Um novo estudo conduzido pela Iporanga Ventures, apoiado por Solana Foundation, Stark Bank e Conduit, indica que o mercado de stablecoins atreladas ao real brasileiro atingiu a marca de cerca de R$ 135 milhões em capitalização (aprox. US$ 25 milhões) em circulação.
O estudo também registra 71.391 detentores, 5 emissores e presença em 6 blockchains. Os tokens monitorados incluem cREAL, BRLA, BRZ, BRL1 e BBRL, com cREAL respondendo pela maior fatia do suprimento e BRL1 aparecendo como a segunda maior oferta entre as moedas estáveis de BRL.
Além disso, o estudo ajuda a explicar por que as stablecoins deixaram de ser experimento para virar infraestrutura de pagamentos. Em 2024, elas processaram mais de US$ 13 trilhões em transações globais, patamar comparável ao volume anual liquidado pela Visa, e hoje concentram mais de dois terços do volume cripto, segundo a Chainalysis.
“As stablecoins já se tornaram uma plataforma global de pagamento”, afirma Rafael Pereira, CEO da Gnosis Pay, destacando integrações como cartões Visa pré-pagos com liquidação em stablecoin.
No Brasil, o encaixe com o PIX criou o trilho doméstico perfeito para entradas e saídas — um fator central para a adoção pioneira de stablecoins locais nos mercados emergentes.
O estudo mostra que a programabilidade é a outra perna dessa transformação: valor que se move por código, em tempo real e sem fronteiras, abrindo espaço para liquidações on-chain que contornam redes como SWIFT e processadores de cartão.
Essa camada permite desde folhas de pagamento e voto eletrônico até DeFi privado com padrões como o eERC20 (ERC-20 criptografado).
Em termos de impacto macro, as BRL-stablecoins movimentaram mais de US$ 920 milhões no ano passado; se capturarem 10% de remessas e trade finance, podem passar de US$ 132 bilhões anuais em fluxos, com potencial de economizar US$ 6,6 bilhões em taxas e intermediação — números que crescem ainda mais quando se incluem crédito, pagamentos internacionais em geral e liquidações inter-protocolo.
Mercado fragmentado, corrida por liderança
Apesar da presença histórica da Transfero (BRZ) e do avanço de BRLA, BRL1 e outros emissores, o relatório aponta um estágio inicial e fragmentado.
“No Brasil, o mercado ainda não decolou… estamos longe de ter um vencedor claro”, diz Fabrício Tota, VP sênior de novos negócios do MB.
Hoje, o suprimento gira em torno de US$ 23–25 milhões, com Polygon concentrando boa parte da emissão — tendência que pode migrar para redes rápidas e baratas como Solana à medida que pagamentos ganhem escala. Além de oferta e volume, pesam os mecanismos de lastro e a prova de reservas: a maioria dos emissores de BRL-fiat vem evoluindo em transparência, mas há assimetrias a endereçar.
Para Leandro Noel, fundador da Avenia, a inovação relevante não está no colateral: “A garantia precisa ser ‘chata’. O foco deve ser aplicação, como as stablecoins criam novos produtos financeiros ou melhoram os existentes.”
Em linha com as stablecoins de dólar, o rendimento das reservas (títulos públicos) tende a compor a receita dos emissores, mas com uma diferença crucial: o real não é reserva global de valor; logo, as BRL-stablecoins tendem a ser mais transacionais do que instrumentos de poupança de longo prazo enquanto a oferta circulante for pequena.
Liquidez: o gargalo central
O estudo também aponta que a liquidez é o calcanhar de Aquiles das moedas estáveis em BRL. Pools DeFi ainda são modestos (≈ US$ 1 milhão em TVL), com destaque para BRL-sDAI no Balancer, criado para dar suporte ao Gnosis Pay no Brasil, e a fragmentação entre emissores espalha a pouca profundidade existente.
No curto prazo, a solução passa por agregação (interligar CEX, OTC e DeFi para melhor execução), incentivos a market makers e maior adoção por fintechs e grandes exchanges do país, de modo a concentrar liquidez em um ou poucos ativos de referência.
Há sinais encorajadores. No on-ramp/off-ramp, players como a Kravata (portfólio da Iporanga) expõem trilhos via APIs e SDKs para B2B/B2B2C, conectando regiões e casos de uso.
“Queremos reduzir custos de pagamentos internacionais, permitir liquidação instantânea a exportadores e dar rendimento a tesourarias, enquanto IA equilibra contas e automatiza conformidade”, explica Felipe Montes, CEO da Kravata. No P2P, a ElDorado cresce apoiada no PIX: “Um marketplace Pix ↔ USDT fomenta competição por melhores taxas, com liquidação em menos de três minutos”, diz Guillermo Goncalvez Espiga, CEO.
Do lado do varejo, crescem casos de poupança em dólar digital (USDC/USDT) e pagamentos a freelancers e criadores; no corporativo, PMEs começam a dolarizar fluxos e cobrir câmbio.
No comércio, a CloudWalk exemplifica a integração com seu BRLC para recompensas e liquidação em POS — um circuito fechado, mas útil para provar redução de custos ao contornar redes de cartão e criar programas de fidelidade nativos em cripto.
Custódia e regulação
Em custódia institucional, o Brasil já conta com provedores como Fireblocks, enquanto soluções de autocustódia (ex.: Picnic, Chainless) avançam com MPC e abstração de contas para simplificar a experiência.
“Aqui surge a tensão regulatória: autoridades aventaram restringir ou até proibir autocustódia, exigindo que transações passem por custodiantes licenciados. A proposta enfrenta resistência do setor, que alerta para risco de fuga a soluções offshore, freio à inovação e descaracterização do modelo peer-to-peer — pontos sensíveis para o futuro das BRL-stablecoins’, indica o estudo
Num ambiente multichain, orquestradores que escondem a complexidade (cadeias EVM, Tron, Solana; CEX/DeFi; fiat rails) serão decisivos. BRZ já nasce multi-chain (Ethereum, Solana, Arbitrum, Base), mas o usuário final não deveria se preocupar com “em que rede está o meu BRL?”: uma camada inteligente escolhe a rota, faz swaps e cuida de compliance em segundo plano.
“Se a liquidação é abstraída, a disputa migra para liquidez, capacidade de construção e distribuição”, resume Antonio Neto, growth lead LATAM da Solana Foundation.
O Ethereum segue forte em densidade de liquidez; Solana encurta distância com velocidade e custos baixos, o que já aparece em volumes e receitas on-chain.
Essa “cola” pode virar o “Visa” das stablecoins: uma sobreposição que conecta bancos, carteiras, exchanges e blockchains para transferências integradas. Startups brasileiras — veteranas em integrações locais de pagamento — estão bem posicionadas para construir pontes LatAm-first e transformar remessas e comércio exterior em experiências de um clique.
O que vem a seguir
Os dados da Iporanga mostram um mercado pequeno em estoque, mas grande em tração: R$ 135 milhões de market cap em BRL, 71 mil detentores e US$ 131 milhões de volume semanal — um giro que sinaliza procura real por trilhos on-chain.
Com a CVM amadurecendo diretrizes, a infraestrutura PIX, a familiaridade do brasileiro com fintechs e a evolução de custódia, orquestração e liquidez, as condições para a próxima perna de crescimento estão no lugar.
A médio prazo, a tokenização deve puxar a demanda estrutural por BRL-stablecoins — como colateral, meio de liquidação entre protocolos e ativo de funding em mercados monetários on-chain — reduzindo a dependência de “representações fiduciárias” em jardins murados.