformadas em tokens, otimizando financiamento e logística. No mercado financeiro, recebíveis e direitos creditórios são convertidos em tokens, oferecendo liquidez instantânea para empresas.
“A tokenização democratiza o acesso a investimentos, reduz burocracia, aumenta liquidez e traz segurança. Ela conecta o mundo real ao blockchain, criando um mercado cujo teto não é mais o das criptomoedas, mas sim da própria economia global”, destaca Iglesias.
Quando esse processo se integra ao Drex, que oferece um ambiente regulado, as oportunidades se expandem ainda mais, atraindo tanto investidores institucionais quanto pessoas físicas.
O Brasil caminha para ser um país 100% on-chain
A digitalização não para no Drex. Thiago Iglesias observa que diversas iniciativas públicas e privadas estão caminhando na mesma direção: a construção de um Brasil on-chain.
B3, CVM, cartórios (via e-Notoriado), e até a Receita Federal estão implementando tecnologias blockchain para melhorar eficiência, reduzir custos e aumentar a segurança dos dados e das transações.
“Essas não são iniciativas isoladas. Isso é um movimento sistêmico. O Brasil está, de fato, construindo uma infraestrutura nacional baseada em blockchain e tokenização. O futuro é de um ecossistema financeiro e jurídico totalmente integrado. Onde o Drex faz a liquidação, as redes externas fornecem os dados e os ativos circulam de forma rápida, segura e barata.”
Segundo ele, essa é uma oportunidade única para o Brasil assumir uma posição de protagonismo global na construção do futuro da economia digital.
Confira a entrevista completa
Drex e seu potencial
Cointelegraph Brasil (CTBR): Qual o potencial do Drex e como o ecossistema de startups que não integram os consórcios da segunda fase estão 'se preparando' para esta mudança?
Thiago Iglesias (TI): O potencial do Drex é verdadeiramente revolucionário. Ele não é apenas uma versão digital do Real; é uma plataforma para o dinheiro programável, com capacidade de revolucionar o sistema financeiro em diversas frentes:
Eficiência e Redução de Custos: Permite liquidações atômicas (pagamento e entrega simultâneos), reduzindo riscos operacionais e custos de transação. Isso é particularmente relevante para mercados de capitais e transações de grande volume.
Novos Modelos de Negócios: Abre portas para uma nova geração de produtos e serviços financeiros baseados em contratos inteligentes e finanças descentralizadas (DeFi) em um ambiente regulado. Imagine empréstimos automatizados, seguros paramétricos ou títulos tokenizados com pagamentos de juros automáticos.
Inovação e Acesso: Ao digitalizar o Real em uma infraestrutura DLT (Distributed Ledger Technology), o Drex pode democratizar o acesso a certos tipos de investimentos e serviços financeiros, além de fomentar a inovação em todo o ecossistema.
Para o ecossistema de startups que não fazem parte dos consórcios, a preparação é estratégica e já vemos algumas se movendo neste sentido. Algumas startups já estão:
Desenvolvendo Casos de Uso: Muitas estão focando no desenvolvimento de aplicações e serviços que irão consumir o Drex quando ele estiver em pleno funcionamento. Isso inclui soluções para pagamentos condicionais, tokenização de ativos reais, gestão de garantias, e até mesmo novos produtos de crédito e seguros. Por exemplo, fintechs de crédito digital já estão pensando em como contratos de empréstimo podem ser automatizados com o Drex.
Construindo Camadas Superiores: Estão investindo em infraestrutura que pode se integrar ao Drex, como carteiras digitais compatíveis com DLT, plataformas de gerenciamento de identidade descentralizada e ferramentas de compliance que operem em um ambiente "on-chain".
Educação e Parcerias: Há um forte movimento para educar equipes e clientes sobre as capacidades do Drex e da tokenização. Além disso, muitas buscam parcerias estratégicas com membros dos consórcios ou grandes instituições financeiras que já estão testando a plataforma, visando explorar sinergias e oportunidades futuras.
Foco em Complementariedade: Algumas startups estão se especializando em áreas que complementam o Drex, como soluções de KYC (Know Your Customer) e PLD (Prevenção à Lavagem de Dinheiro) para ativos tokenizados, oráculos para trazer dados do mundo real para o blockchain, ou ferramentas de análise de dados para o ambiente DLT.
Essa dinâmica mostra que o Drex não é um projeto isolado do Banco Central, mas um catalisador para uma transformação mais ampla do mercado.
Tokens RWA serão maiores que as criptomoedas
CTBR: Como vocês veem o mercado de tokenização (Tokens RWA)? Ele pode ser maior que o mercado de criptomoedas no Brasil?
TI: Nós vemos o mercado de tokenização com um potencial gigantesco, não apenas no Brasil, mas globalmente. Acreditamos firmemente que ele não só pode ser maior que o mercado de criptomoedas, mas que o será substancialmente.
A razão é simples: o mercado de criptomoedas (como Bitcoin, Ethereum, etc.) é, em grande parte, impulsionado pela especulação e pela tecnologia subjacente, mas ainda representa uma fração minúscula do valor dos ativos tradicionais.
A tokenização, por outro lado, visa trazer para o blockchain o valor intrínseco de ativos reais e tangíveis – de imóveis e ações a commodities, créditos de carbono, precatórios judiciais, direitos autorais e até mesmo arte.
No Brasil, já estamos vendo movimentos concretos:
Imóveis: Empresas já estão tokenizando frações de imóveis, permitindo que pequenos investidores acessem um mercado antes restrito.
Crédito: A tokenização de recebíveis e direitos creditórios pode desbloquear liquidez para empresas, agilizando processos e reduzindo custos.
Agronegócio: Commodities agrícolas podem ser tokenizadas, otimizando o fluxo de financiamento e comercialização.
A tokenização democratiza o acesso a investimentos, aumenta a liquidez de ativos historicamente ilíquidos e reduz a burocracia e os custos transacionais. Ao operar em uma infraestrutura como o Drex, que oferece um ambiente regulado e seguro, o mercado de RWA tokenizados tem o potencial de atrair um volume massivo de capital institucional e de investidores de varejo que hoje não se sentem confortáveis com o risco e a volatilidade do mercado de criptoativos puramente especulativos.
Estamos falando de um mercado cujo teto é o valor da economia real, não apenas a digital.
Reserva de ativos digitais
CTBR: Recentemente um tema que vem crescendo é a reserva estratégica de ativos digitais, como anunciou a Meliuz no Brasil. Como vocês veem esse movimento?
TI: O movimento de empresas, como a Meliuz, de criar reservas estratégicas de ativos digitais é um sinal claro da maturidade crescente e da institucionalização do espaço de ativos digitais. Vemos isso como um desenvolvimento natural e positivo por diversas razões:
Diversificação e Proteção de Valor: Em um cenário de incertezas macroeconômicas, ativos digitais selecionados (especialmente os que possuem características de escassez e descentralização) podem atuar como uma forma de diversificação de tesouraria e, para alguns, como uma proteção contra a inflação em moedas fiduciárias.
Posicionamento Estratégico: Empresas que adotam essa estratégia estão se posicionando na vanguarda da economia digital. Elas reconhecem que os ativos digitais e a infraestrutura blockchain são o futuro e querem ganhar experiência direta e entender o funcionamento desse novo paradigma financeiro. É uma forma de "skin in the game".
Inovação e Geração de Valor: Além da simples alocação de caixa, algumas empresas podem explorar oportunidades de gerar rendimentos em protocolos DeFi (embora com análise de risco aprofundada) ou utilizar esses ativos para futuras iniciativas de tokenização e Web3.
Confiança no Ecossistema: Anúncios como o da Meliuz demonstram uma crescente confiança não só na tecnologia subjacente, mas também na evolução do ambiente regulatório brasileiro, que tem se mostrado proativo e inovador.
Esse movimento, que começou com grandes corporações globais, está ganhando tração no Brasil e na América Latina, indicando que os ativos digitais estão sendo cada vez mais vistos como uma classe de ativos legítima e com potencial de valorização e utilidade estratégica.
Sistema Financeiro 2.0
CTBR: O BC falou recentemente que o Drex pode ser o sistema financeiro 2.0. Vocês acham que isso pode acontecer?
TI: Sim, acreditamos que o Drex tem o potencial de ser o alicerce para o que o Banco Central chama de "Sistema Financeiro 2.0". Não é uma afirmação exagerada, mas uma visão ambiciosa e plausível baseada nas capacidades da tecnologia DLT e na forma como o Drex está sendo projetado.
O Sistema Financeiro 1.0 é complexo, com muitos intermediários, liquidação demorada e altos custos. O Drex, ao introduzir o dinheiro programável e uma infraestrutura DLT federada entre os participantes, pode endereçar esses desafios fundamentalmente:
Liquidação Instantânea e Atômica: Transações de ativos e pagamentos podem ocorrer simultaneamente e de forma irrevogável, eliminando o risco de contraparte e a necessidade de pré-financiamento em muitas operações. Isso transforma mercados de capitais, câmbio e outras operações financeiras complexas.
Interoperabilidade e Inovação: O Drex será uma plataforma comum que conecta diferentes instituições financeiras, mercados e, potencialmente, até outras tecnologias de registro distribuído. Isso fomenta a criação de novos produtos financeiros que hoje são inviáveis devido à complexidade da infraestrutura existente.
Redução da Fricção: Ao digitalizar e automatizar processos através de contratos inteligentes, o Drex pode reduzir drasticamente a burocracia, o número de intermediários e os custos operacionais em todo o ciclo de vida de um ativo ou transação financeira.
Transparência e Auditabilidade: A natureza imutável e transparente do blockchain (mesmo que com privacidade garantida no ambiente regulado do Drex) pode aumentar a confiança e a capacidade de auditoria das operações financeiras.
Para que isso se concretize plenamente, será necessário um esforço contínuo de colaboração entre o Banco Central, os participantes do mercado financeiro e as startups. A adoção em larga escala, a capacidade de integração com sistemas legados e a evolução contínua da regulamentação serão cruciais. Mas a fundação está sendo estabelecida para um sistema financeiro mais eficiente, inclusivo e inovador.
Brasil on-chain
5. Os principais players do mercado de investimento já estão estudando e testando como implementar blockchain em sua estrutura. B3, CVM e BC, Cartórios (via e-Notoriado), Receita Federal (bCadastros) são alguns exemplos. Como você vê o futuro no Brasil, ele será cada vez mais 'on-chain' ou estas são iniciativas isoladas? Todas estas redes podem, um dia, se conectar ao Drex ou o ecossistema do Drex consumir dados destas redes via API ou Oráculos?
TI: O futuro no Brasil, sem dúvida, será cada vez mais 'on-chain'. As iniciativas mencionadas no enunciado da questão não são iniciativas isoladas; elas representam uma tendência macroeconômica e estratégica coordenada de digitalização e modernização da infraestrutura do país. O Brasil está se posicionando como um dos líderes globais na adoção de tecnologias DLT em setores cruciais.
As razões para essa transição são claras:
Eficiência e Desburocratização: A tecnologia blockchain oferece um caminho para automatizar processos, eliminar intermediários e reduzir a fricção em registros e transações.
Segurança e Imutabilidade: A integridade dos dados e a segurança das operações são elevadas, o que é fundamental para setores como o financeiro e o jurídico.
Transparência e Auditabilidade: A capacidade de rastrear transações e registros de forma transparente (onde a privacidade é garantida por design) é um grande benefício para a fiscalização e a conformidade.
Sobre a conexão com o Drex: sim, é altamente provável e desejável que essas redes se conectem ou que o ecossistema do Drex consuma dados delas. Vejo dois cenários mais prováveis neste sentido:
Conexão Direta e Interoperabilidade: Se algumas dessas redes forem desenvolvidas sobre DLTs compatíveis ou interoperáveis, pode haver uma conexão direta para troca de ativos e informações. O Banco Central tem enfatizado a importância da interoperabilidade. Imagine um título tokenizado na B3 sendo liquidado em Drex ou um registro de propriedade do e-Notoriado sendo referenciado por um contrato inteligente.
Consumo de Dados via APIs e Oráculos: Para redes que não são diretamente DLT-based ou que operam em blockchains privadas com diferentes protocolos, o consumo de dados via APIs e oráculos será fundamental.
A visão é de um ecossistema financeiro e de serviços públicos altamente integrado, onde o Drex atua como a camada de liquidação e valor, e as demais redes fornecem os dados e a infraestrutura para que todo o sistema funcione de forma coesa e eficiente. Estamos caminhando para um futuro onde a grande maioria das interações financeiras e de registro estará, de alguma forma, ligada à tecnologia blockchain.